Foi uma verdadeira seção de psicanálise! Com escuta e tudo. Eu estava na banheira de água morna, sentia meu corpo se diluir no mundo. Se eu morresse ali, nem ia perceber; minha vida transcorria num flash, num rio. Você tomou notas do que eu dizia? No fundo, foi tudo muito parecido como sempre eram os nossos encontros. Eu sei, hoje ela está cada vez mais parecida com um shopping center, mas eu ainda fico olhando o fluxo de gente saindo da linha verde. Piercings, rodinhas de skate, vestidos, selfies, tatuagens, maravilhosos pés descalços em havaianas, salto alto, tudo! Ignoro e peno que você está dentro de um poema de Baudelaire. Isso que é vida. Outra coisa, em uma das vezes que eu te esperava, todo preparado, caderno, carregador de celular, roupa e folhas, sapatinho de couro direto de Buenos. Fiquei escrevendo meu próximo comentário. O que não faltavam eram trocados para café e doces em um lugar barulhento. Rimbaud e Helder falam que “Você mora na Berlim Ocidental, / eu na Oriental, mas o Muro / caiu já há duas décadas.” É uma questão de muros imaginários que ainda atuam. Ondas virtuais atravessando o espaço. Alívio imediato. Era tudo o que eu queria, ser um fotógrafo. Mandaria por whats depois. O coração é uma célula sufocada.
Tudo isso faz de mim uma pessoa mais descolada. Foi o que anotei no caderno te esperando no café, aberto a tudo que vinha. Aqui, aqui!, diga. Tintas se dispersam na água. São filtros e são enganos coloridos. Oitenta por cento do seu corpo não existe muito longe daqui .