domingo, 2 de fevereiro de 2014

Memórias Póstumas de um Cigarro


A reflexão diante da cinza de um cigarro, é algo triste. Tomado como andrógino instrumento de alívio, desponta entre os dedos queimados um modelo de uma vida tranquila e delicada, digna do seríntimo que floresce da nicotina nas veias do corpo cinzeiro. Na sedução das imagens literárias trafegando na fumaça baforada, criamos um mundo calmo e pacífico, de vez em quando faz-se presente um pranto de tensão; característica polêmica do fumante solitário, tragado pelas circunstâncias atenuantes da vida. Pensando bem, respirando, inspirado  nessa fumaça, polaridades e divergências do mundo se concentram na ponta de um cigarro. Basta aquela tragada, o destino da vida é verticalidade, queimar-se para cima, ao alto. E tornar-se piúba, quem sabe uma bituca. Ser um cigarro é realmente uma coisa triste, fundamentalmente sem sentido. À proporção que somos tragados, os caminhos vão ficando curtos, o gosto mais amargo, e, antes de chegarmos ao fim, perdemos tanta coisa de nós mesmos, de tanto e tanto somos despojados, das nossas substâncias. Por sorte, sou o último da carteira, com orgulho o cheiro do mal acordado, sim, também sou o perfume barato com que os miseráveis tentam disfarçar suas dores e odores.



Por Claudio Castoriadis
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