domingo, 28 de outubro de 2012

DOSTOIÉVSKI: ALGUNS ASPECTOS DA OBRA OS IRMÃOS KARAMÁZOVI



Romance dedicado à sua segunda esposa, é obra de fôlego. Trata-se da biografia de Aliéksei Fiódorovitch, um rapaz notável não tanto pelos seus feitos heroicos, mas pela originalidade do seu ser. O autor divide o romance em duas partes, a primeira das quais corresponde a um primeiro momento da juventude do herói, e a segunda ao momento presente. Aliocha é o terceiro filho de um proprietário de terras, que teve dois casamentos, o primeiro dos quais gerou Dimítri, e o segundo Ivan, mais velho que o nosso herói. Aos quatro anos, Aliocha se vê órfão de mãe, e ele e Ivan serão criados pela mulher de um General que adotara, anos antes, sua mãe. Entra para a vida monástica, atraído pela presença de um monge idoso e pobre, respeitado pela sua bondade e sabedoria, o stáriets Zósima. Aos vinte anos, retorna ao convívio paterno, submetendo-se com doçura às inconstâncias de espírito do velho Fiódor Pávlovitch, seu pai, homem avaro e sensual, sujeito às paixões da carne e do espírito.

A trama nos leva ao assassinato do velho, e à acusação do filho Dimítri, de quem o velho planejara roubar a amante. Ivan, irmão mais novo de Aliocha, revive no romance a personalidade marcante de Tchedlóvski, amigo da juventude de Dostoiévski, libertino e místico, por quem este tanto se admirara, e é pela boca de Ivan que Dostoiévski expressa o seu sentimento de religiosidade, embora se declare ateu. O poema O Grande Inquisidor, poema em prosa, que constitui o capítulo V, II Parte, Livro V da obra, constitui um dos pontos altos do romance, em que o seu autor, Ivan ou Dostoiévski, expõe a necessidade de Deus para os homens: “Porque não há para o homem, que fica livre, preocupação mais constante e mais ardente do que procurar um ser diante do qual se inclinar”. Esta ideia retoma o pensamento de Voltaire, segundo o qual “Si Dieun’existait pas, il foudrait l’inventer”, citação da Epístola ao Autor dos “Três Impostores”, mencionada no romance, além de alguns argumentos do Tratado de Metafisica, do mesmo Voltaire. Neste mesmo poema, ainda aparece a frase que constituirá o enigma da nossa proposição: “tudo é permitido”, e que é apresentada, em seu argumento, num encontro entre a Família Fiódorovitch e o velho monge.

Para Ivan, não há nenhuma lei natural que ordene ao homem amar a humanidade; se o amor reinou até o presente sobre a terra, isto se deve não à lei natural, mas unicamente à crença das pessoas em sua imortalidade. Se se destrói no homem a fé em sua imortalidade, não somente o amor secará nele, mas também a força de continuar a vida no mundo. Mais ainda, não haverá então nada de imoral, tudo será autorizado, até mesmo a antropofagia. Nesse sentido, a lei moral da natureza deve tornar-se o inverso absoluto da precedente lei religiosa; o egoísmo, mesmo levado até a perversidade, deve não somente ser autorizado, mas reconhecido como a saída necessária, a mais razoável, a mais nobre. Ao ouvir essa explanação, Dimítri, seu irmão mais velho, se apropria da proposição, repetindo-a e calando-se. Numa discussão com seu pai, a respeito da amante, o velho lhe acusa de parricida, cena que é seguida pela prostração do monge Zósima aos pés de Dimitri, dizendo: “Perdoem, perdoem todos!”, ato que surpreende a todos, em especial Aliocha. A significação deste ato escapa aos presentes, mas não à análise que dela faz Sigmund Freud, em 1928. Outro ponto DOSTOIÉVSKI E O PARRICÍDIO (1995) a destacar na obra e que merecerá o comentário de Freud é o capítulo X, Livro XII, IV Parte, intitulado “A defesa. Uma arma de dois gumes”, em que o representante da defesa, no tribunal movido contra Dimítri, afirma ser a psicologia, embora notável como ciência, uma arma de dois gumes, ou seja, pode-se utilizá-la tanto para a acusação quanto para a defesa. Em capítulos seguintes, Dostoiévski irá buscar argumentos para defender o acusado, lembrando, por exemplo, que o amor a um pai somente pode existir na medida em que o filho conhecer este amor, de início. No romance, aquele que se supõe filho bastardo do velho Fiódorovitch, Smerdiákov, é quem realiza o ato de parricídio, mas a imputação de culpa atinge Ivan, que se crê o instigador mental do assassínio.

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