A
construção platônica da metafísica se articula na república (politeia,
504D-517C), plasticamente travejado pela configuração imagética do sol, da
linha segmentada e da caverna. O denominador comum às imagens é a separação do sensível
e do inteligível, de que decorrem as oposições do corpo e da alma, da matéria e
do espírito, da aparência e da essência, da realidade e da idealidade, e de
todos os pares de dualidades que se impuseram à tradição onto-teo-lógica do
pensamento ocidental. No sol separa-se a multiplicidade ôntica, onde reina o
astro diurno, da unicidade ontológica, onde impera a ideia do Bem; na linha
segmentada, o multiverso das coisas, do universo das ideias; e na caverna o que
ocorre no interior ensombrado, do que transcorre no exterior iluminado.
Na decisão histórica desta cisão
metafisica, o ente sensível e o ser inteligível são separados e sitiados em
dois lugares extremos e contrapolares: o real subterrâneo da aparência e o
ideal supraceleste da essência. Designa precisamente o lugar da diferenciação
de dois mundos abstratos: o primeiro compreende o que é, porém nunca devém, e o
segundo abrange o que devém, mas não é. O ingente esforço do esquema conceitual
do platonismo para estabelecer a relação entre a idealidade superior e a realidade
inferior, estendendo uma ponte entre os dois mundos separados – da eternidade
para temporalidade ou, inversamente, da temporalidade para eternidade. Não conseguem
senão do pressuposto aporético de dois reinos dilematicamente abstraídos e
cindidos: um, o das coisas que não são, e outro, o das ideias que são. O totum sensível
do mundo concreto da vida se converte, por tanto, na clausura de uma caverna
cujos prisioneiros na gestação insana das sombras.
A iniciação platônica do saber
acerca do ser se realiza na passagem da obscuridade terrestre da aparência para
a claridade celeste e supraceleste da essência. No antro assombrado, o ritual
iniciático se dramatiza em oito episódios rigorosamente concatenados: 1º) o
prisioneiro, impedido de se mover e de volver o olhar para ver e conhecer, é o cavernícola
imobilizado nas trevas da ignorância; 2º) o volta-se para objetos iluminados pelo
fogo como estágio inicial da percepção; 3º) o devota-se ao ofício de mirar o
próprio fogo como exercício propedêutico de se adaptar a vista à contemplação
da luz; 4º) a peregrinação ascendente através do caminho escalonado até a
claridade doa dia; 5º) o dever cingir-se à captação de sombras como etapa preparatória
da capacidade de se perceber a luminosidade diurna; 6º) a percepção das coisas
que produzem que produzem sombras e imagens reflexas; 7º) a contemplação do céu
noturno, em cujo fulgor menos intenso se prepara a fase terminal da adaptação perceptiva
ao reino dos sensíveis; 8º) a visão final do sol em todo o seu esplendor transcendente.
Exatamente o que é o bem em si mesmo em relação à inteligência e aos inteligíveis,
o sol o é no âmbito visível, com respeito à vista e aos visíveis.
Conhecer é saber ver, não apenas
com os olhos do corpo, que se se limitam à observação do mundo visível, mas,
acima de tudo com o olho da alma, que se compraz na admirável visão do universo
ideal.
Por Claudio Castoriadis
fonte: (Filosofia política III; n.1)
Imagem: fonte web