quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Arte com função transformadora: Jerzy Grotowski


Em 24 de março de 1997, no palco do Théâtre des Bouffes du Nord, em Paris, um professor recém nomeado do Collège de Fran­ce, Jerzy Grotowski, deu sua palestra inaugural intitulada A Linha Orgânica no Teatro e no Ritual. Apesar do prestígio do evento e do grande número de ouvintes, Grotowski chegou com vinte minutos de atraso, vestindo seu terno escuro e amassado de sempre e com uma sacola de viagem no ombro, da qual tirou duas folhas de papel cobertas de anotações e um maço de cigarros, ao qual deu muita atenção. Muitos participantes descrevem a entrada de Grotowski como se ele “houvesse chegado direto do aeroporto”, uma imagem com um significado tanto simbólico quanto teórico para um emigrado da Polônia e do teatro, em constante movimento na arte e na vida. O palco do Théâtre des Bouffes du Nord foi iluminado em um único ponto, mostrando uma simples mesa e uma cadeira. Ao saber do extremo cuidado de Grotowski com os mínimos detalhes em eventos públicos, alguns convidados provavelmente acharam difícil acreditar que seu atraso havia sido acidental. Muito consciente do processo de percepção do espectador, o renomado diretor era conhecido por aparecer apenas quando a plateia já estivesse preparada para a sua entrada. Entre­tanto, devemos lembrar que Grotowski deu suas palestras no Collège de France enquanto lutava com uma doença terminal, a qual ele mantinha em segredo, mas que poderia facilmente ser a causa de seu atraso. Ele falou vagarosamente e com pouca intensidade, mas com paixão, sem pausa, por duas horas, acompanhado apenas pelo silêncio atento dos ouvintes. Ele raramente consultava suas anotações, improvisando sobre a história e a filosofia de sua obra.

No campo do teatro, podemos ver o trabalho de Grotowski (como ele próprio costumava afirmar) como uma continuação de Sta­nislavski, e nos círculos poloneses, também como uma continuação do Teatr Reduta, de Osterwa e Limanowski6. No campo mais obs­curo da tradição artística, filosófica, cultural e espiritual, Grotowski pode ser melhor compreendido por sua relação com o Romantismo e, especialmente com Mickiewicz, de quem o Teatro Laboratório tirou o lema: ritos cheios de bruxaria e blasfêmia

Em Paris, Mickiewicz vivia a vida de um refugiado, lamentando o colapso do estado polonês e ansiando por sua restauração. Poeta, intelectual e agora professor, ele buscava e desejava mobilizar possíveis aliados políticos dentre os círculos liberais europeus, que já sentiam os ventos próximos dos levantes da Primavera das Nações, em 1848. 

Ao analisar a influência do movimento romântico no teatro polonês, o colaborador de Grotowski, Ludwik Flaszen, o enalteceu como uma fonte de inspiração e desafio a nível individual, que ori­ginou visões ousadas e até mesmo obsessões, exigiu reações artísticas destemidas, ao mesmo tempo em que encorajou a inquietação criativa. Ele subestimou propositadamente o papel do Romantismo como monumento cultural e patrimônio nacional. Ao invés disso, afirmou que muita coisa de valor surgiu, no palco pós-romântico polonês, a partir do espírito de rebelião, escárnio, ironia, raiva, blasfêmia e transgressão – justamente as características da consciência romântica.

A obra de Grotowski foi um marco do Teatro de Vanguarda da segunda metade do século XX, influenciando outros Diretores, como Eugenio Barba ( fundador do Teatro Antropológico ), proporcionando um retorno aos fundamentos do Teatro de Arte com função transformadora.


Fonte: Kris Salata. Florida State University – FSU, Estados Unidos da América
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