Aproximadamente à quinze anos,
antes das minhas primeiras investigações filosóficas, uma questão sempre foi de
suma importância para meu percurso intelectual: "Honestidade". Toda
vez que um texto instigasse minha curiosidade, seja pela sua densidade ou pela
sua riqueza de linguagem, da forma mais inquiridora possível tratei os grandes
pensadores com todo respeito que sua trama intelectual suscitava. Desde cedo
minha iniciação na filosofia me ensinou a gravitar em textos com o mais
profundo respeito aos mais variados discursos intelectuais. “Cautela” é a palavra de ordem para um
apreciador de um texto filosófico. Amante da filosofia, sempre cultivei a
opinião que uma letra mal empregada pode distorcer uma palavra e uma palavra
distorcida pode definhar uma ideia geral de uma frase. E se tratando de um
texto filosófico o desafio é mais criterioso exigindo o máximo de disciplina.
Falar de um texto de tal envergadura e assumir o desafio em encarar fluxos de
reflexões dos grandes mestres da humanidade só é possível quando somos honestos
com os mesmos. Quem foram esses mestres?
O que eles escreveram? Qual a relevância do pensamento desses gênios em
nossos dias? Será que não existe em nós cada um de seus questionamentos? Bem, antes
dessas perguntas creio que tentar definir o que é filosofia seria mais sensato
para os leitores principiantes nesse universo tão exuberante.
Pois bem, sou do tipo de sujeito
que gosta de responder uma pergunta com outra. Ou nesse caso específico
“outras”. Falar que a palavra filosofia
provém da língua grega e que seu significado é especificamente amor à sabedoria
responderia nossa pergunta? Creio que não. Então, nada mais sensato que
adotamos outro método para pelo menos obtermos uma pálida imagem do significado
da filosofia propriamente dita. Daí mais uma pergunta entra em cena: Que método
por ventura devemos empregar para delinear o que é a filosofia? Compreenderemos
a importância de uma pergunta como esta se reunirmos e compararmos com precisão
as diferentes definições da essência da filosofia que os grandes pensadores
deram ao longo da história? Uma proposta relevante principalmente quando outro
problema vem à tona: de Platão a Nietzsche somos banhados por um dilúvio de
informações, termos, conceitos, ideias das mais variadas invadem nossa mente
afogando nossas convicções e crenças mais íntimas. Com isso, perceberemos as
gritantes definições da essência da filosofia e seu sentido último. Como
assim? Estamos falando de filosofia ou
filosofias? No fundo, vocês poderiam me fazer ou se fazer essa pergunta.
Segundo a tradição a filosofia nasce com Tales e Anaximandro. Fincando sua
base, pois, na Grécia, ela se desenvolve como instância significativa da
cultura ocidental nos últimos dois milênios. Vale lembrar que existem aqueles
pesquisadores que seguiram uma outra via para legitimar a origem da filosofia,
no século XIX, buscaram suas origens em possíveis contatos com a cultura
oriental, porém, presumo ser mais sensato, nesse momento, pensar a origem da
filosofia aqui em nossa esfera. Enfim, a forma de
expressão e peculiaridade do pensamento filosófico como conhecemos
hoje em nossa tradição ocidental "nasceu" no universo cultural da Grécia
antiga.
Certa vez Bertrand Russel chegou a comentar:
"A filosofia nasce de uma tentativa desusadamente obstinada de chegar ao
conhecimento real". Nessa máxima podemos compreender que filosofia implica
em uma postura obstinada em conhecer à totalidade dos objetos a busca exaustiva
em reconhecer o fundamento da realidade. Uma resposta bastante formal?
Possivelmente. Visto que temos outras definições tão categóricas. Então o
grande problema de definir o que é filosofia é compreender como cada pensador
em seu contexto histórico trabalharam o enfoque da totalidade? Como cada
intelectual percorreu seu tempo ambicionando reconhecer o conhecimento
real? Uma aventura um tanto cansativa e
longe o suficiente para esgotar o assunto. Cada pensador foi fruto de sua
época. Viveu em determinadas circunstâncias, absorveu todo conhecimento necessário
e deleitou-se nas grandes descobertas humanas de seu tempo. Por isso, cada
linha do nosso modo de pensar e conceber nossa realidade é reflexo das ideias
que foram trabalhadas na Grécia antiga antes mesmo do filósofo Platão.
Tendo em mente a filosofia como
reflexão especulativa sobre nosso comportamento valorativo teórico e prático
não vejo a filosofia como Platão em seu tradicional mito da caverna onde o
filósofo seria aquele bem aventurado que realiza uma passagem da obscuridade da
aparência para a claridade da verdade. Minha honestidade intelectual prefere
pensar a epopeia de um filósofo além da claridade platônica. Depois da caverna,
jogado no centro de um labirinto de espelhos onde a luz da planície desapareceu
e perturbado pela clareira do conhecimento, não mais contempla uma paisagem
estável maquiada pela “razão”. Como diria o filósofo Castoriadis: Nesse
labirinto o mais próximo é o mais distante. Conceitos, ideias, teorias
refletindo de todos os lados em cada espelho desse obscuro labirinto. Em cada
parte um rosto e em cada rosto uma linguagem conceitual. Sozinho é preciso
lutar contra todos os perigos, todas as ciladas, toda tempestade. Olhando para
um lado podemos vê o reflexo de Tales de Mileto, dando poucos passos, batemos de
frente com a figura de Anaximandro. E logo em frente ao avançar lentamente e
com circunspeção, deixando de lado as misérias e a insegurança do incerto encontramos outros reflexos que complementam o
jogo de imagem desse lugar: Sócrates, Platão, Aristóteles, Epicuro, Plotino,
Agostinho, Tomás de Aquino, Francis Bacon, Descartes, John Locke, Voltaire,
Rousseau, Kant, Hegel, Karl Marx, Nietzsche, Heidegger, Hanna Arendt, Sartre,
Habermas e Sloterdijk. Por fim, um
labirinto de espelhos responde a pergunta “o que é filosofia?”. Evidente que
não. E tenho que ser “honesto”, nunca foi essa minha ambição e não tenho do que me envergonhar, não sou do tipo que se eleva tão alto, pois ainda tenho
medo de altura. Mais uma pergunta certamente deve ser feita para aqueles que
buscam pela filosofia e sua essência na história do pensamento ocidental:
Quando você olhar no espelho novamente quem você realmente gostaria de vê? Seu
rosto? Sereno e tranquilo esculpido pelo seu tempo. Ou a face deformada do
filósofo Giordano Bruno? Queimado em uma fogueira vítima de seu tempo. Por
falar nisso, você já olhou no espelho hoje?
Por Claudio Castoriadis
Claudio Castoriadis é Professor e blogueiro. Formado em Filosofia pela UERN. Criador do [ Blog Claudio Castoriadis ] Tem se destacado como crítico literário.Seu interesse é passar o máximo de conhecimento acerca da cultura > |