sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Bobok: a consciência situada à beira da loucura



Antes do início da narração de Bobok (1873), há uma indicação: “Desta vez eu publico as ‘Notas de uma pessoa’. Essa pessoa não sou eu; é outra bem diferente. Acho que não é mais necessário nenhum prefácio (Dostoievski)”. A combinação orgânica do diálogo filosófico, do elevado simbolismo, do fantástico da aventura e do naturalismo de submundo constitui uma particularidade do gênero que se mantém na prosa romanesca de Dostoievski. As cenas de escândalo, de comportamento excêntrico, de discursos e declarações inoportunas são frequentes em suas obras.

Em “Bobok”, o narrador (um jornalista) encontra-se no limiar da loucura. Além disso, ele não é um homem como todos, é aquele que se desviou da norma geral, do curso normal da vida. O conto desenvolve o seguinte tema: a consciência situada à beira da loucura. 

Desde o início do conto, encontramos um tom de conflitos. Trata-se de um escritor não-reconhecido, que já começa a narração com uma polêmica com Semión Ardaliônovitch, que o acusa de embriaguez. Discute com editores que não publicam suas obras e com o público, é incapaz de entender o humor ‘normal’, sente-se desconfortável com todos os seus contemporâneos. O ponto alto da trama acontece quando o narrador, vai se queixar, mais adiante, com os “mortos contemporâneos”, que ele ouve conversar - Para distrair-se, o narrador vai a um enterro, e o conto se lança em seu universo fantástico.  O narrador ouve a conversa dos mortos que estão debaixo do chão. As suas vidas ainda continuam, por algum tempo, nos túmulos. De repente, começa a ouvir toda a espécie de coisas, inclusive percebe que os mortos jogavam cartas. São vários mortos que conversam e que se distribuem entre as classes sociais: um general, um homem do povo, uma dama da sociedade, o conselheiro secreto, o jovem bem nascido - o conde Petrovich que, na verdade, era barão, o funcionário, um engenheiro, uma mocinha de dezesseis anos (uma ‘Menipa’), entre outros.

O personagem de Dostoievski não coincide consigo mesmo, há uma discrepância entre os seus diversos aspectos, e o próprio enredo deixou de revelar o homem por inteiro. Os pontos de vistas que os outros personagens fazem dele, e também o narrador, não coincidem entre si, e nem com a opinião da própria personagem sobre ela mesma. Enfim, esse é um aspecto da polifonia de Dostoievski: com o presente configurado como evento inacabado na narrativa. Onde o autor confunde sua voz com a dos personagens.


Por Claudio Castoriadis
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