Neste pequeno espaço, de puro mistério, onde meu imaginário se contorce
de amargura, sem a sobrecarga das minhas obrigações cotidianas, me debruço na
mais sutil centelha de memória sem me aprisionar em meus devaneios egoístas e
enfurecidos em busca de um sentimento último de consolo. Gostaria de, numa
sequência de curtas lembranças explicar o motivo de minha amargura. Há uma
semana e pouca horas eu fiz uma descoberta sobre minha pessoa que me abalou
como nunca antes. Que descoberta seria essa vocês devem está se perguntando-, Eu
sou um homem egoísta, um ser doente, desprezível, por que não afirmar o mais
ignóbil de todos?... Sou um homem cruel. Sou um homem desagradável. E acreditem,
isso me pesa, uma sobrecarga tal qual raramente me deparei em todo momento
insólito da minha existência, mais real e mais verossímil de todas que posso
suportar. Estou perturbado, há horas, nessa pequena sala, eu só faço andar e
tentar esclarecer isso tudo para mim mesmo. É só o que faço andar e fumar um
cigarro após o outro, andar, andar, andar...Santo Deus! Refrigera minha alma
por que todo o meu horror remete justamente no fato de compreender tudo! Sou péssimo
com palavras, ainda mais quando estou tão aflito. Porém, tenho que falar nem
que seja da maneira mais medíocre possível. Eu sei que para muitos esse fato
pode parecer ridículo, assim como sei que um sorriso desdenhoso se estampa no
rosto de muita gente que já me conhece. Pois bem, eis minha história.
Exatamente umas duas semanas de
tardinha onde eu costumava ir passear com meu cão até o velho lago em lugar
bastante frequentado por pessoas idosas e mulheres desocupadas- acho que meu
sentimento por elas são os mais negativos possíveis- todas almas abortadas, mal
amadas. Pessoas ridículas. Enfim, foi nesse lugar peculiar que recebi uma triste
noticia; Um funcionário meu acabara de se matar. Ele havia saltado nas aguas
cobertas pela ponte Golden Gate, que corta a baía de São Francisco, apesar de
ser um grande ponto turístico americano, é também o lugar do mundo com o maior
índice de suicídios. Sua rotina mórbida revela uma sinistra parte do
cartão-postal que eu não conhecia até o momento. Além do movimento de carros,
pedestres e turistas, pessoas saltam dela em busca do desconhecido. Para mim
poderia ser apenas mais um caso no meio de tantas estatísticas. Mas naquele dia
se trava de um funcionário da minha empresa. A Golden Gate Bridge é a ponte
localizada no estado da Califórnia, nos Estados Unidos, que liga a cidade de
São Francisco a Sausalito, na região metropolitana de São Francisco, sobre o
estreito de Golden Gate. Principal cartão postal da cidade, uma das mais conhecidas
construções dos Estados Unidos, e é considerada uma das Sete maravilhas do
Mundo Moderno pela Sociedade Americana de Engenheiros Civis. É uma obra de arte,
não foi a toa que resolvi instalar minha empresa imobiliária na região
metropolitana de são Francisco. Perdão... Minhas estratégias administrativas
não vêm ao caso e sim o fato de um funcionário da minha empresa ter tirado de forma tão estupida a própria vida. Mas sabe a maior irônia nisso tudo? A depauperação
do meu angustiante dispêndio? Eu não
dava a mínima para ele. Sim! Exatamente. Minha relação com ele era apenas de um
casual “bom dia” e “tenha um ótimo dia chefe”. Certa vez Albert Camus relatou
que o suicídio era um problema Filosófico verdadeiramente sério. Foi pensando
nisso e na imagem estética da minha
empresa que fiquei deveras abalado com o caso desse jovem e fui investigar a
vida do mesmo para tentar entender uma tragédia tão delicada e controversa.
O que mais me deixava intrigado era que ele não demonstrava transparecer
qualquer melancolia. Era um funcionário exemplar- era o primeiro a chegar e o
último a sair. Ganhava o suficiente para uma vida confortável. Era casado,
tinha uma bela esposa e dois filhos um garoto de que já passava dos sete anos e
uma menina recém nascida. Obtive essa informação através de uma outra funcionaria
minha que se dizia única amiga dele. Eu até tentei manter contato com a sua
esposa, mas não foi possível ela mudou de cidade depois do ocorrido. Mas eu não
entendo, geralmente, os casos de suicídio são marcados por um traço peculiar: a
solidão. Ele não era só. Era agraciado por uma linda família. Me sinto curvado
por um peso e sentimento de covardia. Estou sobrecarregado. Algo poderia ter sido
feito? Foi algo que falei? Afinal sou um homem de palavras desumanas com meus funcionários;
algum tipo de corte salarial? Não encontro respostas, maldição, maldição... Por
quer estou tão abalado? Pobre criatura. Ele era franzino, loiro, baixo, sempre
desajeitado no trato comigo. Mas quem não ficava perturbado na minha presença? Visto
que eu sou um calhorda, um fraco que tem prazer em humilhar, sim, sou um sádico.
Já está escurecendo, estou sentado aqui há horas. Todos os funcionários já
se foram; quem diria agora o chefe é o último a sair de sua empresa. Chega de arrodeio...
Vou direto ao ponto.
Sabem por que estou assim? Ontem pela manhã assim que cheguei em meu escritório
a mesma funcionaria que era meu único vinculo com ele me relatou algo que me
acertou como uma bofetada no rosto. Foram exatamente essas suas palavras: “o senhor lembra que na mesa dele sempre
tinha doces espalhados entre pilhas de papeis? E que geralmente eram seis? Todo
santo dia ele repetia esse ritual, chegava cedinho, dava bom dia há todos ao
seu redor e tirava do bolço um punhado de doces. Como amiga eu tive a
curiosidade de perguntar por que tal extravagância. E por quer tinha que ser
sempre seis doces. Foi então que ele confessou baixinho no meu ombro: “na verdade
minha estimada amiga sempre compro nove balas antes de vim ao trabalho sabe por
quê? É minha forma de reconhecer as pessoas que admiro... três deixo com minha família,
uma guardo pro nosso chefe e as demais distribuo entre vocês” Por falar
nisso, ele sempre voltava com um doce pra casa. Ainda tenho um aqui, na minha
bolça, o senhor quer? – não obrigado senhorita guarde. Acredite é o mais sensato.
"em memória de todas as almas solitárias"
"A vontade é impotente perante o que está para trás dela. Não poder destruir o tempo, nem a avidez transbordante do tempo, é a angústia mais solitária da vontade"
"A vontade é impotente perante o que está para trás dela. Não poder destruir o tempo, nem a avidez transbordante do tempo, é a angústia mais solitária da vontade"
-Nietzsche
Por Claudio Castoriadis