sábado, 13 de outubro de 2012

Miguel Reale: Teoria Tridimensional do Direito



Miguel Reale é certamente a figura mais respeitada do meio jusfilosófico nacional. Com sua síntese humanista, nobre e elegante da filosofia do direito, Miguel Reale é uma insubstituível personalidade intelectual. Ousada, a visão filosófica de Miguel Reale é uma culminação de uma poderosa coragem intelectual, de uma desvastadora inteligência, que alimenta, sem discrepância, a capacidade sintetizadora -nomotética- de um gênio destinado a somar, sem meio-termo simplificador, a multiplicidade da experiência acerca da realidade. Quem nunca ouviu falar da sua intrigante Teoria Tridimensional do Direito que ganhou destaque não apenas no Brasil, como também em todo o mundo? Principalmente na América Latina. Sua tese de que o Direito possui tríplice face – o fato, o valor e a norma – chegou a ser uma constante entre os intelectuais da área jurídica, que na verdade mal compreendiam a grandeza das nuances da sua filosofia. A Teoria Tridimensional de Miguel Reale, na verdade, é uma teoria onto-axio-gnosiológica do ser jurídico. Como assim? Ora, na Teoria Tridimensional do Direito há uma dimensão ontológica, pela qual Reale pensa o ser jurídico, há uma dimensão axiológica, pela qual Reale demonstra que a essência do fenômeno jurídico é sempre e necessariamente valorativa e, portanto, interpretativa. Por fim, há uma dimensão gnosiológica, que representa a esfera normativa, isto é, a forma próprio de conhecimento do ser jurídico, que é a realidade normativa.


Constata-se, com isso, que a Teoria Tridimensional do Direito insere-se no âmbito do culturalismo jurídico. Mas o que foi o culturalismo jurídico?  O culturalismo jurídico foi uma corrente que, de certa forma, nasceu com o pensamento kantiano. Kant, em sua obra Kritik der Sitten, havia observado que "A produção, em um ser racional, da capacidade de escolher os próprios fins em geral e, consequentemente, de ser livre, deve-se à cultura." Nesse contexto podemos compreender a cultura como sendo o resultado das realizações do homem sobre o mundo natural, visando a fins especificamente humanos. Dito de outra forma, a projeção do espírito humano sobre o mundo natural ao longo da História.  
 

Negar a influência do filósofo kant  no pensamento jurídico-filosófico de Miguel Reale seria um abuso para um pensamento que foi estruturado simetricamente. Porém, o culturalismo jurídico de Reale se difere do filósofo alemão a partir do momento que ganha uma nova guinada, em sua forma final, uma teoria da justiça e do Direito, em diversos aspectos, distinto do pensamento kantiano- criticismo- e que alcançou um sentido e um significado próprio extremamente original no Brasil, representado pela tão conhecida Teoria Tridimensional do Direito.


Realmente, o culturalismo jurídico de Reale assumiu proporções de uma verdadeira teoria da justiça e do Direito, com fundamentos epistemológicos e axiológicos próprios, e é esse o alcance prático e teórico da Teoria Tridimensional do Direito até hoje pouco estudado em nosso meio jurídico e acadêmico. Arte final de um pensamento pluralista, a Teoria Tridimensional de Miguel Reale é a principal manifestação do culturalismo jurídico do mesmo. Com isso, a Teoria Tridimensional do Direito insere-se no âmbito do Culturalismo Jurídico. Não obstante, podemos reconhecer que o autor dá primazia ao caráter histórico, visto que a cultura se encontra atrelada no devir histórico, e o direito, como objeto cultural, nasce nesse contexto, donde se pode afirmar que o mesmo se fez presente tantas vezes e em quaisquer sociedades que o estabelecera, seja para determinar condutas, seja para apaziguar conflitos. O Direito segundo o pensamento do Reale não é apenas a norma ou a letra da lei, vai além do discurso formal, pois é muito mais do que a mera vontade do Estado ou do povo, é o reflexo de um ambiente cultural de determinado lugar e época, em que os três aspectos – fático, axiológico e normativo – se entrelaçam e se influenciam mutuamente numa relação dialética na estrutura histórica.



Sobre o autor



Miguel Reale formou-se em Direito pela Universidade de São Paulo em 1934, ano em que publicou seu primeiro livro, "O Estado Moderno". Nessa ocasião, foi um dos dirigentes da Ação Integralista Brasileira. A bibliografia de Miguel Reale compreende obras de filosofia, filosofia jurídica, teoria geral do direito, teoria geral do Estado, além de monografias e estudos em quase todos os ramos do direito público e privado, e até poesia. Entre outras, podem-se destacar "Filosofia do Direito" (1953); "Pluralismo e Liberdade" (1963); "Teoria Tridimensional do Direito" (1968); "Experiência e Cultura" (1977); "A Filosofia na Obra de Machado de Assis" (1982); "De Tancredo a Collor" (1992); "Face Oculta de Euclides de Cunha" (1993) e "Paradigmas da Cultura Contemporânea" (1996). 



Por Claudio Castoriadis



Sobre o Autor:
Claudio Castoriaids Claudio Castoriadis
é Professor e blogueiro. Formado em Filosofia pela UERN. Criador do [ Blog Claudio Castoriadis ] Tem se destacado como crítico literário.Seu interesse é passar o máximo de conhecimento acerca da cultura >

Pierre Bourdieu : O erro de Marx



Certos autores insistiram no fato de que o Parlamento, particularmente o Parlamento inglês, é uma invenção histórica, o que, se refletirmos bem, não tem nada de evidente: é um lugar onde as lutas entre os grupos, os grupos de interesses, as classes, se preferirmos, vão se dar segundo as regras do jogo que faz com que todos os conflitos externos a essas lutas tenham algo de semicriminoso.


A propósito dessa “parlamentarização” da vida política, Marx fazia uma analogia com o teatro: ele via no Parlamento e no parlamentarismo uma espécie de engodo coletivo no qual os cidadãos se deixam lograr; essa espécie de teatro de sombras ocultaria de fato as verdadeiras lutas que estão do lado fora.


Penso que é o erro sistemático de Marx. Já disse isso cem vezes aqui, é sempre o mesmo princípio. A crítica marxista, que não é falsa, torna-se falsa quando esquece de integrar na teoria aquilo contra o qual a teoria é construída.


Não haveria razão de dizer que o Parlamento é um teatro de sombras se as pessoas não acreditassem que ele é algo diferente. E ele não teria nenhum mérito de dizer isso.


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