Traduzido do francês por Mariana Echalar.
I – Walter
Benjamin pertence à teoria crítica em sentido amplo, isto é, à corrente
de pensamento inspirada em Marx que, a partir ou em torno da Escola de
Frankfurt, pôs em questão não só o poder da burguesia, mas também os
fundamentos da racionalidade e da civilização ocidental. Amigo íntimo de
Theodor Adorno e Max Horkheimer, ele sem dúvida influenciou seus
escritos e, sobretudo, a obra capital que é a Dialética do esclarecimento,
em que se encontram muitas de suas ideias e, às vezes, “citações” sem
referência à fonte. Ele, por sua vez, foi sensível aos principais temas
da Escola de Frankfurt, mas distingue-se dela por alguns traços que lhe
são particulares e constituem sua contribuição específica à teoria
crítica.
Benjamin
nunca conseguiu um cargo em universidades: a reprovação de sua tese –
sobre o drama barroco alemão – condenou-o a uma existência precária de
ensaísta, “homem de letras” e jornalista free-lancer, que, é claro, decaiu consideravelmente nos anos de exílio em Paris (1933-40). Exemplo ideal típico da freischwebende Intelligenz de que falava Mannheim: ele era um Aussenseiter em sentido estrito, um outsider, um marginal. Essa situação talvez tenha contribuído para a acuidade subversiva de seu olhar.
II – Benjamin
foi, nesse grupo de pensadores, o primeiro a questionar a ideologia do
progresso, filosofia “incoerente, imprecisa, sem rigor”, que só percebe
no processo histórico “o ritmo mais ou menos rápido com que homens e
épocas avançam no caminho do progresso” (“A vida dos estudantes”, 1915).
Ele também foi mais longe do que os outros na tentativa de livrar o
marxismo de uma vez por todas da influência das doutrinas burguesas
“progressistas”; assim, em Passagens, ele se propunha o
seguinte objetivo: “Também se pode considerar como alvo
metodologicamente visado neste trabalho a possibilidade de um
materialismo histórico que tenha anulado em si mesmo a ideia de
progresso. É justamente se opondo aos hábitos do pensamento burguês que o
materialismo histórico encontra forças”. Benjamin estava convencido de
que as ilusões “progressistas”, especialmente a convicção de “nadar na
corrente da história”, e uma visão acrítica da técnica e do sistema
produtivo existentes contribuíram para a derrota do movimento operário
alemão diante do fascismo. Entre essas ilusões nefastas, ele incluía o
espanto de que o fascismo pudesse existir em nossa época, numa Europa
moderna, produto de dois séculos de “processo de civilização” (no
sentido dado por Norbert Elias), como se o Terceiro Reich não fosse
precisamente uma manifestação patológica dessa mesma modernidade
civilizada.
III – Se
a maioria dos pensadores da teoria crítica partilhava o objetivo de
Adorno de pôr a crítica romântica conservadora da civilização burguesa a
serviço dos objetivos emancipadores das Luzes, Benjamin talvez tenha
sido aquele que mostrou mais interesse pela apropriação crítica dos
temas e das ideias do romantismo anticapitalista. Em Passagens,
ele se refere a Korsch para destacar a dívida de Marx, via Hegel, com
os românticos alemães e franceses, mesmo os mais contrarrevolucionários.
Ele não hesitou em usar argumentos de Johannes von Baader, Bachofen ou
Nietzsche para derrubar os mitos da civilização capitalista. Encontramos
nele, como em todos os românticos revolucionários, uma surpreendente
dialética entre o passado mais longínquo e o futuro emancipado; daí seu
interesse pela tese de Bachofen – que inspirou tanto Engels quanto o
geógrafo anarquista Elisée Réclus – sobre a existência de uma sociedade
sem classes, sem poderes autoritários e sem patriarcado na aurora da
história.
Essa
sensibilidade permitiu que Benjamin compreendesse melhor que seus amigos
da Escola de Frankfurt o significado e o alcance de um movimento
romântico libertário como o surrealismo, ao qual ele atribuiu, num
artigo de 1929, a missão de captar a força do inebriamento (Rausch) para
a causa da revolução. Marcuse também se deu conta da importância do
surrealismo como tentativa de associar arte e revolução, mas isso
aconteceu quarenta anos depois.
IV – Mais
do que os outros pensadores da teoria crítica, Benjamin soube mobilizar
de forma produtiva os temas do messianismo judeu para o combate
revolucionário dos oprimidos. Os temas messiânicos estão presentes em
certos textos de Adorno (especialmente em Minima Moralia) ou
Horkheimer, mas foi em Benjamin e, em particular, em suas teses “Sobre o
conceito de história” que o messianismo se tornou um vetor central de
refundação do materialismo histórico – para poupá-lo do destino de
autômato que teve nas mãos do marxismo vulgar (social-democrata ou
stalinista). Em Benjamin existe uma espécie de correspondência
(no sentido baudelairiano da palavra) entre a irrupção messiânica e a
revolução como interrupção da continuidade histórica – a continuidade da
dominação.
No
messianismo como Benjamin o entende (ou melhor, inventa), a questão não é
alcançar a salvação de um indivíduo excepcional, de um profeta enviado
pelos deuses: o “Messias” é coletivo, já que a cada geração foi dada
“uma fraca força messiânica”, que deve ser exercida da melhor maneira
possível.
V – De todos os autores da teoria crítica, Benjamin foi o mais apegado à luta de classes
como princípio de compreensão da história e transformação do mundo.
Como escreveu nas teses de 1940, a luta de classes “está sempre presente
para o historiador formado pelo pensamento de Marx”. De fato, ela está
sempre presente em seus textos, como elo essencial entre o passado, o
presente e o futuro, e como lugar da unidade dialética entre teoria e
prática. Para Benjamin, a história não aparece como um processo de
desenvolvimento das forças produtivas, mas como um combate até a morte
entre opressores e oprimidos. Rejeitando a visão evolucionista do
marxismo vulgar, que percebe o movimento da história como uma acumulação
de “conquistas”, ele insiste nas vitórias catastróficas das classes
reinantes.
Ao contrário
da maioria dos outros membros da Escola da Frankfurt, Benjamin apostou –
até seu último suspiro – nas classes oprimidas como força emancipadora
da humanidade. Profundamente pessimista, mas nunca resignado, considera a
“última classe subjugada” – o proletariado – aquela que, “em nome das
gerações vencidas, leva a cabo a obra de libertação” (Tese XII). Apesar
de não compartilhar o otimismo míope dos partidos do movimento operário
sobre sua “base de massa”, ele vê nas classes dominadas a única força
capaz de derrubar o sistema de dominação.
VI – De
todos os pensadores da teoria crítica, Benjamin era talvez o mais
obstinadamente fiel à ideia marxiana de revolução. Na verdade,
contrariando Marx, ele a definiu não como “locomotiva da história”, mas
como interrupção de seu curso catastrófico, como ação salvadora de uma
humanidade que puxa o freio de emergência. Mas a revolução social
permanece o horizonte de sua reflexão, o ponto de fuga messiânico de sua
filosofia da história, a pedra angular de sua reinterpretação do
materialismo histórico.
Apesar das derrotas do passado – desde a revolta dos escravos liderada por Espártaco na Roma antiga até o levante do Spartakusbund
de Rosa Luxemburgo, em janeiro de 1919 – “a revolução como Marx a
concebeu”, o “salto dialético”, ainda é possível (Tese XIV). Sua
dialética consiste em realizar, graças a “um salto de tigre no passado”,
uma irrupção no presente, no “tempo de hoje” (Jetztzeit).
VII – O
pensamento de Benjamin está profundamente enraizado na tradição
romântica alemã e na cultura judaica da Europa Central e responde a uma
conjuntura histórica precisa, a da época das guerras e das revoluções
que vai de 1914 a 1940. E, no entanto, os temas principais de sua
reflexão e, em particular, suas teses “Sobre o conceito de história” são
de uma universalidade admirável: eles nos fornecem ferramentas
para compreender realidades culturais, fenômenos históricos, movimentos
sociais em outros contextos, outros períodos e outros continentes. Mas,
em última análise, isso vale também para toda a teoria crítica.
Fonte
http://boitempoeditorial.wordpress.com/category/colunas/michael-lowy/ http://boitempoeditorial.wordpress.com/category/colunas/michael-lowy/