Manhã de sábado, 25 de
maio. Ao primeiro sinal da aurora, inúmeros sentimentos cercam minha consciência.
Mas um em especial me inflama a alma. Nossa! Quanto é doloroso um sentimento
inflamando em nosso ser. Não é preciso um elevado grau de raciocínio para que alguém
perceba meu estado, falta de amor próprio. Por isso, já faz um certo tempo que
estou evitando sair de casa- são raras as vezes que assim o faço: quando
preciso de cigarros ou comprar algum livro. Uma semana? Três? Me falha a
memória. Se bem que não é de hoje que
sinto meu raciocínio delimitado. Onde foi parar o último sentimento de decência
das pessoas? É o que penso enquanto lavo o rosto. Ora, e o que mais deveria
pensar? O jornal de ontem tinha como manchete a
miséria de uma mãe desolada com o suicídio da filha. Seres imundos. Até que
ponto vai o descaso pela dor alheia? Jornais
sensacionalistas provocam em minha alma o mais profundo repudio. Amanhã
certamente, mas uma desgraça será estratégia de venda. Que seja, mas não sairá
do meu bolso a menor quantia para essa escória. Hoje mesmo tratarei de cancelar
minha assinatura desse medíocre jornal.
Subjugado por uma
angústia incomensurável, me deixo levar por velhas lembranças. É sempre bom relembrar
bons momentos- se bem que são raros os que merecem alfinetar meus pensamentos. São
elas que me deslocam para um filme mudo, em preto e branco longe da multidão e
de toda miséria impregnada no meu cotidiano. Tenho essa mania, ou neurose, não
sei ao certo- sempre que estou caminhando respiro e dou cada passo como se
estivesse sendo visto por uma plateia de curiosos. E pensando bem, muitas
pessoas são assim, se vestem e passam horas na frente do espelho para chegarem
nas ruas e se sentirem bem quistas. As pessoas são tão iguais que chegam a me
causar náuseas. Que seja, não sou como eles, desde sempre eu pertenço a quem
não me pertence. Todos são ridículos, todo eles, desde o padeiro, o comerciante
ao chefe de estado. Todos são ridículos, acima deles somente eu. Sim! Em nada
fere meu ego pensar minha pessoa como sendo a mais ridícula de todas. Afinal, sou
o melhor no que faço de pior. Eu sou um delírio, sou uma piada sem graça e o
mais gratificante de ser assim é que posso rir de quem rir de mim. Assim como
Zaratustra tinha um monte, eu tenho o meu, tenho minha caverna de onde riu da
tragédia da vida. Sei que muitos me qualificam como pessimista, que não
acredito na mudança do mundo, mas é claro que ele mudou contudo continua inalterado.
Nessa vida nada tenho com que ocupar-me em intervalos estimulantes me deixo
levar pelo meu imaginário. Graças a ele ainda continuo sendo o mesmo suportando
a velhice do meu espírito. De mais a mais estou convicto de minha loucura. Certamente
ainda são poucos que estimam minha moral, porque sou ignóbil, em caráter e em
espírito. Pouco me importa os devaneios alheios, em verdade tenho em mente que
da vida poucos sabem o absurdo da existência.
Por Claudio Castoriadis