segunda-feira, 16 de maio de 2011

Slavoj Žižek: O rock star da Filosofia.

Sociólogo, filósofo e teórico crítico esloveno, Slavoj Žižek é professor da European Graduate School e pesquisador sénior no Instituto de Sociologia da Universidade de Liubliana. É também professor visitante em várias universidades estadunidenses, entre as quais podemos citar a Universidade de Columbia, Princeton, a New School for Social Research, de Nova Iorque, e a Universidade de Michigan. Nascido na antiga Jugoslávia, em Liubliana, hoje capital da Eslovénia, doutorou-se em Filosofia na sua cidade natal e estudou Psicanálise na Universidade de Paris. Também conhecido por sua postura polêmica no cenário acadêmico contemporâneo, Žižek também é visto como uma figura carismática entre a nova geração de intelectuais. Com uma postura contundente perante a ordem vigente do sistema capitalista o mesmo é conhecido por seu uso de Jacques Lacan numa nova leitura da cultura popular, abordando temas como o cinema de Alfred Hitchcock e David Lynch, o leninismo e tópicos como fundamentalismo e tolerância, correção política, subjetividade nos tempos pós-modernos e outros. Enfim, um pensador que está ganhando seu espaço como uma figura “pop star” com uma incrível desenvoltura de tratar temas, que em sua maioria são considerados herméticos, com extrema precisão e rigor filosófico. Os grandes teóricos que se mordam, mais a muito tempo a filosofia, tal qual vivemos hoje nos centros acadêmicos, não presenteava o mundo com  uma figura com tal envergadura se insere no debate sobre nosso conturbado cenário politico. Como aperitivo de uma figura tão irreverente, leiam uma parte da entrevista ao repórter Jorge Pontual em um momento descontraído gravado no estúdio da Globo em Nova York:

Jorge Pontual — Protestos anticapitalistas, movimentos ecológicos, militantes pacifistas, fundamentalismo islâmico, redes de terroristas: à primeira vista, todos seriam inimigos do sistema dominante. Na verdade, apenas reforçam o poder do capitalismo avançado. Esta é uma das teses polêmicas do pensador Slavoj Žižek, o enfant terrible da filosofia, o rock star da psicanálise, o inimigo radical tanto da direita quanto da esquerda. Nascido na ex-Iugoslávia, no que é hoje a pequena Eslovênia, Žižek tomou de assalto o mundo acadêmico internacional com mais de 50 livros publicados em dezenas de países, entre eles o Brasil. Turnês mundo afora com palestras superlotadas e infindáveis vídeos e filmes sobre sua obsessão: o cinema. Aliando a erudição ao gosto por piadas escatológicas, Žižek é um marxista mais próximo de Groucho Marx do que de Karl Marx. Um comunista que segue Jesus e que prega o cristianismo sem Deus. No primeiro de dois Milênios profundos e também hilariantes, gravados no estúdio da Globo em Nova York, Žižek fala do terrorismo e dos impasses da esquerda populista e não deixa pedra sobre pedra.

Jorge Pontual — Olhando por esta janela dez anos atrás, era possível ver as torres gêmeas. Elas ficavam bem ali. Você escreveu muito sobre isso, certo? Vamos falar primeiro sobre isso: os atentados de 11 de setembro, suas consequências, para mostrar aos nossos espectadores como você trata um tema, as ideias preconcebidas, a ideologia escondendo a verdade nesses tipos de situação. Por exemplo, que o liberalismo americano e o fundamentalismo islâmico fazem parte do mesmo sistema, que não é possível entender um sem o outro.
Slavoj Žižek — Se retroalimentam.

Jorge Pontual — Um se alimenta do outro.
Slavoj Žižek — Isso é crucial para o modo como a ideologia funciona hoje. Como disse o grande filósofo Gilles Deleuze, nós não temos apenas respostas erradas para alguns problemas, mas temos também problemas errados. Problemas que talvez tenham relação com problemas reais, mas pela maneira como são formulados, eles são mistificados. Logicamente, o terrorismo é um problema real que enfrentamos. Mas ao formular o problema como uma luta entre a tolerância liberal e o fundamentalismo, você já mistificou o problema. Por quê? Porque eles são, como você disse — e eu concordo plenamente — eles são dois lados da mesma moeda. Não que não importe que eles sejam diferentes, mas é a ordem liberal mundial que, por uma necessidade intrínseca, gera o fundamentalismo. O maior exemplo, que eu sempre cito, é o Afeganistão. Infelizmente, tenho idade suficiente para lembrar o que era o Afeganistão há 35, 40 anos. Talvez fosse o país mais tolerante e menos fundamentalista. Era o país muçulmano menos fundamentalista do Oriente Médio.

Jorge Pontual — Tinham um partido comunista.

Slavoj Žižek — Um partido forte, local. Ao assumir o poder, surpreendeu até os soviéticos.

Jorge Pontual — As mulheres não usavam véu.
Slavoj Žižek — Eles tinham um rei que era uma espécie de reformista progressivo. Mas os comunistas eram tão fortes que achavam que podiam dar um golpe de Estado sozinhos. Quando a União Soviética interveio, os EUA fortaleceram seus próprios agentes para combatê-la, dentre eles, Osama Bin Laden e outros. Então, como resultado, o Afeganistão se tornou fundamentalista. Não se trata de um país que sempre foi fundamentalista. O Afeganistão se tornou fundamentalista porque ficou enredado na política mundial.

Jorge Pontual — Agora o fantoche americano, Hamid Karzai, está recebendo dinheiro do Irã, o “inimigo maligno”, e está dizendo: “O patriotismo tem um preço. Os EUA também me dão dinheiro”.
Slavoj Žižek — Isso é o mais triste desses países que os EUA querem “democratizar” sem o devido trabalho político. O resultado é uma mistura de fundamentalismo religioso e corrupção pura e simples. E você não sabe o que escolher. Eu estive recentemente — na verdade, há mais de um ano — em Ramallah e conversei com alguns intelectuais palestinos que me disseram que a maior tragédia para eles era que, nos últimos 20, 25 anos, a esquerda secular palestina havia praticamente desaparecido. Até mesmo certos rostos. Você se lembra, alguns anos atrás, ela era quase sempre o rosto da OLP na CNN, Hanna Ashrab. Ela ainda está lá, e eu sei... Essa é uma história maravilhosa. Um israelense me explicou que ela desapareceu num acordo estranho entre os dois lados. Os palestinos não queriam que ela... Os fundamentalistas diziam: “Que história é essa? Uma mulher que foi educada no Ocidente não pode nos representar”. Os sionistas de linha dura também não a queriam porque diziam que ela passava a imagem errada. As pessoas iam achar que os palestino eram normais. Eles preferiam os palestinos de Arafat, que balbuciavam num inglês mal articulado. E sobre o que você falou da cumplicidade dos dois lados... Vou contar algo que vai interessar aos espectadores. Uma história incrível que aconteceu com um bom amigo antissionista. Udi Aloni, um cineasta judeu. Alguns dias depois do atentado de 11 de setembro, ele pegou um táxi próximo a Union Square. E, chegando à Union Square, o taxista, um muçulmano fundamentalista, contou a ele a história de sempre: que o atentado tinha sido planejado pelos judeus, que nenhum judeu tinha morrido porque todos haviam sido informados e coisa e tal. O que ele fez em respeito aos seus irmãos judeus? Pediu que o homem parasse o táxi porque não falava com pessoas de visão tão estrita. Ele desceu e atravessou a Union Square, onde viu um grupo de judeus fundamentalistas pregando para as pessoas, e um deles gritava: “Agora temos uma prova de que Deus nos ama. Nenhum judeu morreu no atentado de 11/9!” Ele pensou: “É a mesma coisa!” O sotaque era diferente, a história era igual. O mesmo que aconteceu com o Afeganistão aconteceu com o Kansas aqui nos EUA. Essa é a tragédia americana. Seus telespectadores devem conhecer o livro maravilhoso... Não é uma grande teoria, mas uma boa descrição, de Thomas Frank. Ele diz que o Estado americano que, há 30 anos — e foi assim por mais de 100 anos — era o mais progressivo de todos, sempre foi, começando com John Brown, tinha o mais articulado movimento abolicionista, é agora o alicerce da linha mais dura.

Jorge Pontual — Não se ensina a evolução.
Slavoj Žižek — Pois é. Isso deveria nos fazer pensar.

Jorge Pontual — É o Afeganistão dos americanos. Mas isso é um fenômeno novo, certo? Não é tradição.
Slavoj Žižek — É, mas isso faz parte. E é aí que chegamos a uma tendência geral. Faz parte de uma tendência geral muito preocupante. Estou escrevendo um livro político em que tento desenvolver esse tema. Não posso falar do seu país ou da América Latina. Mais até na Europa do que na América Latina, é uma coisa que realmente me preocupa e me apavora. Deixe-me simplificar ao máximo. Até agora, na disputa política típica, o máximo que temos são dois grandes partidos: um de centro-esquerda, outro de centro-direita, com o mesmo poder, ambos agradam a toda a população. E há outros partidos menores. Agora uma coisa terrível está acontecendo. Cada vez mais, entre esses dois partidos, um deles desaparece, ou eles se unem. Eles deixam de ser dois partidos e nós ficamos com um partido principal. Vamos chamá-lo de “Partido do Puro Capitalismo Global”. Ele é pró-capitalismo, mas, ao mesmo tempo, defende a diversidade cultural, os homossexuais, o aborto. O único sério oponente, o que realmente inflama os ânimos, é o anti-imigrantista, nacionalista, fundamentalista etc. E não apenas em antigos países comunistas do sudeste europeu, como Hungria, Romênia e Albânia. Mesmo naqueles que eram para nós, na Europa, o mito de tolerância: a Suécia, a Noruega, a Holanda etc. Essa é a nossa tragédia. É muito preocupante. Porque a esquerda tragicamente aceitou essa, digamos, “despolitização”. De acordo com os acadêmicos de esquerda, todos os problemas agora são problemas culturais, de tolerância e assim por diante. Pense na Europa Ocidental: a única força política, não essas maoístas com membros em cinco países, mas a única força política relevante que ainda ousa se dirigir à classe trabalhadora são os anti-imigrantes de direita. Na França, Le Pen é a única entre os políticos. E isso me preocupa. Eu me lembro de um velho dito de Walter Benjamin: “Por trás de todo fascismo há uma revolução de esquerda fracassada”. Isso é literalmente verdade nos países árabes, por exemplo. Nós nos esquecemos completamente de como, até 20, 30 anos atrás, havia partidos comunistas muito fortes, seculares. Tudo isso desapareceu. E, por isso, eu digo aos meus amigos liberais: “Não quero mais terrorismo, mas vocês se dão conta de que apenas algum tipo de novas esquerda, não sei qual, poderia salvar suas próprias ideias liberais?” E algo novo, não a velha e conhecida esquerda comunista. E não há ambiguidade nisso. A experiência stalinista do século 20...

Jorge Pontual — Acabou.
Slavoj Žižek — Não apenas acabou, como talvez tenha sido a maior tragédia política, ética, talvez até econômica, da história da humanidade. De certa forma, foi muito pior que o fascismo. Por quê? No fascismo, você sabe. Fazendo uma análise simplista, os fascistas são os caras maus que diziam em seus programas: “Vamos fazer coisas ruins”. Aí, chegaram ao poder e fizeram as coisas ruins. Certo, e daí? Com os comunistas, foi uma verdadeira tragédia. O que quer que se diga sobre eles, no começo, havia um potencial emancipatório que se transformou em terror, de certa forma ainda mais terrível e mais difundido. Então, por que me refiro ao stalinismo de forma quase ambígua? Creio que se trata do maior enigma do século 20. Acho que até o mais liberal crítico de direita anticomunista naqueles grandes livros, como os de Montefiore. Eles não dão conta do recado. Nós ainda precisamos confrontar esse enigma. Mesmo os teóricos de esquerda importantes o evitam, como os da Escola de Frankfurt: Habermas e outros. Eles não descontaram todos os escritos contra o fascismo, e assim por diante. Eles ignoram totalmente o fenômeno do stalinismo. É algo que ainda temos que abordar.

Jorge Pontual — Uma coisa sobre a qual você fala brevemente no seu livro e que gostaria que elaborasse um pouco mais é o capitalismo populista da América Latina. O que é esse capitalismo populista de que você fala?
Slavoj Žižek — Eu não tenho uma teoria muito profunda. O que estou querendo dizer é que... Vou ser bem sucinto. Em primeiro lugar, quero enfatizar bem: talvez até seja uma coisa boa. Posso ser radical de esquerda, mas não sou um idiota completo. Não estou esperando a formação do novo partido leninista. Nós devemos ser realistas e aproveitar as oportunidades. Li um texto excelente de Goran Therborn, um sociólogo sueco. O texto é bem simples, mas é fantástico. Ele toma dois conjuntos de valores. Primeiro, ele calcula, de acordo com dados oficiais, o nível de igualitarismo dos países escandinavos. Apesar da crise e tudo o mais, eles ainda são extremamente igualitários. Eu fiquei chocado ao saber que, na Noruega, mesmo em empresas privadas, a variação entre o maior e o menor salário é de 1 para 4, talvez de 1 para 5. Agora, o contra-argumento neoliberal de costume é que, se fizermos isso, se mantivermos o seguro-saúde e tudo o mais, enfraqueceremos a competitividade. Sabe o que ele fez? Ele não analisou publicações parciais de esquerda, mas o Wall Street Journal, a lista oficial dos capitalistas dos países mais competitivos. Eles estão no topo da mesma forma. Mas, no topo do topo temos Cingapura e Hong Kong. Depois, vêm Suécia e Noruega. Isso prova que não é verdade o que os neoliberais estão dizendo, que, ao abolir o Estado assistencial, você perde competitividade. Desculpe, mas não necessariamente. Eu não idealizo Lula, mas vocês, ainda assim, provaram que, nos últimos anos, com Lula na presidência... Volto a dizer que não o idealizo. Como isso se relaciona como a sua pergunta? O que está acontecendo graças ao imortal presidente George Bush, o filho? Por causa de uma coisa que ele fez, todo esquerdista deveria rezar pela alma dele todos os dias. Nos seus oito anos de governo, ele, com certeza, enfraqueceu a hegemonia e a liderança mundial dos EUA. Depois de seu governo, os EUA são, cada vez mais, apenas um entre muitos. Agora estão surgindo novos blocos hegemônicos. Vamos chamar ainda de bloco dos EUA e países anglo-saxões, a Europa ainda está buscando o seu caminho. Temos o que chamamos ceticamente de “capitalismo com valores asiáticos” nos países orientais mais autoritários e temos o populismo latino. Se você me perguntar, nenhum deles me agrada. Em primeiro lugar, eu não gostaria de viver num mundo onde as escolhas fossem apenas China ou EUA. Eu gostaria de elaborar mais sobre as diferenças. Diferentemente de alguns amigos meus... Não estou falando aqui do Brasil, mas de populistas de esquerda latinos, como Perón e Chávez atualmente. Eu não confio neles. Para mim, este foi o meu grande mal-entendido — e ele literalmente me odeia por isso — com meu ex-amigo Ernesto Laclau. Ele ainda acha que o populismo é algo originalmente progressivo, que promove o avanço da esquerda. Não. O populismo está sempre, por definição, na origem do fascismo. Populismo significa construir um grande bloco nacionalista acima das diferenças de classe. Então, quem passa a ser o inimigo? Não há mais a luta de classes, então precisamos de alguém, mesmo que não os judeus, de alguém como os judeus, contra quem possamos nos rebelar. Por isso, infelizmente, não concordo com meus colegas argentinos que elogiam o peronismo de esquerda. Acho que o peronismo foi uma catástrofe. Nesse nível, não estou tentando bajular o Brasil, não sei o bastante sobre vocês. Mas acho que, talvez, e me corrija se eu estiver errado, alguns de seus presidentes tenham flertado... Como era o nome dele?

Jorge Pontual — Com o fascismo?
Slavoj Žižek — Não, não. Com o populismo, até o esquerdista Quadros... Kubitschek...

Jorge Pontual — Jango.
Slavoj Žižek — É, um pouco. Mas, entretanto, vocês nunca se encaixaram nesse verdadeiro populismo latino-americano. Essa foi a sorte de vocês. É por isso que vocês estão prosperando. É por isso que a Argentina não consegue decolar. É por isso que, mesmo na Venezuela, Chávez, eu afirmo... Eu não entendo. Deixe-me ser bem claro. Primeiro, Chávez fez algo pelo qual deveríamos ser gratos a ele. Pelo que eu sei, ele pelo menos tentou ir mais longe do que Lula e tudo o mais, para realmente incluir no processo político os excluídos das favelas. Isso é muito bom. Se não fizermos isso, vamos nos acercar de uma guerra civil interna. Não é apenas um fenômeno latino-americano. Olhe a França, todos aqueles carros queimados. Olhe a China! Eu estive lá há três meses, e eles me perguntaram se eu sabia quantas rebeliões violentas espontâneas aconteciam dentro da China por ano. Por “rebelião” quero dizer uma comoção tão importante que a Polícia e o Exército têm que intervir, e há derramamento de sangue. Por ano, são 20 mil. Entende? Tudo bem. Mas, na minha opinião, ele se perdeu nesse tradicional. E o petróleo foi a sua maldição, de certa forma.

Jorge Pontual — Chávez?
Slavoj Žižek — É. O mesmo acontece com os regimes árabes. Se você tem uma grande fonte de dinheiro, isso, infelizmente, dá a você espaço de manobra suficiente para adiar o aparato realmente eficaz do Estado, as reconstruções e tudo mais.

Jorge Pontual — E qual é o problema de Chávez?
Slavoj Žižek — Na minha opinião, é funcionar cada vez mais como um país caudilhista latino-americano. Eu sei que ele também tenta implementar umas parcerias, mas é basicamente um estado autoritário.

Jorge Pontual — E a proximidade deles com o governo de Ahmadinejad?
Slavoj Žižek — Foi aí que começaram as minhas suspeitas com relação a Chávez. Primeiro pensei que talvez fosse bom o que ele estava tentando fazer. Mas veja os aliados dele. Talvez você conheça o ditado que diz: “Diga-me com quem andas e te direi quem és”. Ahmadinejad! Pior ainda, Lukashenko. Sem falar de Putin. Lukashenko. Ele é um louco. Isso é motivo de muita preocupação. Por exemplo, precisamente... Eu não sou um liberal ingênuo pró-Ocidente, mas acho que as últimas eleições no Irã foram quase um evento histórico mundial. Por quê? Mousavi, o candidato derrotado oficialmente, talvez fosse uma verdadeira solução. Mousavi fazia parte da revolução do Khomeini. Mas ele fazia parte do grupo que foi posto de lado quando os fundamentalistas assumiram o poder. Ele é a prova viva de que a Revolução de Khomeini não foi simplesmente um golpe extremista islâmico. Se você tiver uma certa idade... Alguns de nós têm, que coisa trágica! Você se lembra de que, quando o Xá partiu e Khomeini assumiu o poder, a situação ficou indefinida por cerca de um ano e meio. Até que, finalmente, os fundamentalistas assumiram o poder. Aí, tudo o que havia sido reprimido, um aspecto mais emancipatório, explodiu. Isso é muito importante porque era contra o fundamentalismo, mas não era algo simples: “Vamos adotar o liberalismo Ocidental”. E aqui, meu Deus, como foi que Chávez não viu isso? Frequentemente, quando a esquerda consegue um progresso autêntico, o Terceiro Mundo está envolvido. Você sabe qual é a hipocrisia de esquerda de hoje nos países desenvolvidos? Eles gostam da revolução com uma condição: que ela aconteça bem longe, que não mude a vida deles. Pode ser no Vietnã, em Cuba... É bom que ela aconteça longe para você fazer seu trabalho sujo aqui: você faz esquemas, se corrompe, mas seu coração está lá longe. O mesmo acontece com Chávez hoje em dia. É fácil para os europeus gostarem dele. Mas eu acho que o governo dele vai se tornar, cada vez mais, uma ditadura pessoal quase cômica. Eu desconfio profundamente... não dele pessoalmente, não me importa, mas num sinal de como opera a totalidade do poder. Como, por exemplo, quando ele começou com o programa “Aló Presidente”. Alguém me contou, e me pareceu piada. Mas agora o programa se dividiu em dois: o “Aló Presidente Prático” e o “Aló Presidente Teórico”, em que Chávez se mete a... Eu concordo com... Sabe quem me deu essa indicação? Toni Negri. Meu Deus! Eu não concordo com ele, em tese, mas ele é da esquerda, me alertou sobre isso, e eu não acreditei nele quatro anos atrás. Ele me disse para não ficar fascinado com Chávez e que, embora fosse muito mais modesto, o Brasil era muito mais interessante.


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Por Claudio Castoriadis
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