quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Harmonia dos contrários (silêncio narcisista)


Lembro de quando eu tinha asas, das longas e cansativas viagens, era no teu mundo onde sempre findava meu frágil corpo. Saúdo-te toda vez, eis minha fúria, doce exílio, mágoa vã. 
 — Que a leveza/Da primavera caia em sua rotina.
Lembro da cor das suas lágrimas, do movimento delicado, das suas palavras, das cores, das folhas, do canto dos pássaros, da varanda, dos sons lúgubres, da atmosfera, da petulância, nossos sonhos, da sua leviana ternura, a luta espiritual é tão estranha — ofusca-me
Com o passar do tempo, nossas virtudes dilaceradas trouxeram á luz nossos vícios. Como posso esquecer-me do tom do seu discurso tão gritante em meus ouvidos? Teu silêncio narcisista ainda ecoa nas ruínas do meu espírito e teu cheiro impregnado das amarras do meu pessimismo. Disfarça minha juventude esmagada pelo tempo.

Sinto tanto sua falta!
Tenho novos segredos e sonhos perfumados em uma alma apática e ressentida; sacrifiquei meus Deus no altar cultuado por seus demônios.

Por onde andaste tristeza minha? Minha lágrima não te comove como outrora? Por que teu cheiro ainda respinga sentido em minha caverna? É possível ser feliz esnobando seu encanto?
A beleza do teu jardim ainda é cativante apesar da morte da minha flor favorita, por que a vida continua e as pessoas? São sempre as mesmas. Sua felicidade destilava tristeza em nosso altar, te desejei; fatiguei-me, fui longe e sufoquei minha vida no mais alto monte, desregramento de orgulho

Tenho novos amigos e velhos fantasmas, não temo mais as vozes que insistem em me visitar todas as noites. Tenho lápis e tristeza, o bastante para uma tragédia.
Em cada página da minha rotina um cigarro barato,
Ah! lamentação que enleia minha escrita 
Ela gritava enquanto queimava, mas compaixão é irrelevante em nosso mundo, a forma como a vida abandonava seu corpo ainda me comove. Pessoas boas geralmente são queimadas na fogueira.
Ontem você me falou coisas profundas, coisas relativas a vida, da nossa vida, breve, infinita, um instante, um momento de felicidade em contraste com o tempo. Por que a vida é assim? Por que as pessoas são dessa forma? Fazia frio, e a tempestade não dava trégua; enquanto você sorria p'ra mim

Crianças envelhecidas, brincavam na varanda desprezando o abismo da minha alma...Tenha um sonho e terás com que exaltar-te e por sorte as gotas de orvalho ainda brilharão sobre o amanhã por milhares de gerações.


                                                                                                                 

Por Claudio Castoriadis

Ilustração by  Delawer Omar 


 
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