Deixe-me sugerir a terapia típica
e enfadonha de um intelectual acadêmico, falar sobre si mesmo. Extravasar na
retórica despudorada, abusar no uso de terminologias apelativas eficientes para
conquistar obstetras, ginecologistas, cientistas, e poetas abandonados no altar.
Trocando informações sobre minha pessoa, sou um enrubescido primata
decodificado, quem sabe um sedentário sentimental criptografado com impulsos
pós-românticos sensualistas: inquiridor, egoísta, hermético e mimado por
agentes imaginários do ego. É divertido falar de mim para mim, incansavelmente
na primeira pessoa, relatar, passar segredos canônicos, informações
confidencias, para alguém - um outro eu trajado com meus traços. Descubro nele,
aquele que julgo ser o meu outro, incontáveis peripécias que parecem ter um
parentesco duvidoso comigo.
Gosto de respirar do lado de fora
do oposto, tropeçar com minhas pernas vanguardistas, está nos extremos do
absurdo; enterrar minha cabeça entre minhas incertezas híbridas de um polo ao
outro da idiotice e gagueira do cotidiano pitoresco; e fazendo isso,
conversando, prestando atenção no inconsciente envaidecido ou, até mesmo,
submerso na minha zona de conforto particular - um tipo de terreno vasto com
montanhas, rios e sítios climatizados.
Finalmente, sem que ninguém saiba
do meu paradeiro, contemplo um corredor escuro onde se encontram coisas
esquecidas, criaturas gosmentas, brinquedos de infância, latas de cervejas
enfileiradas, desaforos indigestos, emaranhados de boas intenções, traumas
desconexos circundados por medicamentos anticolinérgicos. Estirado nas sombras,
assim permaneço, de modo muito peculiar, meu campo de visão é subtraído pela
luz do abajur com detalhes vitorianos. Naturalmente, a madrugada parece ter seu
próprio tempo, numa sucessão de eventos consecutivos.
Por Claudio Castoriadis
Imagem: fonte web