segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Um arquipélago na minha playlist


Um pensamento bobo não tem lugar específico, ele deriva de todas as fissuras da realidade, produz um inventário de cobranças, ideias constantes; essas ideias vão pilhando gerando um arquipélago de palavras estranhas que se perdem na minha playlist para viajem. Ainda bem que uma ideia, formato ideal, não seja algo eterno em apenas uma vida. Uma regra deveria ser desenhada: nada nessa vida permanece um “single” durante o resto que sobra de um percurso.

Um bom pensamento, cantando - música para meus ouvidos. Gosto dessa frequência; um desabafo que desaba o fardo com a cara do tédio. Pensamento não pensado que nasce das dobras de qualquer circunstância, da parafernagem de um conceito ou da atividade do próprio Ser.




Por Claudio Castoriadis 
Foto: dispositivo móvel

domingo, 29 de setembro de 2013

Emmanuel Levinas: a ética como responsabilidade incondicional




Emmanuel Levinas, aclamado por muitos como um dos maiores filósofos da ética do século XX, era discípulo de Edmund Husserl. Seus primeiros estudos e publicações, a começar pela tese de doutorado em filosofia de 1930, que versava sobre o papel da intuição no trabalho de Husserl, dedicavam-se à exegese e à interpretação dos ensinamentos do fundador da fenomenologia; essas obras são testemunhos explícitos dessa dívida intelectual. Tal ponto de partida determinou, em grande medida, a trajetória da própria obra de Levinas, embora seu modo de argumentação e seus métodos, mais que seus objetivos cognitivos ou seus achados e proposições substantivas, fossem, em algumas poucas questões cruciais, o oposto dos de Husserl.

Antes de tudo, não se deve esquecer que o que Levinas deve a Husserl é o audacioso feito da redução fenomenológica, nas palavras do próprio Levinas, aquele ato de violência que o homem impinge a si mesmo, a fim de se reencontrar consigo como puro pensamento e o estímulo, o encorajamento e a legitimação para uma coragem ainda maior de permitir que a intuição de uma filosofia precedesse (e pré-formasse) a filosofia da intuição (LEVINAS, 1970).

Embora, Levinas (1997), em muitos pontos do seu pensamento, por um lado, tenha-se mostrado em oposição a seu professor de filosofia (Husserl), usa a metodologia do mestre para reafirmar a autonomia do mundo sobre o sujeito: não sendo enfaticamente um projetista e criador, como um Deus, o sujeito é conclamado a existir pelo ato de assumir a responsabilidade pela indomável e inflexível alteridade do mundo. Por outro lado, se, para Heidegger, o Ser era “desde o princípio” ser-com, para Levinas, é da mesma forma ou ser-para. O eu nasce no ato de reconhecimento de seu ser-para-o- Outro e, com isso, na revelação de sua insuficiência como mero Ser-com.

Trilhando o itinerário preconizado e testado pela redução fenomenológica de Husserl e mobilizando as ferramentas de “colocar entre parênteses” a epoché (separação, eliminação, suspensão), Levinas desenvolveu estudos e pesquisa no sentido de explorar a “ética pura”, absoluta, primitiva, extemporânea e a-territorial e não adulterada por misturas ilegítimas, heterogêneas, acidentais e dispensáveis, e do puro significado da ética que tornam todos os outros significados atribuídos e imputados concebíveis, ao mesmo tempo em que também os colocam em questão e sob avaliação.

Apesar de lecionar que a ética é a interrupção da fenomenologia, ao mesmo tempo, Levinas atesta que essa interrupção consiste no próprio cerne do fenomenológico. Destaca-se que seguindo o itinerário da redução fenomenológica e mobilizando as ferramentas da epoché, Levinas iniciou um inventário da “ética pura” e do puro significado da ética que tornam todos os outros significados possíveis, e que também os colocam em questão e avaliação. Esse empreendimento conduziu Levinas, não a uma subjetividade transcendental, mas à impenetrável alteridade transcendental do Outro.

Segundo Lévinas,  o último estágio da redução fenomenológica seria a alteridade, essa irredutível exterioridade do Outro que desperta o eu para suas próprias e singulares responsabilidades éticas, e, assim, contribui para o nascimento da subjetividade e da sociabilidade.

O mundo socialmente construído, em que o ego se encontra imerso, interfere na confrontação de um eu que pensa e sente em relação com o Outro. E faz isso reduzindo a modalidade do ser-para, por natureza sem fronteiras e sempre subdefinido, a um conjunto finito de ordens e proibições.

Seguindo Husserl, Levinas empreendeu uma exploração e busca das “coisas em si”, em sua interpretação, a essência da ética; e ele a encontrou na extremidade distante da redução fenomenológica, uma vez tendo “posto entre parênteses” tudo que fosse acidental, contingente, derivado e supérfluo, sobreposto à ética no curso do estar-no-mundo do homem. E, como Husserl, produziu um inventário das constantes da existência moral e das relações éticas, ou seja, elaborou os traços da ancestral condição de que parte toda existência moral e para a qual ela retoma a cada gesto moral.

As categorias, tais como “O Outro" e “o Rosto” são nomes genéricos, mas, em todo encontro moral localizado no coração do mistério da “lei moral dentro de mim”, cada nome representa apenas um ser, nunca mais que um: um Outro, um Rosto. No outro extremo da redução fenomenológica, nenhum nome pode ser colocado no plural. A alteridade do Outro é equivalente a sua unicidade; cada Rosto é um e único, e sua singularidade desafia a impessoalidade endêmica da norma .

É sua inflexível singularidade o que torna redundante e irrelevante a maioria, ou talvez tudo, que preenche a vida cotidiana de todo ser humano de carne e osso: a busca de sobrevivência, autoestima ou autoengrandecimento, a convergência racional de fins e meios, o cálculo de ganhos e perdas, a busca de prazer, o desejo de paz ou poder. Ingressar no espaço moral de Levinas requer afastar-se por um tempo dos negócios cotidianos do viver e deixar de lado suas normas e convenções mundanas.



Referências 

Alexandre Alves. M . DA FENOMENOLOGIA À ÉTICA: UMA BREVE ANÁLISE DESDE O PENSAMENTO DE LEVINAS

LEVINAS. E. Humanismo do outro homem. Trad. Pergentino S. Pivatto. Petrópolis:
Vozes, 1993.
LEVINAS. E. Ética e infinito. Trad. João Gama. Lisboa: Ed. 70, 1988.
LEVINAS. E. Entre Nós: Ensaio sobre a alteridade. (1991). Trad. Pergentino S.
Pivatto. Petrópolis: Vozes, 1997.

sábado, 28 de setembro de 2013

Casa, comida e alma lavada



Seja certo como relógio parado, antes tarde do que nunca, a permanência da transitoriedade. Seja completo de tão ausente, eterno como falou o poeta. Seja a fala pregada no deserto, o escuro que apaga a luz, um café para dois, no mesmo poema recitado. Seja o botão que aperta o dedo explodindo o silêncio. Seja no rosto a outra face, o rabisco do papel social subdefinido. Seja uma pessoa, casa, comida e alma lavada. 

   

Por Claudio Castoriadis 
Imagem: fonte web

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Walter Benjamin: profanações e contemporaneidade.




Walter Benjamin  é um dos filósofos mais significativos da modernidade, somente reconhecido enquanto tal após sua trágica morte, durante a fuga das forças nazistas. Em vida ele era respeitado enquanto intelectual apenas em seu círculo de pensadores, como Ernst Bloch e T. W. Adorno, que tomou a iniciativa de editar toda sua obra postumamente. Nasceu no seio de uma família judaica, filho de Emil Benjamin e Paula Schönflies Benjamin, comerciantes. Na adolescência, participou do Movimento da Juventude Livre Alemã, de tendência socialista. 
 
O que mais interessa na obra crítica de Benjamin é a abordagem de temas concretos da literatura, da arte, das técnicas, da vida social, etc., sem abandono do rigor conceitual. Benjamin é, por isso, além de filósofo, um crítico de ideias e fatos.

Entre seus ensaios destacam-se "As afinidades eletivas de Goethe", "Sobre alguns temas em Baudelaire", "Teses sobre filosofia da história", "A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica".
 
Quando Walter Benjamin se matou, aos 48 anos, em setembro de 1940, fugindo da polícia francesa do regime de Vichy (pró-Hitler) e barrado na fronteira com a Espanha pela polícia franquista, vivia exilado e desempregado em Paris. Sem jamais ter conseguido um posto de professor na universidade, mantinha-se como crítico literário, com um pequeno auxílio do Instituto de Pesquisa Social, embrião da escola de Frankfurt

Havia publicado poucos livros, alguns artigos, várias resenhas, mas as portas se fechavam cada vez mais para ele em razão de sua origem judaica alemã. Era conhecido num pequeno círculo de amigos, em sua maioria escritores que fugiram do nazismo: Brecht, Adorno, Scholem, e, em Paris, também Bataille e Klossovski.  

Seu primeiro texto traduzido no Brasil foi "A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica". O ensaio introduz hipóteses essenciais para uma teoria da arte contemporânea, marcada, segundo Benjamin, pela "reprodutibilidade técnica", central na fotografia e no cinema, que abole progressivamente a 'aura' de unicidade e de autenticidade da obra de arte.

Walter Benjamin também contribuiu para o estudo da linguagem ao dar destaque para o caráter mágico da linguagem, ao mesmo tempo em que demonstrou preocupações quanto à instrumentalização que dela se fez, especialmente a partir da modernidade. 

Juntamente com as novas leituras, os desdobramentos da dimensão teórica em Walter Benjamin são reelaborados, adquirindo novos contornos sem perder sua originalidade. Um pensamento pautado na ação de esperar o que se deseja e a confiança naquilo que se espera. Esperança, uma palavra que transmite muito daquilo que encontramos nesse filósofo judaico alemão.  
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