Essa concepção, por mais desconfortável que pareça, desloca a centralidade do saber como valor absoluto e abre espaço para pensar o humano a partir de suas falhas, incertezas e contradições. A ignorância, assim, deixa de ser apenas um déficit a ser superado e passa a ser também um campo de investigação sobre o próprio modo como nos relacionamos com o mundo, com o outro e conosco.
Platão, por meio da figura de Sócrates, já sugeria que o reconhecimento da própria ignorância é o primeiro passo rumo à sabedoria. Ao declarar que “só sei que nada sei”, o filósofo propunha uma forma de saber fundada na humildade epistemológica. Séculos mais tarde, Nietzsche radicaliza essa postura ao afirmar que a verdade é uma ilusão de que nos esquecemos que é ilusão, e que a busca pelo conhecimento é muitas vezes atravessada por impulsos de dominação e vontade de poder. Para ele, a ignorância não é apenas inevitável — ela é também constitutiva da nossa maneira de dar sentido ao mundo, pois somos criadores de interpretações e não detentores de verdades absolutas.
Contemporaneamente, autores como Boaventura de Sousa Santos insistem na necessidade de uma “sociologia das ausências”, alertando que parte significativa da ignorância moderna é fabricada: trata-se de uma ignorância produzida por sistemas de saber que silenciam outras formas de conhecimento. Já Byung-Chul Han observa que a obsessão por transparência e informação, típica das sociedades contemporâneas, não necessariamente gera compreensão — ao contrário, pode obscurecer ainda mais a experiência do real, inundando-nos com dados e nos afastando da reflexão.
Portanto, pensar a ignorância não como uma falha a ser superada, mas como parte integrante da condição humana, permite reavaliar as categorias clássicas do saber e da verdade. Em vez de um obstáculo, ela pode se apresentar como ponto de partida para uma ética do cuidado com o desconhecido, com o outro e consigo mesmo — uma ética fundada na consciência de nossos próprios limites.