segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Robert Kurz e o colapso do sistema capitalista


Considerado como um dos mais importantes teóricos marxistas e críticos do sistema vigente, Robert Kurz exerceu uma influência decisiva na formulação dos novos rumos dos movimentos revolucionários em todo o mundo. Kurz foi um dos fundadores, em 1986, do grupo de discussão Krisis, sediado em Nuremberg, na Alemanha, e que reunia pessoas dedicadas ao estudo e atualização da obra de Marx. O grupo começou a bancar uma revista mantida por meio de assinaturas e contribuições. Em 2004, Kurz rompeu com a Krisis e fundou uma nova revista, a Exit!. Durante os anos 1990, ele publicou diversos ensaios nas revistas Krisis e Exit!. Para realizar o estudo, Regatieri analisou cerca de 10 ensaios de autoria de Kurz, publicados de 2000 a 2003 na Krisis, e de 2004 a 2007 na Exit!

Decretando o colapso do capitalismo, projetado na derrocada do Leste Europeu e passando pelos chamados países socialistas teríamos - segundo o filósofo- uma manifestação de uma crise particular que agora ganha ênfase no sistema mundial produtor de mercadorias.

A crise final do sistema soviético foi apenas um das faiscas do estopim, que levará o mundo a uma crise em cadeia. Não há razão, porém, para desespero. O lado bom da situação seria a possibilidade da emancipação humana, que Marx almejava, que não desapareceu, nem permanece amarelada em seus escritos.

Pelo contrário, as coisas estão acontecendo basicamente como foram descritas. Através da "razão sensível", que se oporia à razão iluminista, a humanidade superará a "sociedade do trabalho", baseada na mais-valia, na exploração do trabalho tornado abstrato, a mercadoria, e na sua abstração maior, o dinheiro. E dessa forma a utopia comunista de uma sociedade sem mercadorias, sem capital nem Estado, se concretiza.

Kurz é claríssimo quanto à sua previsão da crise iminente do capitalismo: "É muito provável que o "mundo burguês do dinheiro" total e da mercadoria moderna, cuja lógica constitui, com dinâmica crescente, a chamada Era Moderna, entrará, já antes de terminar o século XX numa era de trevas, do caos e da decadência das estruturas sociais, tal como jamais existiu na história do mundo".

Teremos, portanto, uma revolução de consciências, que sempre atraiu o pensamento conservador, mas que aqui é estranhamente retomada por um marxista que pretende resgatar o marxismo de sua crise atual:

"Trata-se de uma revolução de fato, mas não daquele tipo no qual uma classe dentro da forma mercadoria (e constituída por essa) tivesse que derrotar outra 'classe'; como sujeito antípoda [...]. Mas para essa revolução, por sua vez, teria primeiro que se formar um movimento de supres-são, como força social, e isto somente é possível por meio da consciência"

Altamente contestador, seu diagnóstico também deixa o marxismo tradicional em xeque.

Segundo Kurz, o marxismo tradicional não teria condição de formular concretamente o problema da crítica da forma mercadoria e seus desdobramentos práticos. Em função disso, o marxismo tradicional se viu obrigado a proceder um desvio para a política. Uma política, não como um dado ontológico, previamente existente, mas como um conceito historicamente limitado que pertence à história da implementação do moderno sistema produtor de mercadorias.

As reformas e revoluções realizadas nesse horizonte converteram os trabalhadores em sujeitos do direito civil, em sujeitos de relações contratuais e em cidadãos modernos. Além disso, elas estabeleceram condições de trabalho modernas, mas não alteraram a essência do sistema de produção de mercadorias.

Ainda sobre o comunismo sua conclusão é aguda: "O comunismo, supostamente fracassado, que é confundido com as sociedades em colapso da modernização recuperadora, não é nem utopia nem um objetivo distante, jamais alcançável, muito além da realidade, mas sim um fenômeno já presente, o mais próximo que encontramos na realidade, ainda que na forma errada e negativa, dentro do invólucro capitalista do sistema mundial produtor de mercadorias, isto é, na forma de um comunismo das coisas, como entrelaçamento global do conteúdo da reprodução humana"
Sobre o Autor:
Claudio Castoriaids Claudio Castoriadis é Professor e blogueiro. Formado em Filosofia pela UERN. Criador do [ Blog Claudio Castoriadis ] Tem se destacado como crítico literário.Seu interesse é passar o máximo de conhecimento acerca da cultura >

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Desperte a dor!

Por medo, a boca se calou,
A palavra não falou,
A lembrança capotou: o sonho foi engavetado
Riscado tombado no armário bagunçado.
A data não tem a idade do tempo
Formado no calendário
Envelhecido o corpo se enverga com o peso da consciência
Falta pouco, quem sabe um dia, menos velocidade, episódio inédito

— Que o despertador enfim desperte não apenas a gente: desperte a dor!



Por Claudio Castoriadis
Imagem: fonte web
Poesia postada originalmente no site Tubo De Ensaio
Sobre o Autor:
Claudio Castoriaids Claudio Castoriadis é Professor e blogueiro. Formado em Filosofia pela UERN. Criador do [ Blog Claudio Castoriadis ] Tem se destacado como crítico literário.Seu interesse é passar o máximo de conhecimento acerca da cultura >

sábado, 14 de dezembro de 2013

Capitalismo: regras para barbárie humana


Considere o seguinte cenário. Ideias modernas, retóricas emancipatórias, confrontos ideológicos, forças, pressões, transtornos que, constroem, destroem e permeiam ações políticas. Tudo isso equivalente ao efeito de nivelamento massivo do pensamento ocidental; uma síntese do impulso inconscientemente cruel capitalista; a contraface das manifestações de junho de 2013 no Brasil. Vivemos numa época propicia para o fardo cultural. A essa retificação devemos ressaltar todo um processo histórico marchando na Europa emergente desde a revolução industrial - o crescimento descomunal das cidades, violência, divisões abstratas, afetos à deriva desatando novos sofrimentos que fluem, flutuam, transcendendo o sentido; na maioria das vezes, tudo com tamanha agilidade que nem sempre conseguimos tomar atitudes sensatas para nos posicionar socialmente. Tudo pode ser abordado como sintoma de uma crise sistêmica da acumulação capitalista.

Apesar de tantas reviravoltas, e isso é importante, o sistema maquinário está longe de desaparecer, é alarmante essa complexa rede de mecanismos entranhada no neo liberalismo. Talvez nesse contexto, poderíamos discernir um horizonte como um "palácio de cristal" - um lugar estranho e esférico - globalização - tal pensada pelo filósofo Peter Sloterdijk.

Nesse monstruoso palácio, os governos não só transformam materialmente a realidade socioeconômica, política, jurídica e social, também conseguem que esta transformação seja adotada como a única saída possível para qualquer crise em larga escala global. Legitimando leis da competição, desencadeando novas formas de organização, valores, tecnologias e artifícios que permitem ao sistema vigente seu autocontrole. Nesse clima evaporam os últimos vestígios de um projeto quantitativo, orientado pelo valor de troca, bem como as estratégias estatais que abrangem um ou mais ciclos conjunturais. A própria pesquisa dos fundamentos é solapada pelos ideais da renda máxima a curto prazo. Quanta engenhosidade escravagista, por meio da automatização esporádica, racionalização e fermentação da globalização, o capital subtraiu de próprio punho o alimento da força de trabalho humano. Em tal circunstância o sistema frenético, ávido de valorização, começa a devorar sua própria carne.

Tempos difíceis onde se leva a sério a monopolização do mercado. Com isso a alienação do mundo instiga um processo mais antigo que seu estado atual. Na verdade, é imanente ao próprio devir da Modernidade. Os modernos, de Rousseau a Max Weber, foram explícitos nesse diagnóstico.

No Oriente Médio, o fundamentalismo islâmico vem se consolidando como uma potente força política. Em outras regiões pós-capitalistas do bloco ocidental, um determinado, esclarecido ou não, socialismo segue obstinado na linha de frente combatendo um batalhão de forças oposicionistas. Recentemente a Ucrânia atravessa por uma fase conflituosa; enfraquecida por dificuldades econômicas, se recusou a assinar um acordo de associação com a UE que previa a colocação em andamento de um acordo de livre comércio alegando que uma crise com Moscou provocaria perdas econômicas ao país. Esta mudança de opinião foi a causa da maior onda de protestos registrados nesta ex-república soviética desde a Revolução Laranja de 2004.

Palco da disputa entre a União Europeia e a Rússia, os interesses europeus, são geopolíticos, explicitamente imperialistas. Uma estratégia para afastar a Ucrânia da influência tradicional da Rússia. Mais uma crise emplacando a redoma  escarnecedora capitalista. Fica a pergunta: a União Europeia tem o direito de interferir nas questões internas da Ucrânia? De crise em crise o capitalismo segue com suas chagas.

Em 1971, Mészários suscitou a questão da crise estrutural global do capital. apontando as mudanças que ocorreram no interior do capitalismo como no sistema pós-capitalista soviético. No caso, o sistema soviético fracassou em sua tentativa de erradicar o sistema do capital. A lição que ficou: não é suficiente expropriar os expropriadores se a dominação do trabalho que sustenta o domínio do capital não for dizimada em sua estrutura e superestrutura, dinamitar o sistema e na mesma medida o encanto do capital.

Mészáros defende que as ideias socialistas são hoje mais relevantes do que jamais foram. Segundo o filósofo, o avanço da pobreza em países ricos demonstra que há algo de profundamente errado no capitalismo ao quantificar certos fenômenos, que hoje promove uma "produção destrutiva". Não se pode negar que a pressão do tempo e os atuais conflitos das situações históricas de hoje tendem a nos desviar do sentido prático socialista. Mas, o princípio orientador de combinar crítica com genuína autocrítica será sempre um requisito essencial.

Malgrado de modo assim grosseiro, o capitalismo, dinamicamente, acaba por ser tão salutar quanto um câncer. Mesmo com esse diagnóstico, sua influência pode obter apoio massivo, como visto recentemente na Ucrânia. Para entender o esqueleto desse sistema efêmero é necessário visualizar o que esta acontecendo na história social e econômica de uma época. É a história econômica que nos dá a chave para compreender todas as crises profundas que se deram até hoje. Na ideologia, utopia, seja religiosa, política ou existencial.


Por Claudio Castoriadis
Imagem: Banksy




Dica de leitura

MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005.
 
KURZ, Robert. (1997) Os Últimos Combates. Vozes, Petrópolis, RJ

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Peter Sloterdijk - reavivando a tradição sofista


Peter Sloterdijk é um dos filósofos mais refinados da atualidade, e, como todo intelectual em evidência, um leque de sentimentos veste e subverte sua imagem. Pensador ativo, autor de livros e artigos para conceituados jornais e revistas alemães. A título de esclarecimento, é fundamental lembrar seu reconhecimento como um dos renovadores do pensamento filosófico contemporâneo. 

Em entrevista à Gaby Reucher do sítio Deutsche Welle, 11-05-2011, ele fala sobre a função do filósofo em nossa época de reviravolta social.

Eis a entrevista.

O senhor tem um programa de televisão, Das Philosophische Quartett, e cada vez mais somos confrontados com a filosofia nos cadernos culturais dos jornais e no rádio. Por que essa área do conhecimento anda novamente tão solicitada?

Não sei se concordo com este seu diagnóstico. Se você pensar no tempo em que autores como Albert Camus ou Jean-Paul Sartre estavam vivos e no ápice da sua produtividade – digamos, nas décadas de 1950 e 1960 – nessa época, pode-se afirmar que a filosofia desempenhava uma função oficial. No momento ela me parece muito, muito marginalizada. Temos um sistema artístico que floresce com força. Temos uma cena cultural jovem que tomou dimensões gigantescas, uma cena de cultura de massa. Na minha percepção, a filosofia só representa aqui um papel decorativo, à margem. É claro que vez por outra se convidam filósofos, mas geralmente só dentro de uma rubrica como "extra" ou "o olhar de fora".

Assim o senhor está apagando o próprio brilho. A tarefa do filósofo, hoje, não é outra? Ele não mais é o escrivão introvertido, que fica meditando de si para consigo, mas sim alguém como o senhor, que vai até o público e é percebido através de suas opiniões sobre política e engenharia genética.

Isso está correto. Mas eu procuro descrever a situação como ela seria, se eu não existisse. No momento, sou a ave rara desse bosque, que assume posições totalmente atípicas. Se observar todo o resto do bosque, a senhora vai ter que constatar que não há muito mais acontecendo. Nos últimos 20 anos, nós – Rüdiger Safranski e eu – fundamos em solo alemão um novo tipo de filósofo não acadêmico, literário. as excluindo nós dois: o que resta, então? Temos um punhado de publicistas que oferecem um pouco de filosofia e, no geral, temos uma filosofia acadêmica. Meio de mau humor, ela vai tocando o seu trabalho, mas justamente sem conseguir completar a ponte para com os questionamentos gerais. Este é o verdadeiro estado de coisas.

Então o que o filósofo de nossos tempos precisa saber fazer?

Acredito que só faz sentido praticar filosofia hoje reavivando a tradição sofista de poder participar de qualquer debate. Quer dizer, precisaríamos de mais formação retórica, precisaríamos reunir nos seres humanos muito mais conhecimento geral de vida, de política, de ciência, de arte. Precisamos voltar a atrair filósofos que sejam decatletas da disciplina teórica.

O senhor também poderia ser conselheiro num tempo de desencanto político, de esgotamento religioso?

Tudo isso abre uma palheta muito ampla de novas competências. Acho que o espectro das opções profissionais nunca foi tão grande para os filósofos quanto hoje. Eles podem fazer quase tudo, desde consultoria de gerenciamento até dirigir um banco.

Mas esse filósofo também precisa saber desenvolver ideias, ou não?

Ele não faz outra coisa. Filósofos são produtores de conceitos, é esse o seu ofício. Eles vivem numa oficina onde se leva adiante o desenvolvimento de concepções que já existem. E essa é a relação interna com a atividade de designer. Pois design jamais significa inventar algo do zero, mas sim repensar mais uma vez objetos já existentes radicalmente – a partir das moléculas, por assim dizer –, de modo que sua aparência possa se transformar de novo. Embora o princípio da utilização, como tal, pareça ter chegado ao grau definitivo de desenvolvimento.

Aparentemente, a maioria dos conceitos num vocabulário genérico já existe há muito. Mas olhando-se um conceito de perto e o reprocessando, é possível dar seguimento à sua construção. Esse tipo de trabalho tem que estar sendo sempre recomeçado. Por isso, vivemos na era do design e do trabalho conceitual: a permanente reinvenção do mundo, partindo do princípio de que ele já existe e ainda assim não basta. De modo que sempre temos uma razão para começar tudo de novo.

Hoje em dia talvez seja necessário achar conceitos e palavras totalmente novos. No momento ocorre muita coisa no mundo – catástrofes como a de Fukushima – que se pensava ser totalmente impossível. Aí geralmente faltam conceitos e palavras.

De início faltam conceitos no sentido em que tudo que é avassalador tira a fala. As catástrofes netunianas vindas do mar, as catástrofes vulcânicas vindas das entranhas da terra: são coisas que desde sempre nos deixaram mudos. Nesse sentido, todo trabalho cultural é um trabalho pós-catastrófico. Há 5 mil anos os seres humanos tentam superar o que aconteceu na época do dilúvio, nessas grandes catástrofes da Idade do Bronze. Todo o processo civilizatório é uma elaboração de cesuras catastróficas. E quando nada acontece durante um tempo mais longo, cria-se essa espécie de calma ilusória da qual estamos sendo convidados a acordar, no momento. Neste sentido, tem-se que dizer que vivemos numa época boa, pois ela contribui muito para o imperativo do despertar.

 
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/

sábado, 7 de dezembro de 2013

A utilidade da Física Quântica no Ensino Médio


A utilidade da Física Quântica no Ensino Médio se justifica se concebermos a mesma como uma forma de produção cultural do século XX e que, portanto, poderia ser trabalhada. A inserção de tópicos de Física Moderna neste nível de ensino vem sendo defendida por muitos pesquisadores.

Eduardo Adolfo Terrazzan discute a divisão da Física nos currículos, afirmando ser inadequada a nossa realidade, pois a divisão aceita é ditada pelos manuais estrangeiros do século XIX. É inconcebível que um aluno saia do segundo grau sem ter contato com os avanços científicos ocorridos durante o século XX.

A leitura confere ao homem o poder sobre as coisas, um instrumento que constrói o caráter prático do mundo. Quando nomeia, a linguagem tira da escuridão o oculto vital, que permanece anterior a qualquer revelação e que só pode manifestar-se quando o homem dele se apropria pela linguagem.

Segundo o professor João Zanetic não se pode ignorar a crise de leitura no mundo contemporâneo, que atinge de forma dramática as salas de aula, nas escolas de ensino fundamental, no ensino médio e também no nível universitários. O livro didático, muitas vezes, constitui a única forma de literatura presente nas escolas.

Fica então pergunta: estudar Física Quântica no Ensino Médio facilitaria a aprendizagem dos avanços científicos ampliando o rendimento intelectual do aluno?



Física Quântica:

surgiu como a tentativa de explicar a natureza naquilo que ela tem de menor: os constituintes básicos da matéria e tudo que possa ter um tamanho igual ou menor. Em outras palavras, pense o seguinte: tudo o que é maior do que um átomo está sujeito a leis da física que chamamos de “física clássica”. Por exemplo, elas sofrem a atração da gravidade, as leis da inércia, ação e reação. Mas quando analisamos tamanhos menores que um átomo, tudo muda e as regras da física clássica já não valem mais. Foi preciso então admitir que era necessário outras leis para lidar com essa realidade, e também uma física totalmente nova, que ficou conhecida como Física Quântica.


Por Claudio Castoriadis
Imagem: fonte web

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Copinho descartável

Segredos de saboneteira
Perfumando e hidratando
Os cantinhos arrepiados

Cada espaço aveludado
Equilibrando desaguando
O corpo leve evaporado

Pequenos barulhos, uma valsa de gotinhas
Dengando minhas costas... De frente para
O mar gotejando no meu copinho descartável
   




Por Claudio Castoriadis
Imagem: via web

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Stephen King - Under the Dome

Stephen King

Um dos mais notáveis escritores de contos de horror fantástico e ficção, ao lado dos mestres: Allan Põe, H. P. Lovecrafet, Cliver Barke. Seus livros foram publicados em mais de 40 países. Embora seu talento se destaque na literatura de terror/horror, escreveu algumas obras de qualidade reconhecida fora desse gênero e cuja popularidade aumentou ao serem levadas ao cinema

Segundo as suas próprias palavras a grande literatura é baseada em personagens incomuns colocados em situações cotidianas, enquanto faz precisamente o contrário: gente aparentemente normal confrontada com acontecimentos extraordinários!


Under the Dome

Stephen King tentou escrever esse livro ainda na década de 1970, mas não conseguia resolver problemas entre a existência da redoma e seus efeitos climáticos. Agora, com a ajuda de consultores, ele encontrou o caminho certo e tomou decisões específicas sobre como a cidade sofreria as consequências desse fenômeno. Tanto na série quanto no livro, a redoma é intransponível e tem altura muito bem definida. Porém, enquanto no livro o bloqueio do ar provoca um super aquecimento, na série continua ventando, o lago não é atingido e até chove. Toda a ação do livro por conta de todas essas consequências dura apenas uma semana. Na série, um mês se passa e a cidade não sofre nenhum baque climático.


Trama

Era um dia como outro qualquer em Chester’s Mill, no Maine. Subitamente, a cidade é isolada do resto do mundo por um campo de força invisível. Aviões explodem quando tentam atravessá-lo e pessoas trabalhando em cidades vizinhas são separadas de suas famílias. Ninguém consegue entender o que é esta barreira, de onde ela veio e quando – ou se — ela irá desaparecer. Dale Barbara, veterano da guerra do Iraque, se une a um grupo de moradores da cidade para manter a situação sob controle. A força de oposição é representada por Big Jim Rennie, um político que está disposto a tudo — até matar — para continuar no poder, e seu filho, que guarda a sete chaves um horrível segredo. Mas essa não é a única preocupação dos habitantes. O isolamento expõe os medos e as ambições de cada um, até os sentimentos mais reprimidos. Assim, enquanto correm contra o pouco tempo que têm para descobrir a origem da redoma e uma forma de desfazê-la, ainda terão de combater a crueldade humana em sua forma mais primitiva. Sob a redoma é um thriller arrebatador e uma inquietante reflexão sobre nossa própria potencialidade para o bem e o mal.



STEPHEN KING
SOB A REDOMA
Tradução Maria Beatriz Medina
SUMA de letras
Copyright © 2009 by Stephen King

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

A natureza selvagem do escritor Jack London


Jack London foi certamente um dos maiores escritores em seu tempo e com o mesmo rigor é considerado um dos melhores do mundo. Personalidade profunda, vida consciente, pensante, tudo que escreveu foi criado a partir das suas experiências de vida inescapavelmente inusitada. Misturando o uso de técnicas do jornalismo e da literatura para narrar o encontro com as populações marginalizadas da capital da Inglaterra em 1902.

Nascido em São Francisco, Califórnia, em 12/01/1876, Jack London é filho ilegítimo de William Chaney, astrólogo e jornalista, e de Flora Wellman, que se acreditava espírita e médium vidente. Tinha oito meses de idade, quando sua mãe casou-se com John London, que o adotou.

Sua escolaridade era precária, porém, sendo um leitor voraz, o autodidatismo de Jack tornou possível seu ingresso em Berkeley. Contudo, abandonou a universidade, após um semestre, por julgá-la sem vida. Quando jovem viajou pelo mundo, trabalhando como marinheiro; depois percorreu grande parte dos Estados Unidos viajando clandestinamente em trens, sobrevivendo de esmolas. Chegou a ser preso por "vadiagem", e esta experiência fez com que ele conhecesse como o sistema penitenciário norte-americano realmente funcionava. Descobriu, por exemplo, que seus companheiros de cela não tiveram a chance de serem ouvidos por um juiz, o que ia contra as leis mais corriqueiras da justiça.

No decorrer das suas andanças descobriu o socialismo como fuga de uma realidade demarcada pela marginalização das pessoas. Sendo autodidata dominou as teorias mais avançadas de sua época, como o marxismo e a teoria da evolução de Darwin. Toda a sua obra reflete o engajamento social e revolucionário, o materialismo e o Socialismo. Por essas razões, muitos anos depois de sua morte, Jack London entrou para o índex do maccarthismo — a implacável perseguição movida na década de 50 pela burguesia arqui-reacionária dos EUA, contra toda e qualquer expressão socialista.

Dono da sua liberdade, do seu destino, escolheu ser sujeito da sua vida, não foi apenas mais um andarilho sobre a terra. Quis descobrir e afirmar suas verdades mais íntimas e essenciais. E fez isso com uma tenacidade louvável. A cada decisão que o levou às aventuras o que imperava era seu desejo de “enfrentar o mar” para buscar o que queria na verdade: uma vida que valesse a pena ser vivida. Nunca deixou de escrever, era um escritor ávido que costumava passar dias dedicando-se inteiramente à sua atividade. Interessava-se pelo território das guerras e das revoluções; acreditava firmemente na existência de um poder escondido por trás da democracia.

Seus primeiros contos foram rejeitados pelas editoras e revistas por longo tempo. Ele sabia que seus contos não eram contos degustáveis para o público estadunidense, pois este queria continuar lendo histórias vazias e açucaradas, e assim manter uma imagem idealizada da vida.

Tempos depois, quando finalmente conseguiu ser aceito e passou a ter fama e dinheiro, não se acomodou à confortável situação. Aprendera que valia a pena defender suas convicções, e que para isto tinha que pagar o preço de descontentar muitas pessoas, e o de ser combatido ferozmente por muitas delas. Continuou defendendo com unhas e dentes suas escolhas na vida pessoal e seu estilo na literatura, como vemos nesta carta enviada a um editor:

“Insisto agora, como sempre insisti, que a virtude literária cardeal é a sinceridade. Se estou errado nesta convicção e o mundo me renega, só me cabe dizer um adeus indiferente ao mundo e orgulhoso refugiar-me no rancho, plantar batatas e criar galinhas para conservar o estômago cheio. Foi a minha recusa de aceitar advertências sensatas que me fez o que sou hoje.”

Sua história tem vários momentos obscuros, em que não se tem informação. Segundo alguns biógrafos London cometeu suicídio aos 40 anos.  


Curiosidades:

-Mesmo longe da escola nunca deixou de ler nas horas livres, pois a experiência de ganhar o livro The Alhambra de Washington Irving aos oito anos de idade de sua professora primária marcou-o profundamente.

-O nome Jack teria sido adotado por ele durante sua adolescência, como um pseudônimo.

-London tinha como esperança mudar o mundo através de suas palavras. Jonas Raskin, em seu livro



Algumas Obras:


-O Lobo do Mar, 1904

-Antes de Adão, 1907

-O Andarilho das Estrelas, 1915

-Chamado da Floresta, 1903

sábado, 23 de novembro de 2013

Movimento circulatório


Roubo uma partícula de ar
para respirar
movimento circulatório
Furtado no vento
Ventila a dor


Conversa pra dois no mesmo espaço ocupado

Por Claudio Castoriadis
Imagem: fonte web

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Arte com função transformadora: Jerzy Grotowski


Em 24 de março de 1997, no palco do Théâtre des Bouffes du Nord, em Paris, um professor recém nomeado do Collège de Fran­ce, Jerzy Grotowski, deu sua palestra inaugural intitulada A Linha Orgânica no Teatro e no Ritual. Apesar do prestígio do evento e do grande número de ouvintes, Grotowski chegou com vinte minutos de atraso, vestindo seu terno escuro e amassado de sempre e com uma sacola de viagem no ombro, da qual tirou duas folhas de papel cobertas de anotações e um maço de cigarros, ao qual deu muita atenção. Muitos participantes descrevem a entrada de Grotowski como se ele “houvesse chegado direto do aeroporto”, uma imagem com um significado tanto simbólico quanto teórico para um emigrado da Polônia e do teatro, em constante movimento na arte e na vida. O palco do Théâtre des Bouffes du Nord foi iluminado em um único ponto, mostrando uma simples mesa e uma cadeira. Ao saber do extremo cuidado de Grotowski com os mínimos detalhes em eventos públicos, alguns convidados provavelmente acharam difícil acreditar que seu atraso havia sido acidental. Muito consciente do processo de percepção do espectador, o renomado diretor era conhecido por aparecer apenas quando a plateia já estivesse preparada para a sua entrada. Entre­tanto, devemos lembrar que Grotowski deu suas palestras no Collège de France enquanto lutava com uma doença terminal, a qual ele mantinha em segredo, mas que poderia facilmente ser a causa de seu atraso. Ele falou vagarosamente e com pouca intensidade, mas com paixão, sem pausa, por duas horas, acompanhado apenas pelo silêncio atento dos ouvintes. Ele raramente consultava suas anotações, improvisando sobre a história e a filosofia de sua obra.

No campo do teatro, podemos ver o trabalho de Grotowski (como ele próprio costumava afirmar) como uma continuação de Sta­nislavski, e nos círculos poloneses, também como uma continuação do Teatr Reduta, de Osterwa e Limanowski6. No campo mais obs­curo da tradição artística, filosófica, cultural e espiritual, Grotowski pode ser melhor compreendido por sua relação com o Romantismo e, especialmente com Mickiewicz, de quem o Teatro Laboratório tirou o lema: ritos cheios de bruxaria e blasfêmia

Em Paris, Mickiewicz vivia a vida de um refugiado, lamentando o colapso do estado polonês e ansiando por sua restauração. Poeta, intelectual e agora professor, ele buscava e desejava mobilizar possíveis aliados políticos dentre os círculos liberais europeus, que já sentiam os ventos próximos dos levantes da Primavera das Nações, em 1848. 

Ao analisar a influência do movimento romântico no teatro polonês, o colaborador de Grotowski, Ludwik Flaszen, o enalteceu como uma fonte de inspiração e desafio a nível individual, que ori­ginou visões ousadas e até mesmo obsessões, exigiu reações artísticas destemidas, ao mesmo tempo em que encorajou a inquietação criativa. Ele subestimou propositadamente o papel do Romantismo como monumento cultural e patrimônio nacional. Ao invés disso, afirmou que muita coisa de valor surgiu, no palco pós-romântico polonês, a partir do espírito de rebelião, escárnio, ironia, raiva, blasfêmia e transgressão – justamente as características da consciência romântica.

A obra de Grotowski foi um marco do Teatro de Vanguarda da segunda metade do século XX, influenciando outros Diretores, como Eugenio Barba ( fundador do Teatro Antropológico ), proporcionando um retorno aos fundamentos do Teatro de Arte com função transformadora.


Fonte: Kris Salata. Florida State University – FSU, Estados Unidos da América

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Conta além da conta


Da capa ao cardápio, ensaio... Monografia
Indefinição e mistério; dentro da gramática
Não se prende uma mente. É tudo um faz
Faz de conta, paga a conta, conta-se dias
Conta além da conta, conta-se nos dedos
  Contagem regressiva: garçom traz a conta



Por Claudio Castoriadis

sábado, 16 de novembro de 2013

Moralismo- "Classificação Livre"


A calma nos ensina como as coisas são, desmonta as bobagens do mundo; quem insiste em encolher uma montanha de erros muitas vezes falha ao discernir seu pensamento medíocre. Esquecem de um mundo, propenso a esquecê-los.

Por vaidade, carregam uma nuvem negra, insípida, desfalecida. Quem sabe transfigurados em mentiras, o único suspiro que ainda lhes resta é esconder do mundo suas fraquezas que talvez tenham mostrado de mais; não adianta adestrarmos nossos demônios, desconhecidos, imprevisíveis.

Um sol parece pouco para uma maioria que prefere a escuridão, a incerteza que queima na desordem, a fantasia do dia ressecada no varal, o sonho nos classificados dos jornais, auto ajuda remasterizada na outra linha. E ainda pedem uma mesa para dois quando apenas uma cadeira é oferecida.



Por Claudio Castoriadis
Imagem: dispositivo móvel

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Leon Tolstoi - Depois do baile


"Então os senhores dizem que o homem não é capaz de compreender por si mesmo o que é mau, dizem que todos dependem do ambiente, que todos são vítimas do seu meio. Pois penso que tudo depende do acaso. E falo por experiência própria."

Assim começou Ivan Vassílievich, a quem todos respeitavam, após uma conversa que tivemos em torno da ideia de que, para aprimoramento pessoal, é necessário antes de tudo mudar as condições em que as pessoas vivem. Ninguém disse propriamente que era impossível compreender o que é bom e o o que é mau, mas Ivan Vassílievitch tinha aquela maneira peculiar de responder aos próprios pensamentos, surgidos no correr de uma conversa, e de, sob o efeito de tais pensamentos, contar episódios da sua vida. Muitas vezes esquecia completamente o motivo que o levara a contar, deixava-se arrebatar pelo seu relato, ainda mais por­que contava com muita franqueza e veracidade.

Assim fez também então.

 "Falo por experiência própria. Toda a minha vida se constituiu dessa forma, e não de outro modo, não em decorrência do meio, mas sim de algo bem diferente."

"E de que foi então?", perguntamos.

"Pois então conte."

Ivan Vassílievitch pôs-se a refletir, balançou a cabeça.

"Sim", disse. "Toda a minha vida se transformou em uma noite, ou melhor,
em uma manhã.

"O que aconteceu?"

"Aconteceu que eu estava intensamente apaixonado. Apaixonei-me muitas vezes, mas aquele foi o amor mais forte que senti. Faz tempo; ela já tem uma filha casada. Era a B..., sim, Várienka B..." Ivan Vassílievitch disse o sobrenome da família. "Mesmo aos cinquenta anos, ela era de uma beleza notável. Mas na juventude, aos dezoito anos, era fascinante: alta, esbelta, graciosa e majestosa, majestosa no rigor da palavra. Sempre se portava de modo extraordinariamente ereto, como se não pudesse ser de outra forma, com a cabeça um pouco inclinada para trás, e, com a sua beleza e a sua estatura elevada, apesar da magreza, que chegava a ser ossuda, aquilo lhe dava um certo aspecto imperial, que levaria as pessoas a se afastarem, não fossem o sorriso e a boca sempre carinhosa e alegre, e os olhos encantadores e brilhantes, e todo o seu ser jovem e gentil"

"Como Ivan Vassílievitch retrata bem."

"Sim, mas, por melhor que eu retrate, é impossível retratar de modo que os senhores entendam como ela era. Mas a questão não é essa: o que quero contar se passou nos anos quarenta. Eu era, nessa época, estudante numa universidade de província . Não sei se isso é bom ou ruim, mas na época não havia entre nós, em nossa universidade, nenhum círculo, nenhuma teoria, éramos simplesmente jovens e vivíamos como é próprio da juventude: estudávamos e nos divertíamos.

Eu era um rapaz muito alegre, esperto e ainda por cima rico. Tinha um cavalo fogoso que andava a passo equipado, descia os morros com as senhoritas (ainda não havia chegado a moda dos patins), fazia farras com os camaradas (naquele tempo, não bebíamos senão champanhe; quando não tínhamos dinheiro, não bebíamos nada, nem vodca, como fazemos agora). Os meus principais prazeres eram as festas e os bailes. Eu dançava bem e não era feio."

"Ora, deixe de modéstia", interrompeu-o uma das senhoras que o ouviam. "Afinal conhecemos o seu retrato em daguerreótipo. O senhor não só não era feio, como era um homem belíssimo."


"Belíssimo ou não belíssimo, não vem ao caso. O caso é que, na época desse que foi o mais forte amor da minha vida, estava eu num baile, no último dia do carnaval, na casa do chefe da província, um velhinho bonachão, ricaço, hospitaleiro e camarista da corte. Sua esposa, tão simpática quanto ele, recebia os convidados num vestido de veludo marrom, com uma tiara de brilhantes na cabeça, e com o colo e os ombros descobertos, velhos, fartos, brancos, como um retrato de Ielizavieta Petróvna. O baile estava maravilhoso. O salão estava lindo, tinha um coro, músicos, os famosos conjuntos de servos formados naquele tempo pelos senhores de terra amantes da música, um bufê magnífico e um mar transbordante de champanhe, mas não bebi porque sem a bebida eu já estava embriagado de amor, em compensação dançava até me esgotar, dançava as quadrilhas, as valsas, as polcas, e é claro, o mais possível, sempre com Várienka. Ela usava um vestido branco com um cinto cor-de-rosa e luvas brancas de pelica, que por pouco não chegavam aos cotovelos magros, pontudos, e uns sapatinhos brancos de cetim. Tomaram-me a mazurca: o odioso engenheiro Aníssimov, e eu até hoje não consigo perdoar-lhe por isso, convidou-a para dançar logo que ela chegou, enquanto eu corria para o barbeiro e andava atrás de umas luvas e me atrasava. Assim, não dancei a mazurca com ela, mas sim com uma alemãzinha que antes eu já havia namorado um pouquinho. Mas receio ter sido muito rude com a alemãzinha naquela noite, não conversei, nem olhei para ela, só via o vulto alto, esbelto, de vestido branco e cinto cor-de-rosa, o rosto radiante, ruborizado, as covinhas, e os olhos carinhosos, meigos. Eu não era o único, todos olhavam para ela e ficavam encantados, os homens e também as mulheres, apesar de ela ofuscar todas as outras. Era impossível não se encantar.

"Por força de uma lei, por assim dizer, não dancei com ela a mazurca, mas na realidade dançamos quase todo o tempo. Sem se perturbar, ela atravessava o salão inteiro, direto ao meu encontro, eu dava um salto para a frente sem esperar o convite e ela, com um sorriso, agradecia a minha perspicácia. Quando havia troca de pares e eu era conduzido de volta na sua direção, às vezes ela não adivinhava o meu passo e segurava outra mão que não a minha, encolhia os ombros magros e, em sinal de pesar e de consolo, sorria para mim. Quando fazíamos as figuras da mazurca em tempo de valsa, valsávamos juntos demoradamente e ela, muitas vezes sem fôlego, sorria e me dizia: 'Encore. E valsei e valsei e nem sentia o meu corpo."

"Ora, como não sentia, acho que sentia bastante quando a apertava pela cintura, sentia não só o seu corpo, como também o dela", disse um dos convidados.

De repente Ivan Vassílievitch ficou ruborizado e quase gritou, com irritação:

"Sim, aí está como são os senhores, a juventude de hoje em dia. Os senhores, além do corpo, não enxergam nada. Em nosso tempo, não era assim. Quanto mais intensamente eu estava apaixonado, mais incorpórea ela se tornava para mim. Os senhores hoje olham os pés, os tornozelos e outras coisas, os senhores despem as mulheres pelas quais estão apaixonados, mas para mim, como dizia Alphonse Karr um bom escritor, o objeto do meu amor veste sempre roupas de bronze. Nós não só não despíamos, como nos empenhávamos em cobrir a nudez, como faz um bom filho de Noé. Ora, mas os senhores não vão entender..."

"Não lhe dêem ouvidos. E depois, o que houve?", perguntou um de nós.

"Pois bem. Assim, dancei mais com ela e não vi o tempo passar. Os músicos, já com um certo desespero de cansaço, os senhores sabem como acontece no fim de um baile, repetiam os mesmos temas da mazurca, as mães e os pais já se haviam levantado das mesas de cartas nos salões, aguardavam o jantar, os criados passavam correndo com mais frequência, levando coisas. Ainda não eram três horas. Era preciso aproveitar os últimos minutos. Chamei-a de novo para a mazurca e, pela centésima vez, percorremos o salão.

'"Então, depois do jantar, a quadrilha será minha?', perguntei, enquanto a levava para o seu lugar.

"'Claro, se não me levarem embora', respondeu, sorrindo.

"Não permitirei', disse eu.

"Dê-me o leque', pediu.

''Fico triste em devolvê-lo', respondi, enquanto lhe entregava um leque branco e baratinho.

“Pois tome isto, para que o senhor não fique triste', disse ela, e arrancou uma peninha do leque e me deu.

"Segurei a peninha e só com o olhar pude exprimir todo o meu entusiasmo e gratidão. Eu estava não só alegre e satisfeito, eu estava feliz, abençoado, eu me sentia bem, eu não era mais eu, e sim uma criatura extraterrena que desconhecia o mal e só era capaz de fazer o bem. Escondi a peninha dentro da luva e fiquei parado, sem forças para separar-me dela.

'"Veja, estão convidando o papai para dançar', disse ela, apontando para o vulto alto e esbelto do pai, um coronel com dragonas prateadas que estava na porta, junto à anfitriã e outras senhoras.

'"Várienka, venha cá', ouvimos a voz alta da anfitriã, que usava uma tiara de brilhantes e tinha ombros ielizavietanos.

"Várienka seguiu na direção da porta e eu fui logo atrás."

'"Ma chère, convença seu pai a dar uns passos de dança com você. Vamos, por favor, Piotr Vladislávitch', voltou-se a anfitriã para o coronel.

"O pai de Várienka era um velho muito bonito, esbelto, alto e viçoso. Tinha o rosto muito corado, com um bigode branco de pontas levantadas à la Nicolas I, (3) suíças já brancas que se uniam ao bigode, o cabelo das têmporas penteado para a frente e, nos lábios e nos olhos radiantes, o mesmo sorriso carinhoso e alegre da filha. Tinha um porte magnífico, o peito largo, inflado à maneira militar, ornado de medalhas e sem ostentação, os ombros fortes, as pernas compridas e bem feitas. Era um chefe militar bem ao tipo dos veteranos do tempo de Nicolau.

"Quando nos aproximamos da porta, o coronel se recusava, dizendo que havia desaprendido a dançar, no entanto, sorrindo, baixou a mão no lado esquerdo, desembainhou a espada, entregou-a a um jovem solícito e, após tirar a luva de camurça da mão direita — 'tudo tem de ser feito conforme as regras', disse sorrindo —, tomou a mão da filha e postou-se a um quarto de volta, à espera do compasso.

"No aguardado início do tema da mazurca, ele bateu agilmente um pé no chão, esticou a outra perna e sua figura alta, corpulenta, deslocou-se em redor do salão, num sapateado ora baixo e suave, ora barulhento e tempestuoso. A figura graciosa de Várienka planava à sua volta, de maneira imperceptível, no tempo certo, encurtando ou esticando os passos dos seus pequenos pezinhos brancos de cetim. O salão inteiro seguia todos os movimentos do par. Eu não estava apenas encantado, eu os observava com um enternecimento extasiado. Comoviam-me sobretudo as botas do pai, com presilhas bem justas — boas botas de couro de bezerro, mas não de bico fino, como ditava a moda, e sim antigas, de bico quadrado e sem salto. Pelo visto, tinham sido feitas pelo sapateiro do batalhão. 'Para vestir e apresentar bem a filha querida, ele não compra botas da moda, usa botas feitas em casa', pensei, e aquelas botas de bico quadrado enterneceram-me de um modo especial. Via-se que outrora ele dançara muito bem, mas agora estava pesado e as pernas já não eram bastante flexíveis para todos os passos ligeiros e bonitos que tentava executar. Mesmo assim, deu duas voltas no salão com agilidade. Quando abriu e logo depois fechou as pernas e tombou sobre um joelho, ainda que de modo um pouco pesado, enquanto ela, sorrindo e ajeitando a saia em que o pai havia esbarrado, circundava-o com suavidade, todos aplaudiram bem alto. Após levantar-se com certo esforço, o pai tomou carinhosamente nas mãos a cabeça da filha e, depois de beijar sua testa, trouxe-a para mim, pensando que eu ia dançar com ela. Respondi que não era eu o seu par."

'"Ora, não importa, dance com ela o senhor, agora', disse o coronel, sorrindo de modo afetuoso, e recolocou a espada na bainha.

"Tal como acontece com o conteúdo de uma garrafa que, após escorrer a primeira gota, se derrama em grandes jatos, assim também na minha alma o amor por Várienka liberou toda a capacidade de amar que estava oculta dentro de mim. Naquela hora, eu abraçaria o mundo inteiro com o meu amor. Eu amava também a anfitriã de tiara, com seu busto ielizavetano, e seu marido, e seus convidados, e seus criados, e até o engenheiro Aníssimov, que estava aborrecido comigo. Em relação ao pai dela, com suas botas feitas em casa e seu sorriso carinhoso, tão parecido com o da filha, eu experimentava então uma espécie de sentimento de ternura e enlevo.

'A mazurca terminou, os anfitriões chamaram os convidados para o jantar, mas o coronel B. recusou o convite, dizendo que no dia seguinte precisava acordar cedo, e despediu-se dos anfitriões. Cheguei a temer que ela também fosse embora, porém ficou no baile com a mãe.

"Depois do jantar, dancei com ela a quadrilha prometida e, embora eu parecesse estar infinitamente feliz, minha felicidade crescia mais e mais. Nada falávamos de amor. Eu não perguntava, nem a ela nem mesmo a mim, se ela me amava. Eu a amava e isso era o bastante. Só temia uma coisa: que alguém estragasse a minha felicidade.

"Quando cheguei em casa, tirei a roupa e pensei em dormir, mas vi que era completamente impossível. Tinha na mão a peninha do seu leque e a sua luva inteira, que ela me dera ao ir embora, no momento de subir na carruagem, quando ajudei sua mãe e depois a ela. Eu observava esses objetos e, sem fechar os olhos, via o seu vulto na minha frente, naquele minuto em que, optando entre dois cavalheiros, ela adivinhou o sentido do meu passo e ouvi sua voz meiga, quando dizia: 'Um orgulho, não é?' — e com alegria me deu a mão, ou quando, depois do jantar, tomou um gole de uma taça de champanhe e olhou-me de soslaio com os olhos carinhosos. Porém, mais que tudo, eu a via dançar com o pai, no momento em que se movia suavemente em torno dele e, com orgulho e alegria, por si e por ele também, olhava de relance para os espectadores admirados. E, involuntariamente, uni o pai e a filha num mesmo sentimento terno e comovido.

"Na época, eu morava com o meu falecido irmão. Ele não gostava da vida mundana, em geral, e não ia a bailes; naquela altura meu irmão estava se preparando para o exame de doutoramento e levava uma vida regrada. Estava dormindo. Observei sua cabeça afundada no travesseiro, encoberta até a metade pelo cobertor de flanela, e me veio uma pena afetuosa em relação a ele, tive pena porque meu irmão não conhecia e não compartilhava aquela felicidade que eu experimentava. Nosso servo e criado Petrucha veio ao meu encontro com uma vela e quis ajudar-me a trocar de roupa, mas dispensei-o. O aspecto do seu rosto sono-lento, de cabelos emaranhados, pareceu-me enternecedor e tocante. Tentando não fazer barulho, segui para o meu quarto na ponta dos pés e sentei-me na cama. Não, eu estava feliz demais, não podia dormir. Além disso, fazia calor nos cômodos muito aquecidos e eu, sem tirar o uniforme, saí de mansinho para o vestíbulo, pus a túnica, abri a porta e fui para a rua.

"Eu saíra do baile antes das cinco horas, mais umas duas horas se passaram enquanto fui para casa e fiquei lá algum tempo, portanto, quando saí, já estava claro. Fazia um tempo típico de carnaval, havia uma neblina, a neve encharcada de água derretia nas ruas e todos os telhados gotejavam. Na época, B. morava no fim da cidade, junto a um vasto campo, numa extremidade havia uma alameda, na outra, um colégio interno para moças. Cruzei a nossa travessa deserta e saí numa rua grande, onde começavam a se encontrar pedestres, carroceiros e trenós cheios de lenha, cujos patins chegavam a raspar na calçada. E os cavalos, que em movimentos regulares, sob os arreios lustrosos, balançavam as cabeças molhadas, e os cocheiros, que, cobertos por umas esteirazinhas, batiam forte no chão as botas enormes ao lado das carroças, e as casas da rua, que na neblina pareciam muito altas, tudo era para mim singularmente doce e significativo.

"Quando cheguei ao campo onde ficava a casa deles, avistei na extremidade, na alameda da direita, algo grande, negro, e ouvi sons de flauta e tambor que vinham de lá. Minha alma cantava o tempo todo e, de quando em quando, se fazia ouvir o tema da mazurca. Mas aquele era outro tipo de música, rude e má.

'"O que é isso?', pensei, e, por um caminho escorregadio que atravessava o meio do campo, segui na direção dos sons. Depois de percorrer uns cem passos, comecei a distinguir, por trás da neblina, muitas pessoas negras. Pelo visto, soldados. 'Um treinamento, na certa1, pensei, e me aproximei, junto com um ferreiro de peliça curta e ensebada e de avental, que carregava algo e andava na minha frente. Os soldados, de uniforme preto, estavam postados em duas fileiras, uma de frente para a outra, com os fuzis em posição de descansar armas, e não se moviam. Atrás deles, estavam o flautista e o tocador de tambor, que não paravam de repetir a mesma melodia desagradável e estridente.

'"O que estão fazendo?', perguntei ao ferreiro, que havia parado ao meu lado.

"'Estão castigando um tártaro por deserção', respondeu o ferreiro em tom zangado, enquanto tentava enxergar a outra ponta das fileiras.

"Fiquei olhando para lá também e vi, no meio das duas fileiras, algo terrível, que vinha na minha direção. Vinha na minha direção um homem nu da cintura para cima, preso por cordas aos fuzis de dois soldados que o conduziam. A seu lado caminhava um militar alto, de túnica e quepe, cuja figura pareceu-me conhecida. Contorcendo o corpo inteiro, tropeçando na neve derretida, o castigado avançava na minha direção sob os golpes que choviam sobre ele de ambos os lados, ora o homem tombava para trás — e então os sargentos que o conduziam preso aos fuzis empurravam-no para a frente —, ora caía para a frente — e então os sargentos, segurando-o para que não caísse, puxavam-no para trás. E, e m se afastar do castigado, o militar alto caminhava a passo firme, ligeiramente trêmulo. Era o pai dela, com seu rosto corado, seu bigode e as suíças brancas.

'A cada golpe, o castigado, como que surpreso, virava o rosto franzido de sofrimento para o lado de onde viera a pancada e, arreganhando os dentes brancos, repetia sempre a mesma palavra. Só quando já estavam bem perto, distingui essa palavra. Ele não falava, mas sim soluçava: 'Irmãozinhos, tenham dó. Irmãozinhos, tenham dó'. Mas os irmãozinhos não tinham dó e, quando o cortejo passou bem junto a mim, vi como o soldado que estava na minha frente deu um passo decidido adiante e, com um zunido, brandiu no ar um porrete antes de golpear com força as costas do tártaro. O tártaro tombou para a frente, mas os sargentos seguraram-no e uma pancada semelhante atingiu-o do outro lado, e de novo deste lado, e de novo do outro. O coronel acompanhava de perto e, olhando ora os próprios pés, ora o castigado, inspirava inflando as bochechas e soltava o ar lentamente entre os lábios em bico. Quando o cortejo passou pelo lugar onde eu estava, vi de relance, entre as fileiras, as costas do castigado. Era uma coisa colorida, molhada, vermelha, antinatural e nem acreditei que pudesse ser o corpo de um homem.

"'Ah, meu Deus', exclamou o ferreiro ao meu lado.

"O cortejo começou a afastar-se, golpeavam sem parar, dos dois lados, o homem tropeçava, se contorcia, e continuavam a bater no tambor e a assobiar na flauta, e sempre no seu passo firme avançava a figura alta, esbelta, do coronel, junto ao castigado. De súbito, o coronel parou e aproximou-se rápido de um dos soldados.

'"Vou ajudar você', ouvi sua voz raivosa. 'Quer errar o alvo, é? Quer mesmo?'

"E vi como ele, com sua mão forte metida numa luva de camurça, bateu na cara de um soldado baixinho, assustado, fraco, por não ter baixado o seu porrete com força bastante nas costas vermelhas do tártaro.

'"Tragam açoites novos!', gritou, virando-se para trás, e me viu. Fez de conta que não me conhecia, franziu as sobrancelhas com ar ameaçador e raivoso, deu-me as costas depressa. Senti tamanha vergonha que, sem saber para que lado olhar, como se eu tivesse sido apanhado em flagrante no ato mais vergonhoso do mundo, baixei os olhos e apressei-me a ir para casa. Ao longo de todo o caminho, em meus ouvidos, ora batia o rufar do tambor e assobiava a flauta, ora ouviam-se as palavras: 'Irmãozinhos, tenham dó', ora eu ouvia a voz arrogante e raivosa do coronel que gritava: 'Quer errar o alvo? Quer mesmo?'. Enquanto isso, no meu coração, havia uma tristeza quase física, que beirava o enjôo, a tal ponto que parei várias vezes e pareceu-me que a qualquer momento ia vomitar todo o horror que entrara em mim por causa daquele espetáculo. Não lembro como cheguei em casa e me deitei. Porém, assim que comecei a dormir, vi e ouvi tudo outra vez, e acordei de um salto.

"Na certa, ele sabe alguma coisa que eu desconheço', pensei a respeito do coronel. 'Se eu soubesse o que ele sabe, entenderia o que vi e isso não me perturbaria.' Contudo, por mais que eu refletisse, não conseguia atinar o que o coronel sabia e só fui dormir ao entardecer, depois de ter ido à casa de um amigo e beber com ele até ficar totalmente embriagado.

"Pois bem, os senhores pensam que concluí então que aquilo que vi era algo ruim? De maneira alguma. 'Se fazem isso com tamanha convicção e se todos o consideram necessário, quer dizer que sabem alguma coisa que eu desconheço', pensava, e me esforçava para descobrir o que era. Porém, como não descobri, não fui capaz de ingressar no serviço militar, como antes desejava, e não ingressei tampouco no serviço civil e, como vêem, não servi para nada, em parte alguma."

"Bem, isso nós sabemos, como o senhor não serviu para nada", disse um de nós. "É melhor dizer: quantas pessoas não serviriam de nada, se não fosse o senhor."

"Ora, isso é uma tolice completa", exclamou Ivan Vassílievitch, com irritação sincera.

"Bem, e o amor?", perguntamos.

"Amor? A partir daquele dia, o amor começou a minguar. Quando ela, como lhe acontecia muitas vezes, com um sorriso no rosto, punha-se pensativa, na mesma hora eu me lembrava do coronel na praça e me vinha uma sensação tão incômoda e tão desagradável que passei a encontrá-la cada vez menos. E assim o amor deu em nada. Vejam como são as coisas e o que transforma e governa a vida inteira de um homem. E os senhores dizem...", concluiu ele.


(1) Tsarina da Rússia entre 1741 e 1762 (N.T.)
(2) Escritor francês (1809-1890) (N T.)
(3) Em francês no original: refere-se ao tsar Nicolau I que reinou de 1825 a 1855.
(N. T.)



Sobre o Autor


Leon Nikolaievitch Tolstoi, genial escritor russo, nasceu em 1828 em Iasnaia Poliana. Filho de uma importante família ligada aos Czares, ficou órfão ainda criança. Frequentou a Universidade de Kazan, onde estudou línguas orientais e direito. Em 1847, por herança, tornou-se senhor de vastas terras em Iasnaia-Poliana, daí porquê seja também conhecido por "Conde de Tolstoi". Depois de ter servido no exército, em 1856, viajou pela Europa visitando vários países, regressando então à sua terra natal para administrar suas terras e dedicar-se à literatura. Em 1861, voltou novamente a França para visitar seu irmão que se estava doente, aproveitando para se encontrar com Proudhon. Com uma vida pessoal cheia de conflitos e uma personalidade dividida, Tolstoi aproximou-se, gradualmente, de uma posição pacifista e anarquista, recusando toda forma de governo e poder. Na sua terra natal criou uma escola marcadamente libertária, próxima das experiências de Ferrer e da Escola Moderna, tendo pessoalmente escrito os livros usados nas salas de aula. Seus textos autobiográficos "A Minha Confissão" e "Qual é Minha Fé" foram apreendidos mas, mesmo assim, tiveram ampla difusão clandestina. Perseguido e excomungado pela Igreja, seus últimos anos são de engajamento social. Os escritos filosóficos influenciaram o aparecimento de comunidades e de uma corrente de anarquismo cristão, sobretudo em França, Holanda e EUA. Exerceu também, juntamente com Kropotkin e Thoreau, forte influência sobre um dos mais importantes pacifistas modernos: Gandhi, com quem chegou a manter correspondência. Faleceu em 1910.

Tolstoi, profundo pensador social e moral e um dois mais eminentes autores da narrativa realista de todos os tempos, depois das suas primeiras obras — entre outras, as autobiográficas "Infância" (1852) e "Contos de Sebastopol" (1855-1856), baseada em suas experiências na guerra da Criméia —, escreveu "Guerra e paz" (1865-1869) e "Anna Karenina" (1875-1877). Considerado um dos romances mais importantes da história da literatura universal e uma das obras-primas do realismo, "Guerra e paz" é uma visão épica da sociedade russa entre 1805 e 1815. Dela emana uma filosofia extremamente otimista, que atravessa os horrores da guerra e a consciência dos erros da humanidade.

Entre os romances breves de Tolstoi, o mais importante é "Anna Karenina", um dos melhores romances psicológicos da literatura moderna.

Em "Uma confissão" (1882), descreve sua crescente confusão espiritual e, após o eloquente ensaio "Amo e criado" (1894), escreveu "Que é a arte?" (1898), no qual condena quase todas as formas de arte, incluindo as próprias obras. Defendeu uma arte inspirada na moral, na qual o artista comunicaria os sentimentos e a consciência religiosa do povo. A partir de então, escreveu numerosos contos breves, sendo o mais conhecido "A morte de Ivan Ilitch" (1886). Outras obras de destaque são: "A sonata de Kreutzer" (1889) e seu último romance, "Ressurreição" (1899).


O texto acima ("Póslie bala", publicado em 1903), foi extraído do livro "Contos de amor do século XIX", Cia. das Letras — São Paulo, 2.007 - pág. 446 tradução de Rubens Figueiredo, organizados por Alberto Manguel.





quarta-feira, 13 de novembro de 2013

O Inspetor Geral- filme baseado na obra do romancista Nikolai Gogol


Georgi (Danny Kaye) é um caixeiro viajante que sobrevive vendendo um suposto remédio milagroso nos pequenos povoados da Rússia, em meados do século 19.

Entre as aldeias que visita, uma em especial está sob o domínio napoleônico, onde a maioria das autoridades é corrupta.

Ao chegar na cidade, Georgi é confundido com um inspetor geral de Napoleão (Oficial do "Czar"), e se aproveita da situação para desmascarar os corruptos homens públicos do lugar.

Tais homens (entre eles conselheiros e até o prefeito), apavorados com o "inspetor", oferecem roupas, finos presentes e até propina afim de agradá-lo a qualquer custo.

Mas, como nem tudo que é bom dura, o nosso herói acaba sendo desmascarado quando o verdadeiro inspetor aparece em cena.

Dirigido por Henry Koster, este filme é tido como um dos melhores de Danny Kaye e com várias situações engraçadas, causando pânico, confusões e "saias justas" criadas por seu personagem.


Ficha Técnica

Estado: Em DVD
Título Original: The Inspector General
Gênero:
Comédia
Direção:
Henry Koster
Roteiro:
Ben Hecht, Harry Kurnitz, Nikolai Gogol, Philip Rapp
Elenco:
Danny KayeElsa LanchesterGene LockhartAlan Hale Walter CatlettRhys WilliamsBenny BakerLeonard BremenJimmy ConlinGeorge DavisByron FoulgerLew HearnBarbara BatesWalter SlezakSam Hearn
Duração: 102 minutos



Sobre o Autor:


  Nikolai Gógol

Escritor russo nascido a 31 de março de 1809, em Mirgorod, na Ucrânia. Aos 19 anos instalou-se em Sampetersburgo, tentando seguir uma carreira literária e conseguindo apenas um posto de funcionário e, depois, de professor de História.  Morre a 4 de março de 1852, pouco tempo depois de ter queimado a segunda parte de Almas Mortas. Considerado um precursor do romance realista na Rússia, a sua obra atinge igualmente o domínio do poético, do lírico, do fantástico e do irracional.


sábado, 9 de novembro de 2013

O ser, o tempo e a morte segundo Gadamer


A compreensão de tempo de Gadamer está relacionada à sua posição relativa à morte como central para a existência humana. Ele não reduz o tempo a uma realidade abstrata e mensurável. O tempo tem a ver com a condição humana finita, de modo que quando o ser humano reflete sobre o tempo, o limite deste sempre é parte desta reflexão.

O  limite nesse caso seria a morte, e ela mostra não só os limites do pensamento, mas também do próprio ser pensante, imaginar formas de conceber o tempo que conjugam a situação atual com aquelas vividas e com as que se espera viver.

Há algumas complicações que deve ser esclarecida, Gadamer apresenta esta situação especialmente em relação ligada a perplexidade da natureza do tempo, uma complexidade que envolve a filosofia quando esta se propõe a expor a natureza do eu. Este centro da filosofia moderna é encarado como fundamento da reflexão e, no entanto, não é uma realidade tão autoevidente quanto propunha Descartes. Justamente quando se coloca o eu diante de suas variações no tempo, é que se percebe que o eu no tempo é também um desses “problemas filosóficos” que reconhecemos no momento de tentar expô-lo. Complexidade do eu, da filosofia e do tempo.


Percebe-se, pois, na leitura do mito de Prometeu por Gadamer, a principal dádiva aos seres humanos foi lhes ocultar a visão de sua morte, de modo que pudessem se ocupar do desenvolvimento criador, identificado com a técnica. É isto que ele vê representado de modo exemplar na formulação dramática de Goethe: Prometeu aparece ali como uma consciência cartesiana, que se entende eterna por ser criadora. Entretanto, esta eternidade é meramente uma sucessão de tempos. Importância qualitativa tem de fato a ação criadora, não esta eternidade. Por outro lado, Goethe também faz Prometeu vivenciar a ruína pelas paixões espalhadas por Pandora. A importância disto, para Gadamer, é que a autossuficiência da consciência cartesiana representada pelo Prometeu inicial é posta em questão pela ruptura criada com as infelicidades, que produzem isto enquanto representantes da morte, indicativo radical da alteridade em relação ao eu.
 

Descartando uma contraposição simplista entre, por um lado, uma concepção histórica, representada pelo judaísmo e, por outro lado, uma carência de concepção de tempo na filosofia grega, Gadamer sintetiza as várias tentativas de formulação da questão do tempo entre os gregos. Pondo em prática seu método interpretativo filosófico, que dedica sempre muita atenção ao desenvolvimento das ideias, sua exposição parte dos pré-socráticos, passa pela filosofia clássica e chega até Plotino. Com isso, ele consegue mostrar uma variedade de abordagens que a questão do tempo foi submetida, ao mesmo tempo em que apresenta a linha de desenvolvimento no tratamento da questão. 

Em Heidegger Gadamer deve a percepção da relação entre os temas do tempo e da morte. Ali Gadamer encontra espaço para considerações sobre ambientes e épocas, e para a relação existencial com eles. Trata-se, para ele, de uma reflexão fundada “(...) na unidade orgânica do ser vivo.” Orgânico entendido não só em sentido biológico, mas no sentido de uma realidade que transcende o meramente analisável. O processo de passagem do tempo em suas transições não é linear. Em certos momentos se percebe, por exemplo, que se envelheceu. Não se trata de algo meramente subjetivo, mas da percepção de algo que realmente ocorre objetivamente. Tal reconhecimento é um evento em que a pessoa se apropria de uma verdade.

Ao interpretar um poema de Paul Celan sobre a crucificação de Jesus, Gadamer mostra como um recurso não filosófico, no caso a linguagem poética, contribui para a reflexão.

O poema apresenta os gritos de Jesus na cruz como vãos, já que Deus, não tendo experiência da morte e do sofrimento, não pode conhecê-los e, portanto, apiedar-se por causa deles. Para Gadamer, este poema nos revela que nenhum pensamento sobre a morte pode nos livrar de seu horror. Jesus, em sua interpretação, aparece ali como o paradigma do desespero humano diante do nada da morte. Só assumindo este horror é que se pode voltar a pensar, mas pensar após o susto, de modo a reconhecer na persistência da vida para a morte transcendendo a própria vida.


Por Claudio Castoriadis
Fonte: Eduardo Gross

Astronautas caindo aos pedaços.


Assim são as pessoas, umas sólidas, concretas de aço, outras estranhas, infinitas e abstratas. As pessoas são paisagens, cartão de visita, as pessoas são chamadas não atendidas, as pessoas são gritadas, anunciadas pelo nome sobrenome, as pessoas são palavras esquecidas. As pessoas têm papo, cabeça ombro e membros, sentimentos no anonimato, as pessoas são potências e atos. As pessoas têm coisas, as coisas têm as pessoas, são textos caligrafias cadernos encadernados no segundo, mundo particular em partículas criptografadas, um quarto da metade industrializada condicionada. As pessoas estão na terra, estão no terraço, as pessoas estão no mundo da lua, astronautas caindo aos pedaços.    





Por Claudio Castoriadis
Ilustração: Elena Shumilova

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Gotas de pensamentos


Nossas vidas adormecem quando recolhemos das nossas lembranças algo de bom. Sei que o mundo não é um mar de flores, sei que nem todas as flores se encontram no mundo, eu sei, acredito nisso. Quando o corpo cansa, miseravelmente exausto, gotas de pensamentos, luzes velozmente resgatam imagens, sorrisos, olhares: véspera de onde edificávamos o tímido sentido encoberto pelo tempo.

Oportunidade, um grito que estilhaça e muda a solidão- paciência. - A arte de ser alegre, algo de útil, não temer as ameaças dos novos horizontes que fluem, flutuam ao redor da nossa cabeça, vêm, voltam e mudam de cor; é tudo tão rápido! Agilidade que não conseguimos editar claramente antes que o ponteiro avance uma providência sensata.

Ontem alguém me falou um bocado do bastante que poderia ser falado, coisas relativas a vida, da nossa vida, breve, infinita, um instante. Todos temos nossas histórias, todos estamos na história; poucos querem construir sua própria historia. Por que as pessoas são dessa forma? Respostas todos têm, recortadas pela mesma tesoura.

Fazia frio, e a tempestade não dava trégua; enquanto você sorria p'ra mim

Tenha um sonho e terás com que exaltar-te e por sorte as bolhas de orvalho ainda brilharão sobre o amanhã durante milhares de gerações.



Por Claudio Castoriadis
Imagem: fonte web

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Gabriel o Pensador se interessou pelas causas do Greenpeace


Assim como Tico Santa Cruz, do Detonautas, Gabriel se interessou pelas causas do Greenpeace. Ele leu e assinou a petição pelo Desmatamento Zero e apoiou os ativistas presos na Rússia. Em entrevista ao site Portal Amazônia, falou sobre a importância de preservar a floresta: “O brasileiro deveria se informar mais sobre a Amazônia e entender a grandeza dela. O desmatamento e as queimadas afetam diretamente todo o ecossistema. No futuro pagaremos o preço pela destruição."


Fonte:  http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Blog/

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Algumas cartas sobre o mundo líquido moderno

Zygmunt Bauman


Não consigo enxergar, estou ficando cego
Korn - Blind 


Como filtrar coisas boas e ruins? Quem é de verdade ou não? Como captar as pessoas significativas entre o alarido sem nexo em um mundo subordinado, inclinado para a discórdia? Aqui é assim, ideias, opiniões, sugestões contraditórias, queimando as oportunidades de uma vida saudável - pessoas menos cretinas. Não sou pessimista, e quando penso que sou, afasto meu pessimismo das pessoas. Mas tem gente com um prazer monstruoso de poluir o universo.

Pessoas, criaturas (caricaturas).

Parece que nos falta uma máquina de debulhar para separar o joio do trigo na montanha de refugo e lixo. Assim é a vida, o mundo como se encontra, paisagem para vista, um mundo "liquido" como pensou Zygmunt Bauman.

Insegurança: todos estamos indefesos de ambos os lados, perdendo forças, arrastados pela enxurrada desse imenso planeta. Um fenômeno que caracteriza a vida globalizada. Neste sentido, as cidades são hoje verdadeiros campos de batalha, onde poderes se chocam com identidades locais. O resultado? Uma eclosão de violência e insegurança.porque, como todos os líquidos, ele jamais se imobiliza nem conserva sua forma por muito tempo. 


Tudo ou quase tudo em nosso mundo está sempre em mudança: as modas que seguimos e os objetos que despertam nossa atenção (uma atenção, aliás, em constante mudança de foco, que hoje se afasta das coisas e dos acontecimentos que nos atraíam ontem, que amanhã se distanciará das coisas e acontecimentos que nos instigam hoje); as coisas que sonhamos e que tememos, aquelas que desejamos e odiamos, as que nos enchem de esperanças e as que nos enchem de aflição. 


Para quem leu o livro “44 Cartas do mundo líquido moderno” (44 Lettersfromthe Liquid Modern World) do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, essa breve postagem, texto, deve servir de introdução para um pensamento sobre um mundo de aparência Líquido e mutável que desaparece sob a interpretação. (se possível, leiam esse livro moçada)


De algum modo o que se pode observar hoje em dia é uma multiplicação infinita de tudo aquilo que se opera sobre a subjetividade, onde alguns aspectos vão se pulverizando (quando não fazem mais sentido), mas outros são construídos por outras lógicas. É nesse segmento que seguem as cartas de Bauman: falando sobre vida, valores e cultura. E o sociólogo faz um alerta: apenas unidos poderemos combater os “males sociais” 



Por Claudio Castoriadis
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