quarta-feira, 4 de maio de 2011

Onde está você?

- Onde está sua família Amina?
- Amina, onde você está?
- Sabe quantos cigarros já fumou fora esse desde o início de nossa conversa?
 - Por que tem que ser assim Amina?
- Escute, sou de curtir minha tristeza sozinho. Mas isso? Por favor, Amina...
- sei,sei.
- Garota, será que não sai nada da sua boca além dessa fumaça desagradável?
-Psicanalista eficiente.
-Perdão Amina, poderia repetir?
-Psicanalista eficiente, Psicanalista eficiente.
- Entendeu? Ou tenho que sussurrar meus lábios ressecados em seu ouvido?- Por acaso está fazendo descaso da minha pessoa Amina?
- Não.  
 - Por que deveria? É...
- Senhor Hans Von Liszt né isso?
- Isso o que Amina?
- Ora! Seu nome. Senhor Hans Von Liszt.
- Estou enganada?
- Ou será que durante minha estadia aqui não conseguir decorar um nome tão exuberante?
- Aliás, com todo respeito, belo nome doutor.
- Sabe doutor, muitas vezes me pergunto por que vocês costumam ter nomes tão complicados. É questão de glamour intelectual? Engraçado, olhando seus livros agora, me veio à cabeça, bem naquela parte onde fica a massa cinzenta sabe?  Sim, aquela parte que vocês tentam mapear. Enfim, me ocorreu agora lembrar que geralmente em toda foto vocês estão rodeados de livros. De todas as cores, tamanhos e assuntos. Você está anotando isso? Então, como eu ia dizendo desde sempre me perguntava: nossa! Incrível. Aposto que não é fácil ler isso tudo. Vocês são deveras gênios. Só vocês mesmo. – com a boca num meio sorriso deixo um ar de petulância-.
- Como assim vocês Amina? Não estou entendo aonde você quer chegar.
- Há o senhor sabe...vocês de nomes exóticos, aparências peculiares e que na maioria das vezes morrem birutas.
- Amina, assim você apenas piora as coisas pro teu lado.
-Sei,sei.
 - É...Senhor Hans Von Liszt.
- Pode falar Amina.
- já terminou?
- Como assim? Pensa em ir pra onde amina? 
- É Por que marquei de jogar baralhos com os birutas lá fora. Tenho que aproveitar por que esses ainda não morreram. Com sua licença doutor... É... Tenha um bom dia. SIM! Belos livros.
Com delicadeza me retiro do escritório ainda com as mãos tremulas, enquanto caminho deslizo meus dedos pela parede do corredor.  Olho para os lados distraída e continuo. No pátio, cambaleio ao sair na luminosidade do dia. Poucos pacientes: 8, 13, 15 no máximo. É um dia quente, pouco vento, procuro por uma sombra, um lugar pra respirar melhor. Ascendo um cigarro, era o último, dispenso a caixa na lixeira e me certifico que a foto apesar de amassada continua em meu bouço. A sessão de hoje até que foi interessante. Nada de extraordinário, devo admitir, mas tive a impressão de que hoje foi interessante. É... Será que ele entendeu como as coisas de fato funcionam? Quem é quem por aqui? Duvido muito, eu realmente duvido. Ele é muito erudito para isso. Tem visão, isso é indubitável. Mas não sabe enxergar.
 Enfim, já é meio dia um paciente se aproxima, meio desequilibrado - deve ter vindo da enfermeira-. Uma figura carismática que gostou de mim. Seu nome é Kathy. Pergunta pelos meus cigarros, aponto para a lixeira com um sorriso amigável; então ele vira o rosto para o lado, como quem fosse contar um segredo e diz: - Minha filha os meus cigarros chegaram hoje pela manhã, qualquer coisa é só pedir. Dito isso, da mesma forma que veio ao meu encontro ele se vai, cambaleando, distraído e feliz.  

                                                                                           Turim, 28 de Setembro. 1984



Por Claudio Castoriadis ( trecho do meu conto Onde as horas não passam)
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