A influência do pensamento filosófico nas
demais fontes de conhecimento é indubitável. Talvez seja nisso que consiste a grandeza
da estrutura filosófica. Não existe limite para a filosofia. A virtude da
filosofia se exterioriza em sua encantadora desenvoltura em qualquer espaço intelectual
- A arte por exemplo, Filosofia tem um pouco de arte e a arte tem um pouco de
filosofia. Pensar dessa forma é mais que pensar grande, é reconhecer a elegância
do domínio da Filosofia em nossas vidas. E falando em arte que tal pensarmos a
relação entre filosofia e literatura que perpassa as paredes frias dos limites
do conhecimento? Os saberes se interrelacionam, se completam. Pois bem, podemos
presenciar flagrantes diálogos entre filosofia e literatura nos romances do
mestre Dostoievski. A obra dostoievskiana explora o lado mais obscuro da
personalidade humana. Autodestruição, a
humilhação e o assassinato, além da analisar estados patológicos que levam ao
suicídio, à loucura e ao homicídio; são temas trabalhados de forma mais lúdica
pelo gênio russo. Seus escritos são chamados por isso de "romances de
ideias", pela retratação filosófica e atemporal dessas situações. O
modernismo literário e várias escolas da teologia e psicologia foram
influenciados por suas ideias. Um autor intrigante sem dúvidas. Fiódor
Dostoiévski (1821–1881) foi um dos maiores escritores da literatura russa,
sendo considerado o fundador do existencialismo, mais frequentemente por Notas
do Subterrâneo, descrito por Walter Kaufmann como a "melhor proposta para
existencialismo já escrita".
"O
existencialista, pelo contrário, pensa que é muito incomodativo que Deus não
exista, porque desaparece com ele toda a possibilidade de achar valores num céu
inteligível; não pode existir já o bem a priori, visto não haver já uma
consciência infinita e perfeita para pensá-lo; não está escrito em parte alguma
que o bem existe, que é preciso ser honesto, que não devemos mentir, já que
precisamente estamos agora num plano em que há somente homens. Dostoiévsky
escreveu: "Se Deus não existisse, tudo seria permitido". Aí se situa
o ponto de partida do existencialismo." Assim falou o Filósofo JEAN PAUL SARTRE.
Com essas
considerações testemunhamos um autor bem quisto não apenas na literatura, mas
também acolhido pelo movimento filosófico denominado existencialismo. Contundente,
é o mínimo que podemos pensar. Pois bem, vamos conhecer um pouco desse monstro
do conhecimento humano.
Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski nasce em
1821, em Moscou, filho de um médico, homem austero e autoritário, e de uma mãe
doce, segundo seus biógrafos, que sofreu em silêncio o despotismo do marido
avaro. Aos dezesseis anos, perde a mãe, vítima de tuberculose e dos ciúmes
injustificados do marido que, a partir de então, refugia-se na província e no
álcool. Fiódor, logo a seguir à morte da mãe, sofre de uma doença de garganta,
uma afonia que deixará vestígios para toda a sua vida. Marcado pela
solidão, no colégio era tido como desconfiado e tímido. Segue a Escola de
Engenheiros Militares de São Petersburgo, à qual não parece se adaptar, mas é
nesse período que conhece os clássicos da literatura mundial. Dostoiévski se
apaixona de imediato pelos textos textos de Púshkin, Schiller, Byron, Shakespeare
e Balzac. A sua primeira publicação deu-se com a tradução do romance de Balzac
‘Eugenie Grandet'. Quanto à publicação de seu primeiro romance, Pobres Gentes,
foi recebido com grande entusiasmo, do crítico literário Vissarion Beleinski,
inclusive.
Quando seu irmão fica noivo, Fiódor se depara
com um acontecimento que o marcará para toda a vida: A morte do seu pai. Que provavelmente
foi assassinado pelos seus servos, como vingança pelo cruel tratamento que
recebiam. Quando soube da morte de seu pai, o escritor sofreu uma convulsão
epilética. (Dostoiévski iria padecer do mal da epilepsia até os seus
derradeiros dias.) Nosso autor sai da Escola, ao final de seus estudos, é
nomeado alferes, e sua vida, isento da tutela patema, segue um curso
inteiramente livre, pelos teatros, concertos, casas de jogo, ruas, cidades.
Começa a escrever e, um ano mais tarde, sai do ofício de alferes. Em 1847, veria
sua carreira de escritor sofrer uma trágica interrupção quando passou a
integrar o grupo liderado por Petrachevski (Círculo de Petrashevski), que se
reunia para discutir acontecimentos políticos, literários, temas relacionados
com o socialismo, a censura, a abolição da servidão, entre outros; onde
aproveitam para fumar, beber, discutir literatura, política, criticando o
regime e censurando o estado deplorável dos camponeses, da economia. A
expectativa de Dostoiévski era otimista ao mesmo tempo que infantil acreditando
que as ousadas revolucionárias não convinham à Rússia, esperando que o próprio
czar realizasse as reformas necessárias, e tomando-o como “um pai para o seu
povo”. Por esta razão, abandona este movimento, fundando com outros
companheiros uma outra sociedade, mas são denunciados, e, em abril de 1849, é
preso na fortaleza de Pedro e Paulo, onde aguarda julgamento. Após idas e
vindas do processo, ele é finalmente julgado e condenado a quatro anos de
trabalhos forçados na Sibéria, como presidiário, e depois mais quatro, como
soldado raso. Mas o imperador, o mesmo que para o gênio russo deveria ser o pai
do povo, deseja que seja dada uma lição aos conspiradores: os condenados serão
colocados no patíbulo em praça pública, para serem fuzilados, serão atados aos
postes, de olhos vendados, e verão alinhar-se na sua frente os pelotões de fuzilamento.
Os soldados apontarão as espingardas e uma voz gritará “Fogo!”, mas os tiros não
chegam a partir. Na voz do General Rostóviev, se ouvirá a sentença : “Em sua
inefável clemência, Sua Majestade, o czar, concede-vos a graça da vida...”
Esses momentos de tamanha maldade estão descritos em Diário de um Escritor. Dostoiévski
estava apenas com 27 anos, quando, na véspera do Natal de 1849, foi conduzido
com outros condenados, em trenós descobertos, com o frio de vinte graus
negativos, para cumprir a pena na Prisão de Omsk, na Sibéria. Sobre essa prisão
e sobre tratamento desumano que era dispensado aos prisioneiros, Dostoiévski
fez alguns comentários:
“Imaginem um
velho barracão de madeira em ruínas. No verão asfixiávamos com falta de ar e no
inverno o frio dilacera-nos a carne. O soalho era todo esburacado e cheio de
imundícies; escorregávamos e caíamos a cada passo. O gelo cobria totalmente as
vidraças, de modo que mal se podia ler durante o dia. A água pingava
constantemente do telhado, e havia corrente de ar glaciais em todo lado.
Estávamos comprimidos uns contra os outros como arengues numa barrica. Mesmo
quando acendiam o fogão com chamas de lenha seca, mal amornávamos (o gelo
derretia a muito custo) e ficávamos como que envenenados pela fumarada. Era
assim que vivíamos todo o inverno (...). Cobríamos com peles de carneiro muito
curtas, que me deixavam as pernas a descoberto. Tiritava de frio toda a noite.
Havia milhões de percevejos, piolhos e carochas”.
Não foram tempos
fáceis, Dostoiévski assistiu a terríveis espancamentos e torturas, e de tudo o
que presenciou e sofreu resultaria na sua narrativa sobre esses anos cruéis,
que passariam a integrar o seu livro Recordações da Casa dos Mortos. Nessa obra
inflamada por passagens amargas compreendemos a condição de um presidiário em
Omosk, no convívio com criminosos condenados pelos mais diversos crimes, além
dos presos políticos. vale lembrar que, Dostoiévski é o primeiro escritor a escrever sobre os
campos de trabalhos forçados da Rússia czarista. Choca a muitos pelo realismo
de seus relatos: homens presos pelos pés por correntes, imundícies,
promiscuidades, castigos corporais - os presos eram surrados com chicote ou vara,
que só cessavam com a ordem do médico da prisão, para daí serem levados aos
hospital, até retornarem para o cumprimento do castigo a que foram condenados.
O tempo no exílio não o faz produzir suas maiores obras, mas é aí que ele
recolherá material para sua inspiração, vivendo entre criminosos, assassinos,
ladrões, e as leituras da Bíblia, única fonte de acesso em quase todo o período.
Em 1854, ao sair do presídio, é enviado como soldado para uma pequena cidade da
Sibéria, conhecendo aquela que viria a ser sua primeira mulher, Maria
Dimitrievna, mulher de temperamento exaltado, sentimental e fantasista, casada,
a essa época, com um alcoolista, desempregado. É com Maria que ele encontrará o
diálogo sobre literatura e artes, até que o seu marido é novamente empregado e
transferido para outra cidade. Fiódor a vê partir e sabe, adiante, do
envolvimento de Maria com o preceptor de seu filho, a quem irá encontrar, para
fazê-lo desistir dela. Maria fica viúva, mas não se decide a casar com Fiódor.
Em 1856, ele é promovido a oficial, Maria se decide e no ano seguinte se casam. Na noite do
casamento, ele sofre um violento ataque de epilepsia. Sete anos depois, morre Maria
de tuberculose, e ele assim dirá dela : “Ela, meu amigo, amou-me sem limites, e
eu a amava também sem medida, e, contudo, não fomos felizes; mas embora
tenhamos sido verdadeiramente desgraçados, devido ao seu estranho caráter,
receoso e morbidamente fantasioso, nunca deixamos de nos querer, e quanto menos
felizes éramos, mais apego tínhamos um ao outro... Era a mulher mais nobre,
mais leal e generosa de todas que tenho conhecido...” no ano de 1859
retorna à Rússia.
O imperador agora é Alexandre II, que inicia as reformas, sem, contudo, apaziguar os ânimos mais exaltados. ainda assim, nosso herói permanece na crença de que caberá ao czar realizar os caminhos por uma Rússia mais justa, tomando-o como pai do povo. Sua segunda viagem à Europa, ele a fará não com sua esposa, que está moribunda, mas em companhia de uma jovem de 16 anos, admiradora fiel de suas oratórias. Fiódor tinha, a essa época, cerca de 40anos de idade. Pede um empréstimo à Caixa de Socorros a Escritores Necessitados, planeja encontrar-se com Polina, mas desvia-se antes de chegar a Paris, detendo-se em Wiesbaden e aí perdendo todo o dinheiro... no jogo. Polina e ele ainda viajam, mas, no retomo por Wiesbaden, novamente Fiódor se detém e aí perde mais dinheiro, quase tudo o que levava. Pra piorar, seu irmão morre, deixando uma dívida que só poderá ser coberta com a publicação de todas as suas obras, e de mais uma inédita.
O imperador agora é Alexandre II, que inicia as reformas, sem, contudo, apaziguar os ânimos mais exaltados. ainda assim, nosso herói permanece na crença de que caberá ao czar realizar os caminhos por uma Rússia mais justa, tomando-o como pai do povo. Sua segunda viagem à Europa, ele a fará não com sua esposa, que está moribunda, mas em companhia de uma jovem de 16 anos, admiradora fiel de suas oratórias. Fiódor tinha, a essa época, cerca de 40anos de idade. Pede um empréstimo à Caixa de Socorros a Escritores Necessitados, planeja encontrar-se com Polina, mas desvia-se antes de chegar a Paris, detendo-se em Wiesbaden e aí perdendo todo o dinheiro... no jogo. Polina e ele ainda viajam, mas, no retomo por Wiesbaden, novamente Fiódor se detém e aí perde mais dinheiro, quase tudo o que levava. Pra piorar, seu irmão morre, deixando uma dívida que só poderá ser coberta com a publicação de todas as suas obras, e de mais uma inédita.
Ele parte
novamente em busca de Polina, que o recusa, volta para casa e vai ditar uma
nova obra O Jogador, a uma estenógrafa de 20 anos de idade, uma moça modesta,
moderna, medianamente instruída e inteligente, que cuidará de assegurar, a esse
homem, o ambiente e as condições necessárias para realizar os seus mais belos
trabalhos. As dívidas o levam para fora da Rússia por quatro anos, passados em diversos
países da Europa, entre cassinos e obras literárias. Volta à Rússia, com dois
filhos, e em 1881, aos 60 anos, com enfisema pulmonar e ainda com ataques de
epilepsia, morre, deixando um grandioso acervo literário para as gerações
póstumas.
Por Claudio Castoriadis
Claudio Castoriadis |