Antes do início da narração de
Bobok (1873), há uma indicação: “Desta vez eu publico as ‘Notas de uma pessoa’.
Essa pessoa não sou eu; é outra bem diferente. Acho que não é mais necessário
nenhum prefácio (Dostoievski)”. A combinação orgânica do diálogo filosófico, do
elevado simbolismo, do fantástico da aventura e do naturalismo de submundo
constitui uma particularidade do gênero que se mantém na prosa romanesca de Dostoievski.
As cenas de escândalo, de comportamento excêntrico, de discursos e declarações
inoportunas são frequentes em suas obras.
Em “Bobok”, o narrador (um jornalista)
encontra-se no limiar da loucura. Além disso, ele não é um homem como todos, é
aquele que se desviou da norma geral, do curso normal da vida. O conto desenvolve
o seguinte tema: a consciência situada à beira da loucura.
Desde o início do conto,
encontramos um tom de conflitos. Trata-se de um escritor não-reconhecido, que
já começa a narração com uma polêmica com Semión Ardaliônovitch, que o acusa de
embriaguez. Discute com editores que não publicam suas obras e com o público, é
incapaz de entender o humor ‘normal’, sente-se desconfortável com todos os seus
contemporâneos. O ponto alto da trama acontece quando o narrador, vai se
queixar, mais adiante, com os “mortos contemporâneos”, que ele ouve conversar -
Para distrair-se, o narrador vai a um enterro, e o conto se lança em seu
universo fantástico. O narrador ouve a
conversa dos mortos que estão debaixo do chão. As suas vidas ainda continuam,
por algum tempo, nos túmulos. De repente, começa a ouvir toda a espécie de coisas,
inclusive percebe que os mortos jogavam cartas. São vários mortos que conversam
e que se distribuem entre as classes sociais: um general, um homem do povo, uma
dama da sociedade, o conselheiro secreto, o jovem bem nascido - o conde
Petrovich que, na verdade, era barão, o funcionário, um engenheiro, uma mocinha
de dezesseis anos (uma ‘Menipa’), entre outros.
O personagem de Dostoievski não
coincide consigo mesmo, há uma discrepância entre os seus diversos aspectos, e
o próprio enredo deixou de revelar o homem por inteiro. Os pontos de vistas que
os outros personagens fazem dele, e também o narrador, não coincidem entre si,
e nem com a opinião da própria personagem sobre ela mesma. Enfim, esse é um
aspecto da polifonia de Dostoievski: com o presente configurado como evento
inacabado na narrativa. Onde o autor confunde sua voz com a dos personagens.
Por Claudio Castoriadis