quarta-feira, 7 de maio de 2014

Como passar o tempo depois que o tempo deveria ter passado?




Deixe-me sugerir a terapia típica e enfadonha de um intelectual acadêmico, falar sobre si mesmo. Extravasar na retórica despudorada, abusar no uso de terminologias apelativas eficientes para conquistar obstetras, ginecologistas, cientistas, e poetas abandonados no altar. Trocando informações sobre minha pessoa, sou um enrubescido primata decodificado, quem sabe um sedentário sentimental criptografado com impulsos pós-românticos sensualistas: inquiridor, egoísta, hermético e mimado por agentes imaginários do ego. É divertido falar de mim para mim, incansavelmente na primeira pessoa, relatar, passar segredos canônicos, informações confidencias, para alguém - um outro eu trajado com meus traços. Descubro nele, aquele que julgo ser o meu outro, incontáveis peripécias que parecem ter um parentesco duvidoso comigo.

Gosto de respirar do lado de fora do oposto, tropeçar com minhas pernas vanguardistas, está nos extremos do absurdo; enterrar minha cabeça entre minhas incertezas híbridas de um polo ao outro da idiotice e gagueira do cotidiano pitoresco; e fazendo isso, conversando, prestando atenção no inconsciente envaidecido ou, até mesmo, submerso na minha zona de conforto particular - um tipo de terreno vasto com montanhas, rios e sítios climatizados.

Finalmente, sem que ninguém saiba do meu paradeiro, contemplo um corredor escuro onde se encontram coisas esquecidas, criaturas gosmentas, brinquedos de infância, latas de cervejas enfileiradas, desaforos indigestos, emaranhados de boas intenções, traumas desconexos circundados por medicamentos anticolinérgicos. Estirado nas sombras, assim permaneço, de modo muito peculiar, meu campo de visão é subtraído pela luz do abajur com detalhes vitorianos. Naturalmente, a madrugada parece ter seu próprio tempo, numa sucessão de eventos consecutivos. 


Por Claudio Castoriadis
Imagem: fonte web
  

 

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