Serenidade — ou uma apatia em delírio?
Essa, é claro, é uma pergunta que começa e termina em segredo — um circuito fechado onde cada minuto traz consigo o risco de um novo aforismo prestes a ser demolido, uma nova queda. A cada instante, uma oscilação: ora abismo, ora névoa. Nada mais próximo de um turbilhão do que de qualquer ideia de clareza.
O que seria mais insidioso: essa apatia que corrói de modo imperceptível, como o mofo que se infiltra pelas frestas da alma, ou a serenidade que se instala como um véu diáfano — inútil e ornamental — sobre um vazio inominável? Às vezes, sinto-me como uma marionete de fios puídos, prestes a se romper, mas que ainda assim... continua em cena, obedecendo a coreografias que ninguém mais assiste.
Pergunto-me: como manter a inteireza quando tantas presenças — espectros, fragmentos, memórias — golpeiam os portões da minha mente, exigindo entrada? Ou, quem sabe, já tendo se alojado sem que eu percebesse? Elas não apenas sussurram — elas urram. E, no entanto, falam todas a mesma língua: a linguagem crua do sofrimento, que dispensa tradução.
Esta é, talvez, a minha condição mais autêntica: ser o eco dissonante de vozes que se entrechocam, se confundem, se devoram. Um ruído branco onde cada som quer ser o último.
A montanha das criaturas — confinadas numa caixa de fósforos.
Gosto de imaginar o mundo como uma mágica encantada, a mais fascinante de todas. Vivo tentando decifrar seus truques, mesmo sem conhecer o macete do coelho na cartola. Mas temo afogar-me nas verdades que ele esconde com tanto zelo. E se houver uma verdade? Uma só, absoluta, origem e sustento de todas as coisas? Ainda assim, creio que ela se tornaria indesejável tão logo lhe arrancássemos o véu, tão logo quebrássemos suas máscaras — e são tantas, são inúmeras… Até o que chamamos de “verdade” se desfaz quando se coloca sob a pressão de uma mente que tenta, e falha, em compreendê-la.
É difícil nomear o sentimento que nos invade quando somos lançados no abismo do novo — esse território hostil por ser estranho, esse lugar onde a alma tropeça em sua própria sombra. Seria por isso que me encontro neste cemitério anacrônico?
O que pensar da vida neste instante? Talvez, uma lúdica tragédia que consome meu ser a cada amanhecer.
Paciência, disseram-me. A primeira vez é sempre assim.
Esperamos tanto da vida… e ela, em sua glória muda, nos oferece um vasto campo de promessas:
A possibilidade de um lar risonho, uma casa em meio ao silêncio do campo, filhos que brotam como flores, vizinhos cordiais, reconhecimento em um ofício digno, amigos fiéis, festas que dançam na memória, finais de semana serenos, um jogo que nos arranca sorrisos, uma pessoa bela que passa ao acaso, uma refeição que conforta, um livro que transforma, uma conversa que acolhe, um inverno de lembranças, um jardim exuberante, uma companhia desejada, uma poesia que toca a carne da alma, uma pintura que abre janelas no olhar, uma caminhada sem pressa, uma noite de sono que cura, ou até o prazer triste e silencioso de um cigarro solitário.
Sim, nossa existência tem fome de ser. Fome de existir mergulhada em possibilidades.
Mas… e quando tudo perde o sentido?
Quando tudo para. Onde assentamos a alma? Como consolamos o pranto? Onde refrigera o querer? Em que instante deixamos de ser?
Talvez seja quando as perspectivas se apagam. Quando tudo se esgota com a violência de um perfume que evapora. Quando a vida perde seu aroma, seu sabor, sua razão. Nesse momento deixamos de ser — e nossas escolhas tornam-se sombras. O espírito envelhece. Vagamos no vale do esquecimento.
Saímos de um labirinto apenas para adentrar uma caverna tosca, fria, silenciosa. Um quarto. Um asilo. Último abrigo. Um corpo sem órgãos.
Ali o tempo rasteja. Os minutos tornam-se eternos. E ninguém vê nossa existência definhar, caminhando sem rumo, como um espectro errante.
Demônios.
Sim, eles existem. E caminham entre nós.
O mais irônico é que um deles parece ter escolhido este asilo para passar férias.
Desde minha chegada, os sinais não cessam: ruídos inexplicáveis, luzes que se acendem sozinhas, temperaturas que caem subitamente, objetos que se movem sem toque, sombras dançantes, vozes que não vêm de lugar algum.
Acontecimentos estranhos, violentos — arruaças paranormais, como costumo dizer.
Mas qual seria o sentido de tanta perturbação?
Seria desabafo, vingança, ressentimento de almas condenadas a vagar?
Faz sentido. Afinal, quem gostaria de viver no inferno?
"Não há doutrina que eu removeria com mais prazer do cristianismo do que essa, se eu tivesse o poder. Mas essa doutrina tem pleno apoio das Escrituras — e sobretudo das palavras do próprio Senhor."
— C. S. Lewis
Dante, o florentino, imaginou o inferno em nove círculos que se afundam como espirais na dor. Um lugar onde as almas sofrem, suspensas entre o mundo da matéria e o da imaterialidade.
Hades, para os gregos. Inferno, para os cristãos.
Sempre um lugar de suplício.
Alguns creram em um inferno temporário, uma espécie de purgatório decadente, uma hospedaria sombria de onde a alma poderia sair, redimida.
Mas tudo isso pouco importa agora.
Só espero que este asilo não se transforme na Abadia de Borley — o lugar mais assombrado da Inglaterra, onde, dizem, ouvia-se uma música fúnebre entre as paredes, e um monge morto ainda caminhava pelo átrio.
Desejo para este lugar um destino menos grotesco.
Pacientes dormindo em paz, longe do incômodo de entidades desocupadas.
Mas as clínicas carregam energias pesadas.
As pessoas fingem não perceber — nisso são especialistas.
Comigo é diferente.
Não estou aqui para fingir.
Tenho um dom: mandar demônios vagabundos de volta para o inferno.
Curioso… posso ser uma mulher comum, escondendo um monstro nos porões da alma — ou uma neurótica elegante, vestida de camisa de força.
Tudo faz parte do jogo.
Às vezes, sinto a morte em minha garganta — como o enjoo que vem depois de vomitar o próprio abismo.
A vida não me lançou aqui por acaso.
Fraca, solitária, sem rumo — foi exatamente aqui que Mawilda e seu irmão me colocaram para o meu primeiro trabalho.
Depois de anos mergulhada em teoria, era chegada a hora da prática.
04:30 da manhã.
Bem agasalhada, caminho pela aléia junto ao muro da enfermaria.
O sol, ainda pálido, aquece as janelas, refletindo as esculturas do jardim.
Pássaros cantam.
O dia é belo.
Atravesso um pequeno jardim — encantador, com suas flores despertas pela estação.
Mas estou exausta.
Ainda terei algumas horas de sono.
E mais tarde, talvez, encontrarei minhas crianças imaginárias — e mandarei um demônio de volta para onde nunca deveria ter saído.
"Já mandou alguém para o inferno?"
Essa pergunta ecoa.
Ressoa no crânio como um sino invisível.
Ainda tenho dúvidas. Minhas dúvidas…
Olho em volta.
Um nevoeiro tênue cobre a clínica.
Ouço, ao longe, as conversas dos funcionários e dos pacientes.
E então, pela lateral, vejo Mawilda, de mãos dadas com o irmão.
Acenam para mim.
Meus garotos.
O que seria de mim sem vocês?
Cheguei aqui desorientada, com cinzas no lugar do coração — e descobri que posso ser outra, levando o fogo dos meus olhos para queimar os fantasmas do mundo.
Algo me diz que, esta noite, terei uma conversa importante com um certo demônio.
Claudio Castoriadis
