quinta-feira, 26 de abril de 2012

NIETZSCHE: UMA COMPREENSÃO DA CULTURA DO OCIDENTE COMO SINTOMA DE DECADÊNCIA MORAL


1.1.  A Falta de sentido histórico e o sentimento de medo


Ora, por moral compreendemos uma estrutura de valorações. Por valorações, condições de existência ou, como dirá nosso filósofo em Para além do bem e do mal: [...] exigências fisiológicas para a preservação de uma determinada espécie de vida (2005a, p.11). E as valorações puramente humanas estão de uma maneira ou de outra submetidas a mudanças no decorrer do tempo. Dessa forma Nietzsche vislumbra o homem como sendo uma entidade histórica em incessante transformação. Por esse motivo não é prudente falar de essências imutáveis, muito menos de verdades absolutas.
Assim encontramos o principal defeito dos filósofos contemporâneos a Nietzsche, segundo ele: a falta de sentido histórico. Uma falha involuntária de imaginar o homem como uma verdade eterna quando na verdade este veio a ser.
Nesse contexto, torna-se suspeito ainda todo sentimento por determinado costume, por ser proveniente das apreciações de juízos morais errôneos, na maioria das vezes, e por corrermos o risco de perdemos o direito por nosso juízo quando cegamente confiamos em uma tradição. Seja observado que Nietzsche inclina seu desprezo para o instinto de escravidão que vigora mediante a postura a que aderimos de total irreflexão e submissão quando somos guiados pelos sentimentos, visto que estes tem sua proveniência em juízos morais. E, nessa mesma dimensão tomada pelo encanto embriagante do costume – hábito, tradição –, as religiões, ciência e o Estado facilmente fortificam seus alicerces na medida em que se desenvolvem cultivando seu rebanho, adeptos da indiscutibilidade dos costumes. Com efeito, compreendemos nessa perspectiva que o encanto derivado do costume consiste em manter permanentemente na consciência o dever ininterrupto de servi-lo.
Permanecemos preponderantemente, durante toda a nossa vida, vítimas dos juízos infantis aos quais nos habituamos, e isto no que se refere à maneira de julgar nossos próximos (seu espírito, sua classe, sua moralidade, seu caráter, o que tem de louvável ou de censurável, prestando homenagem às suas apreciações). (idem, p. 75)
A genialidade particular dessa crítica consiste na facilidade com que seus argumentos criam uma dimensão corrosiva, instaurando uma problemática no círculo de possíveis perspectivas do objeto posto em discurso. Com efeito, o alcance de sua crítica ao costume é devastador na medida em que ela visa desmistificar as instituições, o Estado, a moral, a filosofia dogmática, as religiões. Enfim, é inegável a ligação de ambos quando nos reportamos ao costume.
É visível na história da humanidade as consequências que pesam sobre aqueles que confrontam a tradição e costumes, denunciando sua insustentabilidade argumentativa e reflexiva. Temos exemplos deploráveis como a condenação à prisão perpétua aplicada sobre Galileu Galilei (1564-1642), tão-somente por afirmar uma determinada doutrina que decerto contrariou as que vogavam em sua época. Sendo obrigado a recitar sete salmos penitenciais uma vez por semana ele teve de abjurar, maldizer e detestar a teoria copernicana. E não menos intrigante, não podemos deixar de citar o pensador holandês Benedictus Spinoza (1632-1677). Este, excomungado da comunidade judaica por afrontar a tradição da época em defesa da sua exuberante doutrina de um Deus inteiramente imanente: Deus sive natura. Pensamento polêmico, de beleza singular, porém um escândalo para a religião do seu tempo. Sendo sua obra Ética publicada apenas depois de sua morte. Assim como Nietzsche, Spinoza seguiu sua filosofia criticando os valores morais transcendentes. Críticas desse gênero que se chocavam bruscamente com a tradição religiosa. Vale lembrar ainda o trágico fim do pensador Giordano Bruno. Queimado no mercado de flores de Roma, dentre as acusações que pesou sobre ele, uma delas foi por defender que Deus estava presente na natureza; e outra, um escândalo para a época: acreditar na infinitude do universo.
Poder-se-ia até mesmo dizer que à primeira vista é mais que gritante a divergência de pensamento de desses intelectuais (Galileu Galilei, Benedictus Spinoza, Giordano Bruno). Entretanto, o que se torna evidente para qualquer um que analise as perseguições sofridas por Galileu, Spinoza ou Giordano foi como os argumentos contra eles se mostraram volúveis e grosseiros no decorrer do tempo. Tornou-se clara a insustentabilidade dos juízos contra as figuras desses pensadores, visto que seus crimes foram suas posturas firmes com as quais não se desprenderam dos seus juízos, não se rendendo a convicções superadas e falsas. Vale observar que o critério do julgamento na maioria dos casos expostos pelos juízes não tinha como princípio a veracidade dos fatos, mas a defesa dos costumes: uma perspectiva moralista.
                                                                                                                            
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Por Claudio Castoriadis ( Franciclaudio Feliciano de Lima )
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