Eis que Gregor acorda em uma manhã para ir trabalhar, mas acaba percebendo que havia se transformado em um inseto esquisito. Nosso personagem fica preocupado com relação a como ir trabalhar nessa situação, nesse momento o autor conta ao leitor o fato de Gregor ser quem sustenta a família, paga as dívidas do pai, coloca comida em casa, cheio de boletos. Passada a preocupação inicial com o trabalho, Gregor tem outro problema: a má impressão que ele causa nos seus familiares e a mudança de sua forma em sua família. Ele sai da posição de bom filho para um fardo, talvez essa seja a grande metamorfose de Gregor e daí o nome da obra, não sua mudança física, mas a metamorfose de sua posição dentro da família. No sentido psicológico.
Quem já escutou a música cara estranho do Los hermanos não deveria ignorar o fato da dupla mais famosa da indie music brasileira ter compartilhado suas mazelas com analistas, tacando lágrimas sofridas. sobretudo no que tange aos desenvolvimentos freudianos e lacanianos. Como Freud já dizia: os poetas e artistas o precederam na descoberta do inconsciente. como uma escrita hieroglífica, a música cara estranho se mostra confusa e desconexa, cabendo ao analisante amarrar os fios que podem fazer da experiência onírica um relato inteligível (poético).
Dito isso: letra e música é sobre sentimento de não fazer parte. De não ser, não pertença. É nesse ponto que encontramos total influência de Franz Kafka.
Uma das questões do livro é que Gregor não perde sua essência com a transformação, apenas a percepção dos outros sobre ele é alterada, situação que lhe causava angústia. Dessa forma, a obra nos chama para refletir sobre o fato que sim, o outro tem papel fundamental na nossa constituição enquanto pessoa, todavia, se ficarmos presos à percepção dos outros não conseguiremos nos constituir como sujeito de nossas vidas.
Vamos para a letra :
"Olha só
Que cara estranho que chegou
Parece não achar lugar
No corpo em que Deus lhe encarnou
Tropeça a cada quarteirão
Não mede a força que já tem
Exibe à frente o coração
Que não divide com ninguém
Tem tudo sempre às suas mãos
Mas leva a cruz um pouco além
Talhando feito um artesão
A imagem de um rapaz de bem
Olha ali
Quem tá pedindo aprovação
Não sabe nem pra onde ir
Se alguém não aponta a direção
Periga nunca se encontrar
Será que ele vai perceber?
Que foge sempre do lugar
Deixando o ódio se esconder
Talvez, se nunca mais tentar
Viver o cara da TV
Que vence a briga sem suar
E ganha aplausos sem querer
Faz parte desse jogo
Dizer ao mundo todo
Que só conhece o seu quinhão ruim
É simples desse jeito
Quando se encolhe o peito
E finge não haver competição
É a solução de quem não quer
Perder aquilo que já tem
E fecha a mão pro que há de vir"
Escutem, reflitam.