Melancolia chique é a
nostalgia por uma inexistente idade de ouro, que pretende enobrecer menos o
passado do que o presente do crítico. E, naturalmente, o instante idealizado
coincide com as suas idiossincrasias. Daí, a dicção apocalíptica, que não se
cansa de trombetear a morte da crítica literária e o vazio da produção
artística atual.
Esse motivo é a própria imagem
do eterno retorno, embora seus partidários se considerem
inaugurais. Truque de mágico aprendiz: o anúncio
periódico do colapso da crítica e da crise da literatura confere capital
simbólico ao apressado coveiro; afinal, em princípio, o redator de obituários
deve estar vivo...
Em sentido mais generoso, ou
menos bélico, Reinhart Koselleck identificou o vínculo estrutural que associa
crítica e crise como traço indissociável da modernidade política. De igual
modo, Imannuel Kant imaginou um olhar crítico que não deixa de ser um antídoto
contra o apocalipse contemporâneo — adiante, retomarei sua lição.
A melancolia chique é um
lugar-comum — e não deixa de ser divertido o desejo de originalidade que
estimula seus adeptos. Por isso, sem nenhuma pretensão de exaurir o tema,
importa observar sua última emergência.
Um ponto de partida
conveniente é o artigo de Flora Süssekind A crítica como papel de bala,
publicado no Prosa & Verso em 24 de abril de 2010. Num esquecimento
surpreendente da máxima de Tirésias ante a fúria de Creonte — “(...) É um
feito, então, matar um morto?”1 —, Flora aproveita-se de textos escritos por
ocasião da morte de Wilson Martins para reiterar, ainda uma outra vez, o
diagnóstico cadavérico: “o apequenamento e a perda do conteúdo significativo da
discussão crítica, assim como da dimensão social da literatura no país nas
últimas décadas”.
O artigo gerou reações, cumprindo
a contento a função compensatória dos obituários, mas, salvo engano, não se
destacou a recorrência do modelo Et in Arcadia ego... Nesse caso, Arcádia é o
parque temático das preferências do crítico, que convenientemente se esquece de
explicitar seus pressupostos. Só se pode decretar a falência de uma atividade quando
se mantém como contraponto um ideal normativo de como ela deveria ser exercida.
O problema não é a norma — sem critérios não se pode pensar! —, porém a crença
em sua “indiscutível” superioridade, o que leva à naturalização da própria
visão do mundo e da literatura. Eis o colapso autêntico; aqui, quanto mais
esbraveja, mais o crítico se fecha em copas, pois a tagarelice é a forma
deselegante do silêncio.
Na outra ponta, Alcir Pécora
publicou no mesmo Prosa & Verso, em 23 de abril de 2011, o artigo Impasses
da literatura contemporânea. Seu título sintetiza perfeitamente o conteúdo, que
já havia estimulado um debate do autor com Beatriz Resende, organizado pelo
Instituto Moreira Salles. Em tela, modos opostos de leitura do calor da hora:
de um lado, a crítica como espelho retrovisor; de outro, como abertura para um processo
em curso.
Ora, a indiscutível
importância dos trabalhos de Flora Süssekind e Alcir Pécora torna mais urgente
a identificação da operação tautológica subjacente à melancolia chique.
Por fim, a revista Carta
Capital radicalizou o procedimento. O número de 6 de fevereiro de 2013 estampou
na capa a constatação em aparência irrefutável: O vazio cultural. A sutileza do
subtítulo da edição foi retomada no editorial de Mino Carta, A imbecilização do
Brasil.
Hoje em dia, portanto, a crítica vale muito pouco; a
literatura, ainda menos; e a cultura, como um todo, nada. A melancolia chique
veio para ficar?
Por João Cezar de Castro Rocha
Fonte: WWW.rascunho.com.br
Foto: fonte web
Claudio Castoriadis é Professor e blogueiro. Formado em Filosofia pela UERN. Criador do [ Blog Claudio Castoriadis ] Tem se destacado como crítico literário.Seu interesse é passar o máximo de conhecimento acerca da cultura > |