Emmanuel Levinas, aclamado por
muitos como um dos maiores filósofos da ética do século XX, era discípulo de
Edmund Husserl. Seus primeiros estudos e publicações, a começar pela tese de
doutorado em filosofia de 1930, que versava sobre o papel da intuição no
trabalho de Husserl, dedicavam-se à exegese e à interpretação dos ensinamentos
do fundador da fenomenologia; essas obras são testemunhos explícitos dessa
dívida intelectual. Tal ponto de partida determinou, em grande medida, a
trajetória da própria obra de Levinas, embora seu modo de argumentação e seus
métodos, mais que seus objetivos cognitivos ou seus achados e proposições
substantivas, fossem, em algumas poucas questões cruciais, o oposto dos de
Husserl.
Antes de tudo, não se deve
esquecer que o que Levinas deve a Husserl é o audacioso feito da redução
fenomenológica, nas palavras do próprio Levinas, aquele ato de violência que o
homem impinge a si mesmo, a fim de se reencontrar consigo como puro pensamento
e o estímulo, o encorajamento e a legitimação para uma coragem ainda maior de
permitir que a intuição de uma filosofia precedesse (e pré-formasse) a
filosofia da intuição (LEVINAS, 1970).
Embora, Levinas (1997), em
muitos pontos do seu pensamento, por um lado, tenha-se mostrado em oposição a
seu professor de filosofia (Husserl), usa a metodologia do mestre para
reafirmar a autonomia do mundo sobre o sujeito: não sendo enfaticamente um
projetista e criador, como um Deus, o sujeito é conclamado a existir pelo ato
de assumir a responsabilidade pela indomável e inflexível alteridade do mundo.
Por outro lado, se, para Heidegger, o Ser era “desde o princípio” ser-com, para
Levinas, é da mesma forma ou ser-para. O eu nasce no ato de reconhecimento de
seu ser-para-o- Outro e, com isso, na revelação de sua insuficiência como mero
Ser-com.
Trilhando o itinerário
preconizado e testado pela redução fenomenológica de Husserl e mobilizando as
ferramentas de “colocar entre parênteses” a epoché (separação, eliminação,
suspensão), Levinas desenvolveu estudos e pesquisa no sentido de explorar a
“ética pura”, absoluta, primitiva, extemporânea e a-territorial e não
adulterada por misturas ilegítimas, heterogêneas, acidentais e dispensáveis, e
do puro significado da ética que tornam todos os outros significados atribuídos
e imputados concebíveis, ao mesmo tempo em que também os colocam em questão e sob
avaliação.
Apesar de lecionar que a ética
é a interrupção da fenomenologia, ao mesmo tempo, Levinas atesta que essa
interrupção consiste no próprio cerne do fenomenológico. Destaca-se que
seguindo o itinerário da redução fenomenológica e mobilizando as ferramentas da
epoché, Levinas iniciou um inventário da “ética pura” e do puro significado da
ética que tornam todos os outros significados possíveis, e que também os
colocam em questão e avaliação. Esse empreendimento conduziu Levinas, não a uma
subjetividade transcendental, mas à impenetrável alteridade transcendental do
Outro.
Segundo Lévinas, o último estágio da redução fenomenológica
seria a alteridade, essa irredutível exterioridade do Outro que desperta o eu
para suas próprias e singulares responsabilidades éticas, e, assim, contribui
para o nascimento da subjetividade e da sociabilidade.
O mundo socialmente
construído, em que o ego se encontra imerso, interfere na confrontação de um eu
que pensa e sente em relação com o Outro. E faz isso reduzindo a modalidade do
ser-para, por natureza sem fronteiras e sempre subdefinido, a um conjunto
finito de ordens e proibições.
Seguindo Husserl, Levinas
empreendeu uma exploração e busca das “coisas em si”, em sua interpretação, a
essência da ética; e ele a encontrou na extremidade distante da redução
fenomenológica, uma vez tendo “posto entre parênteses” tudo que fosse
acidental, contingente, derivado e supérfluo, sobreposto à ética no curso do
estar-no-mundo do homem. E, como Husserl, produziu um inventário das constantes
da existência moral e das relações éticas, ou seja, elaborou os traços da
ancestral condição de que parte toda existência moral e para a qual ela retoma
a cada gesto moral.
As categorias, tais como “O
Outro" e “o Rosto” são nomes genéricos, mas, em todo encontro moral
localizado no coração do mistério da “lei moral dentro de mim”, cada nome
representa apenas um ser, nunca mais que um: um Outro, um Rosto. No outro
extremo da redução fenomenológica, nenhum nome pode ser colocado no plural. A
alteridade do Outro é equivalente a sua unicidade; cada Rosto é um e único, e
sua singularidade desafia a impessoalidade endêmica da norma .
É sua inflexível singularidade
o que torna redundante e irrelevante a maioria, ou talvez tudo, que preenche a
vida cotidiana de todo ser humano de carne e osso: a busca de sobrevivência,
autoestima ou autoengrandecimento, a convergência racional de fins e meios, o
cálculo de ganhos e perdas, a busca de prazer, o desejo de paz ou poder.
Ingressar no espaço moral de Levinas requer afastar-se por um tempo dos
negócios cotidianos do viver e deixar de lado suas normas e convenções
mundanas.
Referências
Alexandre Alves. M . DA FENOMENOLOGIA À ÉTICA: UMA BREVE ANÁLISE DESDE O PENSAMENTO DE LEVINAS
Alexandre Alves. M . DA FENOMENOLOGIA À ÉTICA: UMA BREVE ANÁLISE DESDE O PENSAMENTO DE LEVINAS
LEVINAS. E. Humanismo do outro homem. Trad. Pergentino S. Pivatto. Petrópolis:
Vozes, 1993.
LEVINAS. E. Ética e infinito. Trad. João Gama. Lisboa: Ed. 70, 1988.
LEVINAS. E. Entre Nós: Ensaio sobre a alteridade. (1991). Trad. Pergentino S.
Pivatto. Petrópolis: Vozes, 1997.
Vozes, 1993.
LEVINAS. E. Ética e infinito. Trad. João Gama. Lisboa: Ed. 70, 1988.
LEVINAS. E. Entre Nós: Ensaio sobre a alteridade. (1991). Trad. Pergentino S.
Pivatto. Petrópolis: Vozes, 1997.