Onde as horas não passam....
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“A rua não lembro exatamente, haviam muitas pessoas, por ventura me falha o motivo da festa; as horas se passavam, era madrugada, o clima permanecia cálido e aconchegante. Enquanto houvesse música e bebida a noite parecia não ter fim. Talvez se eu tivesse paciência poderia ter ficado e compartilhado daquele um tanto peculiar sentimento comemorativo que parecia tomar a todos. Quanto mais a noite se aprofundava, maior se tornava o colapso, eram os muitos que, tombavam contra mim e logo em seguida desaguavam pela calçada, agora, amparo dos muitos jovens alcoolizados que ali se encontravam. tudo tão ridículo, patético - gentalhas - aquilo tudo embrulhava meu nauseado estômago. Subitamente como se fosse mágica, paira ao meu redor um silêncio assustador seguido por um frio incomodo que paralisava o meu frágil corpo por inteiro; aquilo que jaz no inconsciente, agora se personificava entre pessoas inconsequentes e alcoolizadas, bem diante dos meus olhos, como se tencionasse minha atenção. Corpos caiam ao seu redor com o simples toque das suas mãos, almas eram ceifadas a cada passo seu em minha direção. Embora a resposta final para o que estava acontecendo fosse demasiada assustadora, sei o quanto é difícil de acreditar, mas, aquilo tudo me seduzia. Cada corpo, cada movimento me agradava. Não obstante, Eu o deixei se aproximar e entrar em minha vida, novamente eu o aceitei.”
Por alguns instantes o silêncio me separa do meu, “competente”, médico. Desde o momento que entrei em seu escritório, até o fim dos meus delírios ao confessar meus sonhos, ele não inclina a cabeça, nem atenta meus olhos. Apenas faz anotações. Escreve, escreve, e assim permanece por horas. Tento não me incomodar com sua fria formalidade. Detenho-me observando os quadros e livros que se encontra por traz da minha poltrona. Livros empoeirados e fora do lugar que não conseguem atribuir nada de atraente para meus olhos- nossa quantos livros desses eu poderia ler? Seria uma leitura para pacientes? Ou apenas para eles? Os normais que estão do outro lado no “mundo real”. Ou quem sabe esse tipo de leitura apenas serve para discutirem teorias em congressos terapêuticos? Até que seria engraçado servir como via de acesso para um debate clínico em uma revista especializada-. Quanto tempo ainda? Fico sussurrando, em baixo tom, para me mesmo, o que penso daquela pérfida situação. Em um sutil movimento consigo ler, com dificuldade, suas anotações, claro, rotineiras sobre meu caso. E pelo que posso aperceber, toda minha conversa em nada inferiu em meu progresso. Será que faltou mais ensaio na frente do espelho? De qualquer forma quantas vezes tenho que contar meus sonhos? Até que ponto meu quadro clínico tem algum tipo de relevância em meus sonhos? Sim, pode ser a velha questão da limpeza de chaminé, tão trabalhado pela psicanálise. Será mesmo esse o termo utilizado por eles? Sei lá, é tudo tão complicado - Preciso de um cigarro.
Enfim, reparo também um tipo de desatenção para os detalhes das minhas palavras. Perfeito, isso é o que denomino de psicologia de sala de jantar, dito de outro modo, uma não psicologia. Fria, desumana, sem estrutura adequada. Seria o caso de rir ou lastimar tal situação? Sinto-me tão aliviada em falar dos meus sonhos. Penso que, o sonho é um repouso para o cérebro, que, pelo menos, durante a cortante madrugada com intuito ávido, tenta satisfazer as severas exigências impostas pelo cotidiano, tenciona de maneira mais satisfatória possível algum tipo de alívio para as amarguras rotineiras do assim chamado “mundo real”. Sabe aquele mundo onde as pessoas são iguais, possuem suas famílias, tem belas roupas, fazem suas refeições diárias em frente a um aparelho de T.V, comemoram o natal, falam que amam, matam, ferem, fazem atividades em prol da saúde e estética, aquelas pessoas que se escondem por de traz da sua luxúria, e trabalham o mais belo sorriso para seu próximo, seja ele o padeiro da esquina ou um grande empresário. Um mundo onde o mais louvável é não pensar e sim fazer parte de um “todo,” afetados por um tipo de inconsciente coletivo ou algo do género. Um mundo onde apesar dos limites e convenções sociais o indivíduo acredita poder afirmar sua existência sendo ser imprescindível ser normal. Tudo mentira, antiquário, anacrônico. Tudo um jogo de mascaras que não deixa de ser tudo “humano”.
Nessas horas sou grata pela minha majestosa imaginação que continuamente oferece imagens contrárias as quimeras da esfera humana. E aqueles que não são abençoados por tal dádiva? Aqueles que desistiram de sonhar? Ora, sei que existem pessoas que lutam tão determinadas contra moléstias, desilusões e a ferida do existir, atormentados ou, até mesmo acorrentados por visões delirantes; depois de terem a realidade despedaçada, todo o equilíbrio sobre seu pensamento, sua vontade e, sobre tudo que um dia reflete o que outrora foi seu “eu”. Não teriam essas pobres almas em seus sonhos algum tipo de rochedo? Com isso, mais uma pergunta atormenta meu espírito: até que ponto isso importa para a medicina? Para um médico especialista? O meu diagnóstico? Minha enfermidade deverás encontra algum consolo nessa sala? Meu último médico, por sua vez covarde ou simplesmente sensato, havendo presenciado a uma de minhas crises, terríveis crises de loucura, fugiu da clínica apavorado. Salve, salve a ciência e seus nobres servos. Quanto tempo esse ainda resistirá? Operários burocratas, todo esse ar me sufoca, será que acaso alguém compreende isso? Que não foi a doença que caiu sobre mim e sim o contrário, eu a busquei como uma amante bastarda e perfumada, a mesma abracei e cortejei como um raio avassalador, destruidor. Pois bem, alguém se importa ou exterioriza algum tipo de sentimento onde me encontro e repouso? Paciência, paciência, é tudo que preciso, visto que o mundo permanece o mesmo. Enfim, onde estou? E meu excomungado pensamento? Ainda não encontrou seu limite? Grande Deus, existe um ponto onde minha essência auto destrutiva culmina sua peculiar cede inquiridora? É nessas horas que sinto pesar minha falta de compromisso com os livros de psicologia, quem sabe, pela bem aventurança do destino hoje minha alma estaria conformada e seguramente manteria um correlato entre meu eu, espírito e pensamento. Ou o que Lacan denomina de real – simbólico - imaginário. Faria mais sentido que fumar dezenas de cigarros.
A luz do sol que brilhava no cachimbo do Freud estampado em um velho quadro que serve como pano de fundo para um médico despriendido se encontra mais fraca. Suponho que em sua confortável poltrona o tempo não pesa muito em seu trabalho. Aqui não é permitido o uso de relógios, então tento me situar nas sombras que chegam na sala perante a ausência de luz. Com os olhos penetrantes e frios ele me pergunta da minha saúde, melhoras, como tem sido minhas noites de nosso. Minha alimentação. Suas mãos brancas quase que sem cor tocam meus cabelos avermelhados e da sua boca seca e objetiva ele diz que tudo vai ficar bem. Estranho, porém previsível de um médico cujo nome Hans Von Liszt em nada passa segurança. Meu coração bate forte, minhas mãos não param de tremer. Respiro fundo, tento controlar meu medo. Estou apavorada. Será que ele notou a foto que, amassada, seguro mesmo com as mãos trêmulas? Não, acho que não. Ele nem mesmo me notou. Tento quebrar minha tensão respirando fundo. [...]
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