domingo, 9 de fevereiro de 2014

Na fumaça do boêmio: malandragem e intumências

Nunca fui mais que um boêmio isolado,
o que é um absurdo; ou um boêmio místico,
o que é uma coisa impossível.
(Fernando Pessoa)


O mistério da vida coincide dentro de um estalo crescente que atravessa a ribanceira do ontem enquanto germina o amanhã refratário, o sonho acordou pulando na fumaça do boêmio que fumava acordado encostado na madrugada sem horário. Arregaçando o bigode úmido chegou sem aviso prévio com malandragem e intumências de quem deita no colo da mesa. Escurecido pelas sombras das moscas vitroladas nas sobras do gosto tirado pra dançar; desbravou conversas banguelas na boca da nota seresteira que exalava água na saideira. Pouca luz chorada pela vida do carteado, embaralhando a falência múltipla dos metaforizados, sonetos estelionatários, cantadas perdidas, velhas valsinhas, vadia é vasilha da vida, na qual o quotidiano descarrega o apito da fábrica de extrair bobagens. 


Por Claudio Castoriadis
Imagem: fonte web

O PRIMEIRO HOMEM - IL PRIMO UOMO: adaptação do livro inacabado de Albert Camus

Em que reside o absurdo do mundo? Nesse resplendor ou na lembrança de sua ausência? Com tanto sol armazenado na memória, como fui capaz de apostar no absurdo? Isso provoca o espanto de algumas pessoas que me rodeiam; também eu sinto-me surpreso em certos momentos.

Albert Camus

Numa coprodução entre França, Itália e Argélia, Gianni Amelio adapta ao cinema o livro póstumo de Albert Camus que retrata uma viagem de cariz autobiográfico do próprio autor. Albert Camus estava trabalhando neste livro quando um acidente automobilístico lhe tirou a vida em 1960. A obra retrata a Argélia e a infância do autor e explora temas como o absurdo da morte.

Regressemos à Argélia dos anos 50, onde franceses e árabes se debatem pela liderança do país. Ao país regressa Jacques Cormery, um dos mais reconhecidos escritores da época. O filme viaja ao passado e retrata o crescimento do escritor, proveniente de uma família humilde e que a inteligência vai levar mais longe.

Toda a ação da infância é mostrada de uma forma bela, a um ritmo fluido e que dá vontade de acompanhar. Sentimos uma identificação natural com a criança que foi Cormery e vamos percebendo a sua identificação para com o país, que no presente é posta em causa.

Depois voltamos ao presente e a um território em que as diferenças culturais se transformaram numa guerra entre povos. A Argélia é um país onde todos lutam pelo valor de uma pátria em que acreditam, independentemente do que isso possa trazer. Cormery, que estava ausente em França, é encarado como um estrangeiro, contudo o escritor cresceu argelino e sente-se argelino. Jacques Cormery vai ter de provar aos outros, mas acima de tudo a si próprio, a sua ligação à terra que o viu crescer.

A nível estético, o filme não merece outra palavra que não seja genial. Todas as cenas são compostas de uma beleza visual como há em poucos. A forma crua e real que traz vai desde a infância à guerra que se encontra em aberto nos anos 50. Cada cena é pensada e filmada ao pormenor, com detalhes que mostram a excelência do filme.








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