domingo, 23 de março de 2014

Quando ganhei um dicionário informal


Casa de papelão tem hora de levantar, se ajoelhar, pendurar carrilhões de traças no fundo do sono perdido, como uma estrela, se perde entre planetas e satélites tripulados. Minha família está numa folha de cartolina retocada por sobras de comidas, nesse papel por escrito, reposiciono linhas por mim reescritas, minha sorte é cantiga, reboca os córregos de dentro da minha caixa de guardar ausência, meu coração é leito para minha alegria, minha fé tem a força da luz que queima da lamparina na janela alheia.

Quando ganhei um dicionário informal, foi assim, dessa maneira: um exemplar inteiro de frases adequadas para meu segundo nascimento. Minha imaginação grelhou em meu pensamento vidrado, minha cabeça se tornou capacete, estrela cadente, estrela carente, a realidade começou comigo, o amanhecer desremelou o sol do cordão umbilical. Ainda não sei decifrar toda fala que o mundo diz, por enquanto gravo onde meu olho bate, observando a distância que dobra nos meandros dos cílios do mundo. Penso: gosto desse cheirinho de páginas habitacionais e dos bilhetes arribados por palavras estranhas motivacionais. 


Por Claudio Castoriadis
Imagem: fonte web

Sobre o Autor:
Claudio Castoriaids Claudio Castoriadis é Professor e blogueiro. Formado em Filosofia pela UERN. Criador do [ Blog Claudio Castoriadis ] Tem se destacado como crítico literário.Seu interesse é passar o máximo de conhecimento acerca da cultura >

segunda-feira, 17 de março de 2014

Poemas russos


Como toda poesia prospectiva, a poesia Russa cobre uma estética temporal; tecendo reflexões sobre a instabilidade do ser humano e sobre sua mais completa indestreza quando se trata de ser alteridade.

Ao travar conhecimento com o trabalho de tradução de poesia russa realizado pelos irmãos Augusto e Haroldo de Campos, em parceria com Boris Schnaiderman, percebemos estar diante de uma seara literária maior e mais vasta do que supúnhamos a princípio.

Muitos dos nomes que já faziam parte de nosso repertório, como Maiakóvski (sob a repu­tação de “poeta do comunismo”, e que nos atingia, sobretudo, através de sua biografia) e Boris Pasternak (que conhecíamos de Doutor Jivago, mas cuja produção poética ignorávamos), revelaram-se grandes surpre­sas, uma vez lidos e observados mais a fundo. Outros que conhecíamos bem pouco, como Anna Akhmátova, e outros que desconhecíamos por completo, também nos foi possível ler, em grande parte, nas antologias organizadas pelos Campos e por Schnaiderman – Antologia de poesia russa moderna, publicada pela Editora Brasiliense, em 1968, e Poemas de Maiakóvski, pela Perspectiva, em 1982.

Nas poesias selecionadas, o leitor poderá conhecer um pouco mais sobre o processo de tradução empreendido pelos irmãos Campos e por Boris Schnaiderman, assim como outros tradutores de poesia russa.



Nacos de nuvem
Vladímir Maiakóvski
Tradução de Augusto da Campos

No céu flutuavam trapos
de nuvem – quatro farrapos;
do primeiro ao terceiro – gente;
o quarto – um camelo errante.
A ele, levado pelo instinto,
no caminho junta-se um quinto.
Do seio azul do céu, pé-ante-
pé, se desgarra um elefante.
Um sexto salta – parece.
Susto: o grupo desaparece.
E em seu rasto agora se estafa
o sol – amarela girafa.

1917-1918



Sóis

Marina Tsvetáieva
Tradução de Aurora Foroni Bernardini

O sol é um só. Por toda parte caminha.
Não o darei a ninguém. Ele é coisa minha.
Nem por um raio. Nem por um olhar. Nem por um instante. A ninguém. Nunca.
Que morram as cidades numa noite constante!
Nos braços vou apertar, que não possa girar!
Faço as mãos, os lábios, o coração queimar!
Se desaparecer na noite infinita, no encalço hei de correr...
Meu sol! A ninguém o darei!


fevereiro de 1919


A Tchaadáev

Alexander Púchkin
Tradução de José Casado

Amor, glória quieta e esperança
Foram nossa breve ilusão;
Passou dessa quadra a folgança:
Sono, matinal cerração.
Mas arde em nós inda vontade:
Nosso impaciente coração
Da pátria sob autoridade
Fatal ouve a convocação.
Aguardamos com fé estuante
Da hora da liberdade soar,
Tal como aguarda o moço amante
A hora do encontro regular.
Enquanto o ardente coração
Incitam honra e liberdade,
Do íntimo a nobre agitação
Demos à pátria, amigo, e à idade.
Crê, camarada: elevar-se-á
Feliz estrela de almo dia;
Do sono a Rússia acordará
E na aversão da autocracia
Teu nome e o meu escreverá.



Eu, Rússia


Anna Akhmátova
Tradução de Lauro Machado Coelho

Não estás mais entre os vivos.
Da neve não podes erguer-te.
Vinte e oito baionetadas.
Cinco buracos de bala.
Amarga camisa nova
cosi para o meu amado.
Esta terra russa gosta,
gosta do gosto de sangue.


16 de agosto de 1921



“Para meus versos escritos num repente,”

Vielimir Khlébnikov
Tradução de Augusto de Campos

Hoje de novo sigo a senda
Para a vida, o varejo, a venda,
E guio as hostes da poesia
Contra a maré da mercancia.


1914



Sierguéi Iessiênin
Tradução de Augusto de Campos

Pobre escrevinhador, é tua
A sina de cantar a lua?
Há muito o meu olhar definho
No amor, nas cartas e no vinho.
Ah, a lua entra pelas grades,
A luz tão forte corta os olhos.
Eu joguei na dama de espadas
E só me veio o ás de ouros.


1925




 Poemas russos, 
Organizadoras
Mariana PithonNathalia Campos
(2011)
Sobre o Autor:
Claudio Castoriaids Claudio Castoriadis é Professor e blogueiro. Formado em Filosofia pela UERN. Criador do [ Blog Claudio Castoriadis ] Tem se destacado como crítico literário.Seu interesse é passar o máximo de conhecimento acerca da cultura >

quinta-feira, 13 de março de 2014

Filosofia da Idade Média: a querela dos universais


 Definição

(plur. de universal), ideias ou termos gerais que se encontram em todo conhecimento. — A "querela dos universais", que alimenta a filosofia da Idade Média, focaliza-se na natureza das ideias gerais: são simples abstrações às quais não corresponde nenhuma realidade; têm, ao contrário uma existência real que precede e estrutura todo o conhecimento das coisas. A síntese dos dois pontos de vista, que correspondem ao que se denominaria atualmente "empirismo" e "racionalismo", encontra-se exposta pelo "conceitualismo" (Abelardo, século XII), segundo o qual as ideias gerais existem no espírito antes de qualquer conhecimento, mas só se manifestam na "ocasião" de um conhecimento concreto: essa doutrina é, no fundo, a de Aristóteles. (tal como está exposta nas Segundas analíticas) e, mais tarde, a de Kant - conceitualismo, nominalismo- 

Os universais, também chamados “noções genéricas”, ideias e entidades abstratas, contrapõem-se aos particulares ou entidades concretas; exemplos de universais são o homem, o triângulo, etc. O problema capital que se refere aos universais, e que já foi tratado por Platão e Aristóteles, mas que recebeu minuciosa elucidação na idade média, refere-se à sua forma peculiar de existência. Trata-se de determinar que espécie de identidades são os universais e, embora pareça uma questão ontológica, teve e tem ramificações na lógica, na teoria do conhecimento e até na teologia. As questões principais que o problema dos universais suscita são as seguintes:

- O realismo, nome que se liga geralmente ao realismo extremo. Segundo o mesmo, os universais existem realmente; a sua existência é, além disso, prévia à das coisas, pois se argumenta que de outro modo seria impossível alguma das coisas particulares, já que estas estão fundadas nos universais. Isto não quer dizer que os universais sejam reais como as coisas corporais ou os entes situados no espaço e no tempo. Se isto acontecesse, os universais estariam submetidos à mesma contingência que os seres empíricos e portanto não seriam universais.

- O nominalismo, que sustenta que os universais não são reais, mas que estão depois das coisas. Trata- se, portanto, de abstrações da inteligência.

- O realismo moderado, para o qual os universais existem realmente, embora só enquanto formas das coisas particulares, quer dizer, tendo o seu fundamento na coisa. A questão dos universais reapareceu na lógica contemporânea e suscitaram-se duas posições extremas que na atualidade se aproximaram muito. Os realistas extremos ou platonistas, entre os quais se encontram Russell, no começo do século, reconhecem as entidades abstratas; Os nominalistas, por seu lado, não as reconhecem. 


Sobre o Autor:
Claudio Castoriaids Claudio Castoriadis é Professor e blogueiro. Formado em Filosofia pela UERN. Criador do [ Blog Claudio Castoriadis ] Tem se destacado como crítico literário.Seu interesse é passar o máximo de conhecimento acerca da cultura >

segunda-feira, 3 de março de 2014

Tomate, pipa e ostras na escadaria


No primeiro passeio do dia, deixei uma pipa na rodoviária, tomate e ostras na escadaria, na sacada todos os ventos caminhando na ponta dos pés congelados. Ressequei o tom das perguntas e normas incultas, curtas, encucadas em condutas reservadas nas chácaras, encharcadas, enxaquecas escrachadas, encha a cara - um crachá no pau da venta: alguém cuida da minha vida tipo uma careca na cabeça do couro cabeludo? Não tenho estômago de cabelo danificado que esboroa laquê.

Veja os lenços que somos, mulambos de sacos de açúcar, sobras, raspas, incidências, caspas, caos, desgraça, números fora de validade, moeda fora do bolso, mambembes, tampos, cretinos, caloteiros, calotas polares, placas adulteradas, lactobacillus bocais nos canudinhos, comprimidos, cápsulas de produtos químicos, frágeis, barateados, besouros arquitetando no telhado sustos e gritaria no escuro, esquecimento. Somos fitas adesivas, isoladas de toda inteligência isolante, quitada ou hipotecada. 


Por Claudio Castoriadis
Imagem: fonte web
Sobre o Autor:
Claudio Castoriaids Claudio Castoriadis é Professor e blogueiro. Formado em Filosofia pela UERN. Criador do [ Blog Claudio Castoriadis ] Tem se destacado como crítico literário.Seu interesse é passar o máximo de conhecimento acerca da cultura >

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