sábado, 27 de julho de 2024

cara estranho: uma reflexão kafkiana.


Eis que Gregor acorda em uma manhã para ir trabalhar, mas acaba percebendo que havia se transformado em um inseto esquisito. Nosso personagem fica preocupado com relação a como ir trabalhar nessa situação, nesse momento o autor conta ao leitor o fato de Gregor ser quem sustenta a família, paga as dívidas do pai, coloca comida em casa, cheio de boletos.  Passada a preocupação inicial com o trabalho, Gregor tem outro problema: a má impressão que ele causa nos seus familiares e a mudança de sua forma em sua família. Ele sai da posição de bom filho para um fardo, talvez essa seja a grande metamorfose de Gregor e daí o nome da obra, não sua mudança física, mas a metamorfose de sua posição dentro da família. No sentido psicológico.

Quem já escutou a música cara estranho do Los hermanos não  deveria ignorar  o fato da dupla mais famosa da indie music brasileira ter compartilhado suas mazelas com analistas, tacando lágrimas sofridas. sobretudo no que tange aos desenvolvimentos freudianos e lacanianos. Como Freud já dizia: os poetas e artistas o precederam na descoberta do inconsciente. como uma escrita hieroglífica, a música cara estranho se mostra confusa e desconexa, cabendo ao analisante amarrar os fios que podem fazer da experiência onírica um relato inteligível (poético).



Dito isso: letra e música é sobre sentimento de não fazer parte. De não ser, não pertença. É nesse ponto que encontramos total influência de Franz Kafka.

Uma das questões do livro é que Gregor não perde sua essência com a transformação, apenas a percepção dos outros sobre ele é alterada, situação que lhe causava angústia. Dessa forma, a obra nos chama para refletir sobre o fato que sim, o outro tem papel fundamental na nossa constituição enquanto pessoa, todavia, se ficarmos presos à percepção dos outros não conseguiremos nos constituir como sujeito de nossas vidas.

Vamos para a letra :


"Olha só

Que cara estranho que chegou

Parece não achar lugar

No corpo em que Deus lhe encarnou

Tropeça a cada quarteirão

Não mede a força que já tem

Exibe à frente o coração

Que não divide com ninguém

Tem tudo sempre às suas mãos

Mas leva a cruz um pouco além

Talhando feito um artesão

A imagem de um rapaz de bem

Olha ali

Quem tá pedindo aprovação

Não sabe nem pra onde ir

Se alguém não aponta a direção

Periga nunca se encontrar

Será que ele vai perceber?

Que foge sempre do lugar

Deixando o ódio se esconder

Talvez, se nunca mais tentar

Viver o cara da TV

Que vence a briga sem suar

E ganha aplausos sem querer

Faz parte desse jogo

Dizer ao mundo todo

Que só conhece o seu quinhão ruim

É simples desse jeito

Quando se encolhe o peito

E finge não haver competição

É a solução de quem não quer

Perder aquilo que já tem

E fecha a mão pro que há de vir"


Escutem, reflitam. 


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