Sigmund Freud afirma : “Deus é uma ilusão infantil” (Freud, 1927, p. 137). Essa sentença inscreve-se no cerne de sua concepção antropológica: a religião não é produto da razão, mas da necessidade psíquica. Em O futuro de uma ilusão, Freud interpreta a crença religiosa como uma projeção dos desejos inconscientes do ser humano - o anseio por proteção e segurança. Uma estrutura simbólica que dialoga com o inconsciente. Nesse processo, conflitos mal resolvidos na infância — especialmente os ligados à figura paterna — ressurgem sob novas formas simbólicas. A religião, nesse sentido, funciona como um substituto da figura "paterna".
Encontramos em Freud a origem da religião atrelada ao inconsciente. Em Totem e tabu, Freud propõe a hipótese de que a religião, a moral e as instituições sociais derivam do complexo de Édipo, núcleo fundamental da estrutura psíquica. O assassinato do pai primordial, seguido pelo arrependimento e a sacralização de sua figura, constituiria o mito originário da civilização. Dessa forma, a religião não seria um sistema racional de crenças, mas uma elaboração simbólica de culpas e desejos reprimidos.
Nesse contexto, a literatura de Fiódor Dostoiévski surge como uma contraposição intespetiva . Em obras como Os irmãos Karamázov, o autor russo dramatiza, de forma profundamente psicológica, o emaranhado entre fé e razão, liberdade e responsabilidade moral. O célebre argumento de Ivan Karamázov — “Se Deus não existe, tudo é permitido” — antecipa, de certo modo, as angústias que Freud exploraria no âmbito da psique moderna. Para Dostoiévski, a ausência de Deus pode conduzir não à libertação, mas ao vazio moral e à desintegração interior. Quem já leu os demônios, certamente encontrou essa teoria no pensamento do escritor russo. Freud, por sua vez, via a renúncia à ilusão religiosa como uma etapa dolorosa, porém necessária, no amadurecimento psicológico do indivíduo.
A provocação freudiana, portanto, não reside apenas na negação de Deus, mas na desnaturalização da religião como fenômeno humano. Freud desloca o eixo da discussão teológica para o terreno da psicologia, questionando não apenas o conteúdo das crenças, mas as motivações inconscientes que as sustentam — enquanto Dostoiévski, por meio da literatura, explora as consequências existenciais dessa perda de transcendência.
Fica a reflexão
Claudio Castoriadis