2.4. A Crença de um sujeito, do livre arbítrio, da linguagem como estratégia dos fracos
Frente a um leque muito amplo de possíveis crenças
que contribuíram para a manifestação do aviltado e bem sucedido domínio do
ressentido, convém ressaltarmos que a crença de um sujeito tornou virtude a
doença do ressentido quando este cultivou a ilusão de que por traz do efeito
existe uma causa, um substrato neutro com plena liberdade, um sujeito
inteiramente livre, um ser agraciado por um livre arbítrio. Com isso, não fica
difícil estruturar toda uma esfera ilusória em que um lobo tem liberdade para
ser cordeiro e o cordeiro por sua vez tem toda liberdade em ser lobo. Em suma,
a sagacidade da moral dos ressentidos é coroada pela crença em um sujeito
amparado no livre-arbítrio envenenando seu adversário com uma doente
consciência de culpa. Com efeito, embriagado pelo que Nietzsche define como fábula da liberdade inteligível o homem
se encontra responsável por seus efeitos, por suas ações, logo em seguida por
seus motivos e por último por seu próprio ser. Por esse motivo Nietzsche encara
a ideia de alma como ligada ao
aparecimento da má consciência. Expressando com eloquência que a crença em um sujeito e do eu não passam de superstição popular, jogos de palavras ou alguma
sedução por parte da gramática.
Sendo assim, sua crítica à noção de subjetividade é
precisa, uma vez que esta se encontra atrelada à função gramatical, servindo
como base ao conceito de alma, átomo, substância e matéria. Nesse ponto, a
Nietsche interessa elaborar sua crítica à linguagem desmascarando-a pela sua
estreita relação com o que seria para o Nietsche um falsete metafísico. Por
esse motivo, compreendendo a linguagem em sua esfera metafísica, Nietzsche
definiu a gramática em um tom pejorativo, como “metafísica do povo”. Então temos verdade e linguagem como
antípodas. O valor pragmático-linguístico é latente tanto no tipo nobre quanto
no ressentido, porém, o que deveras importa a Nietzsche é o traço de caráter
que particulariza o modo de ser daqueles que avaliam.
Por
um instinto de autoconservação, de autoafirmação, no qual cada mentira costuma
purificar-se, essa espécie de homem necessita crer no “sujeito” indiferente e
livre para escolher. O sujeito (ou falando de modo mais popular, a alma) foi
até o momento o mais sólido artigo de fé sobre a terra, talvez por haver possibilitado
à grande maioria dos mortais, aos fracos e oprimidos de toda espécie, enganar a
si mesmos com a sublime falácia de interpretar a fraqueza como liberdade, e seu
ser assim como mérito (Nietzsche, 1998, p 37).
Em suma, percebemos que nesse contexto Nietzsche
ironiza os princípios da subjetividade e da linguagem, muito em voga na
filosofia moderna e ainda em sua época, velhas ideias a que desde sempre
recorreram tantos filósofos: unidade, identidade, causalidade, finalidade etc. Contra
essas velhas ideias Nietzsche vai trabalhar sua teoria das forças, defendendo o
mundo como amontoado de forças em permanente combate umas com as outras.
Segundo Nietzsche, ao conquistar a supremacia em relação à aristocracia
guerreira, a classe sacerdotal se vale dessas crenças para ditar normas de
condutas, principiando desse modo um intuito moralizador próprio de uma
perspectiva ressentida. Nota-se, portanto, que Nietzsche não apenas desmascara
as crenças do ressentido como também revela um mundo submetido a sucessivos
mascaramentos ou ficções convencionais.
Nietzsche
Uma Compreensão da Cultura do Ocidente
Como Sintoma de Decadência Moral
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Claudio Castoriadis é Professor e blogueiro. Formado em Filosofia pela UERN. Criador do [ Blog Claudio Castoriadis ] Tem se destacado como crítico literário.Seu interesse é passar o máximo de conhecimento acerca da cultura > |