terça-feira, 31 de julho de 2012

NIETZSCHE : Otimismo teórico: crítica ao pensamento dicotômico


3.1.   Otimismo teórico: crítica ao pensamento dicotômico

O filósofo Sócrates é considerado não apenas por Nietzsche, mas por uma gama de intelectuais, como o primeiro sábio que desde a antiguidade se desvia dos estudos da física e da cosmologia para se dedicar exclusivamente às questões propriamente humanas. Nesse ponto, a novidade da análise nietzschiana consiste em sua nova compreensão do homem Sócrates: este, colocado como responsável por uma ruptura que abalou e abala ainda, de forma negativa, toda a nossa tradição filosófica e artística; sendo essa ruptura, segundo Nietzsche, o fim de um belo mundo e o início de um duvidoso iluminismo. Amante e profundo conhecedor da cultura grega, Nietzsche apontou a forte influência de Sócrates naquilo que ele denominou como sendo a decadência da arte grega. Vale lembrar que a questão da decadência artística grega está para Nietzsche correlacionada à questão geral da decadência humana. Em vez de confiar no corpo e nos instintos, colocando a razão em primeiro plano Sócrates faz dela a referência última da realidade do homem, o que consiste em reprimir a natureza, os sentidos e os instintos, ou seja, Sócrates, com sua forte influência, consegue transformar a decadência num modelo de humanidade.  Vejamos nessa passagem o princípio que nos leva a tocar com o dedo o coração e a medula da tendência socrática:
Enquanto em todos os homens produtivos o instinto é uma força afirmativa e criadora, e a consciência uma força crítica e negativa, em Sócrates o instinto torna-se crítico e a consciência criadora – é uma verdadeira monstruosidade (...) pensemos nas consequências das máximas socráticas: a virtude é um saber; só pecamos por ignorância; o homem virtuoso é feliz. Estas três formas essenciais do otimismo são a morte da tragédia. (2007c, p.13)
Pois bem! No final desse trecho Nietzsche denomina de otimismo o pensamento socrático. Com isso, temos um ponto importante para ser explorado com atenção a esse respeito: compreender o que Nietzsche entende por otimismo teórico. A esta altura podemos constatar uma visível recusa pela parte de Nietzsche contra qualquer hipótese da existência ou compreensão de uma realidade independente do nosso intelecto: “não podemos enxergar além de nossa esquina” (2001, p. 248). Nietzsche constatou que desde o filósofo Parmênides  a filosofia era atravessada pela busca da verdade. Os intelectuais tentavam decifrar o que eram as coisas em si mesmas. Sócrates, por sua vez, principiou o que Nietzsche denominou de otimismo teórico partindo da crença de que o homem pode conhecer o ser, ou até mesmo corrigir o ser. Basta enxergar pelo prisma da razão. Percebemos aqui que o papel no pensamento socrático é de suma importância, principalmente ao fundamentar a seguinte “equação socrática de razão = virtude = felicidade: a mais bizarra equação que existe, e que em especial, tem contra si os instintos dos helenos mais antigos” (2006, p. 19).
 Com isso, Nietzsche problematiza a primazia racionalista da civilização helênica alegando que o pensamento na época trágica dos gregos, com toda sua força criativa, peculiar em seus aspectos conflituosos, abraçava a vida em toda sua exuberância, ao contrário do mundo composto pelo otimismo socrático. “Com Sócrates – diz ele –, o gosto grego se altera em favor da dialética: o que acontece aí propriamente? Sobretudo um gosto nobre é vencido; com a dialética, a plebe se põe em cima (ibidem).
 Ou seja, o grande problema de Sócrates nada mais é do que seu sentimento racionalista do qual todos os filósofos após ele passaram a compartilhar: a vontade de verdade:
A vontade de verdade, que ainda nos fará correr não poucos riscos, a célebre veracidade que até agora todos os filósofos reverenciaram:  que questões essa vontade de verdade já não nos colocou! Estranhas, graves, discutíveis questões! Trata-se de uma longa história – mas não é como se apenas começasse? Que surpresa, se por fim nos tornamos desconfiados, perdemos a paciência, e impacientes nos afastamos? Se, com essa esfinge, também nós aprendemos a questionar? Quem, realmente, nos coloca questões? O que, em nós aspira realmente “à verdade”? (Nietzsche, 2005a, p. 9)
Ora, Sócrates indagava as pessoas acerca dos valores éticos, virtudes, o que eram essas coisas, de onde vinham, o que valiam os costumes, e, o que seriam a virtude e o bem. Paulatinamente investigava os costumes e valores vigentes, a origem e a essência das virtudes, o que significava uma conduta Boa ou Má, virtuosa ou viciosa, introduzindo então a ideia de consciência moral: considerando que bastava saber o que é bondade para que seja bom. Buscando definir o campo no qual valores e obrigações podem ser delineados, Sócrates teve o mérito de garimpar os valores éticos ou morais da coletividade cultuados de geração a geração, principiando então a ética ou filosofia moral.
Por outro lado cometeu um contrassenso quando cristalizou valores superiores em outro mundo:
Razão = virtude = felicidade significa tão só: é preciso imitar Sócrates e instaurar permanentemente, contra os desejos obscuros, uma luz divina diurna – a luz diurna da razão. É preciso ser prudente, claro, límpido a qualquer preço: toda concessão aos instintos, ao inconsciente, leva para baixo....  (Nietzsche, 2006, p. 22)
 Sócrates, nesse sentido, representa para Nietzsche a degenerescência da filosofia, justamente pela distinção de dois mundos. A figura do filósofo Sócrates deve ser vista nesse momento como referência da crítica de Nietsche para a metafisica. O objeto da crítica nietzschiana é-nos desvendado nessa nova roupagem do pensador Sócrates responsável pela dicotomia da metafisica. Uma passagem do livro Nietzsche: o Filósofo da Suspeita, de Scarlett Marton, reforça bem essa ideia: Traço essencial de nossa cultura, o dualismo de mundos foi invenção do pensar metafísico e a fabulação da religião cristã. Com Sócrates, teve início a ruptura da unidade entre homem e mundo (Marton, op. cit., p. 80).
Com isso chegamos a um dos focos da proposta de Nietzsche: a superação da metafísica. Dito de outro modo, o equilíbrio, a elegância, o racionalismo e a harmonia da cultura tiveram como base a metafísica proposta pelo Sócrates: uma metafisica fundamentada por um pensamento dicotômico, enraizado na oposição de valores, tendo como referência os valores superiores – o divino, o verdadeiro, o belo, o bem. Nesse contexto, para Nietzsche, em Sócrates é palpável à morte da cultura e da civilização gregas. Ou seja, com Sócrates o homem trágico é substituído pelo homem teórico. Daí a crítica de Nietzsche acerca do otimismo teórico.  De acordo com essa ordem de raciocínio o antigo mundo com sua gloriosa sabedoria desmorona com o advento do homem teórico:
Quem se der conta com clareza de como depois de Sócrates, o mistagogo da ciência, uma escola de filósofos sucede a outra, qual onda após onda, de como uma universalidade jamais pressentida de avidez de saber, no mais remoto âmbito do mundo civilizado, e enquanto efetivo dever para com todo homem altamente capacitado, conduziu a ciência ao alto-mar, de onde nunca mais, desde então, ela pôde ser inteiramente afugentada, de como através dessa universalidade uma rede conjunta de pensamentos é estendida pela primeira vez sobre o conjunto do globo terráqueo, com vistas mesmo ao estabelecimento de leis para todo um sistema solar; quem tiver tudo isso presente, junto com a assombrosamente alta pirâmide do saber hodierno, não poderá deixar de enxergar em Sócrates um ponto de inflexão e um vértice da assim chamada história universal se substituindo uma à outra como as ondas, como a ânsia de saber se expandindo nos países mais longínquos com uma universidade (Nietzsche, 2007c, p. 91-92).
Nessa passagem o que Nietzsche está afirmando é que todas as escolas filosóficas são diretamente dependentes da revolução socrática. Que o discurso metafísico tenha conseguido produzir sabedoria válida, ciência e experiência do mundo isso é inquestionável. Porém, sem perder de vista a análise da vida, do corpo e os instintos vitais, Nietzsche compreendeu que tudo que até o momento denominou-se ética vigorou-se pelo contágio absurdo e insidioso do imaculado conhecimento. Um fanatismo pela razão que no campo da arte causou a morte da tragédia e no domínio filosófico debilitou a sabedoria dos grandes filósofos. A razão, faculdade única que conduz ao conhecimento mais profundo, ao âmago das coisas.
No socratismo nos deparamos com a ilusão de chegar à conclusão das conclusões enveredados por conceitos e combinações lógicas desprezando as potências místicas e artísticas por não corresponderem aos critérios da razão. Nesse contexto, não há lugar para um discurso que não respeite a frieza e veracidade do racionalismo. Com isso, recusando categoricamente o otimismo teórico de Sócrates e todo o ditame clássico da tradição que sempre tratou a vida em um dualismo racionalista, Nietzsche argumenta que o pensamento grandioso dos filósofos anteriores à influência racionalista socrática é o mais elevado alcançado pelo homem. Rica em pensadores que compreenderam a natureza, a época trágica representada nos dramas de Ésquilo, Sófocles e Eurípides é a corporficação suprema da tensão harmônica dos contrários, expressão de um mundo compreendido pela natureza como princípio dionisíaco: a vida com toda sua exuberância. Sobre essa questão comenta o professor Osvaldo Giacoia:
É nesse sentido que os gregos do período trágico seriam exemplares. Eles pressentiram e vivenciaram de modo exacerbado as atrocidades da existência e as ‘dores do mundo’, sem necessidade de subterfúgios moralistas. Prova disso é a ferocidade de que dão mostras os combates entre as cidades-estados, assim como as agruras materiais e espirituais que estavam na base do florescimento da cultura grega. (2000, p. 18)



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Claudio Castoriaids Claudio Castoriadis é Professor e blogueiro. Formado em Filosofia pela UERN. Criador do [ Blog Claudio Castoriadis ] Tem se destacado como crítico literário.Seu interesse é passar o máximo de conhecimento acerca da cultura >

NIETZSCHE: O PROBLEMA DA CULTURA RACIONALISTA: A ÉTICA E O OTIMISMO SOCRÁTICO


3.     O PROBLEMA DA CULTURA RACIONALISTA: A ÉTICA E O OTIMISMO SOCRÁTICO

                                                                    
Dando continuidade em nossa análise da moral ficou claro até o momento que o problema da decadência da cultura também é o problema da influência do cristianismo. Porém esse tipo de influência que o Nietzsche compreende como sendo uma doença que propagou na cultura europeia não se deve apenas ao cristianismo. Tudo que foi dito acerca dos custos negativos da moral acaba dando cor e contorno de certo modo à problemática marcante de nossa pesquisa: Sócrates. Nele se encontra latente o suposto veneno que se alastrou até nossos dias, principalmente entre os chamados livres pensadores, os democratas, os socialistas, até mesmo naqueles que recusam as igrejas instituídas.
Em tudo que até agora foi chamado de religião, educação, cultura e moral, existe o inegável contágio do modo de interpretar o mundo pela ótica do ressentimento, termo cunhado pelo Nietzsche para distinguir aqueles contrários às forças primordiais da vida ou forças vitais da cultura. Seguindo esse raciocínio não é difícil entender que Nietsche enxergou uma Europa que agoniza em plena decadência ou, dito nos termos nietzschianos, total niilismo, onde o homem moderno, esse que se apresenta como sendo um religioso sem Deus, adquire explicitamente as feições indeléveis do imperativo categórico da moralidade: sejamos o contrário dos maus, sejamos bons!
O sentido real dessa máxima que a princípio aparenta um código de conduta louvável já foi problematizado nos dois primeiros capítulos. O mais importante agora é tentar compreender de onde e como Nietzsche chegou a essa conclusão acerca da moral e, por conseguinte da cultura. Duas conferências pronunciadas no inverno de 1870 tratam do drama musical grego e precisamente da relação entre Sócrates e a tragédia. A civilização helênica estava para Nietzsche profundamente marcada pela força do mito, sendo digna de admiração e veneração a própria essência do helenismo representado sobretudo nas figuras de Homero, Hesíodo, Píndaro e Ésquilo.
Portanto, quando se trata de considerar o diagnóstico de Nietzsche sobre a história do Ocidente como sintoma de decadência, deve-se sempre levar em conta que ele principia sua crítica contrapondo a cultura moderna ao sentido trágico da cultura grega. Com isso podemos chegar à seguinte conclusão: o auge e declínio do pensamento ocidental dá-se em dois momentos: um percurso trágico de Píndaro, Ésquilo e demais referências; e um outro teórico principiado em Sócrates em todo o pensamento posterior. Uma passagem do livro Nietzsche e a Justiça, de Eduardo Rezende, embasa bem essa questão:
O problema da valoração dos valores morais subjacentes aos modos de vida acompanha o pensamento nietzschiano desde o início. Sua obra primeira, o Nascimento da Tragédia, coloca desde logo a pergunta sobre as razões pelas quais a civilização trágica grega sucumbiu ao contrapor-se a uma distinta maneira de conceber o homem  (2004, p. 1).
Porém, sem dúvidas, a pergunta de imediato que surge é: por que uma reflexão da história humana de caráter psicológico e social encontra em Sócrates um objeto de análise? Frente a um leque muito amplo de possibilidades e domínio da sua crítica, Sócrates é enfatizado como precursor da degenerescência do pensamento ocidental. Com isso, o desafio de nossa pesquisa não é apenas interpretar o que Nietzsche entende por decadência, mas, o de construir uma reflexão que permita relacionar a influência de Sócrates na situação do pensamento ocidental. Para tanto, vamos nos ater em uma passagem de sua primeira e grande obra filosófica, O Nascimento da Tragédia:
Sócrates achou que deveria corrigir a existência: como precursor de uma cultura, de uma arte e de uma moral totalmente diferentes, ele, o solitário, avançou, com ar de desprezo e de altivez, no meio de um mundo cujos últimos vestígios são para nós objeto de uma profunda veneração e fonte das mais puras alegrias (2007c, p. 96). 


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Nietzsche: A Vida como critério


2.5.   A Vida como Critério

Para se compreender de forma mais precisa esse conflito de valores, essa inconciliável oposição de instintos, bom e ruim na maneira nobre de avaliar e bom e mal da maneira do ressentido, nada mais sensato que centralizarmos tal impasse tendo como pano de fundo a vida em sua plenitude. Como podemos chegar a essa alternativa?  É esta a concepção fundamental da filosofia de Nietzsche palpável a partir dos textos de Assim Falou Zaratustra: a eterna, suprema afirmação e confirmação da vida, isto é, a estreita relação do pensamento e da vida. Com isso, a seguinte pergunta deve ser feita: até que ponto a plenitude da vida é beneficiada pelas apreciações Bem e Mal? Para chegarmos a uma resposta convincente seria importante buscarmos compreender o que Nietzsche entende por vida:  
A vida mesma é essencialmente apropriação, ofensa, sujeição do que é estranho e mais fraco, opressão, dureza, imposição de formas próprias, incorporação e, no mínimo e mais comedido, exploração [...] a exploração não é própria de uma sociedade corrompida, ou imperfeita e primitiva: faz parte da essência do que vive como função orgânica básica, é uma consequência da própria vontade de poder, que é precisamente vontade de vida. (2005a, p.154-5).
Ora, a vida, como ressalta Nietzsche, por ativar o pensamento se justifica quando o pensamento em resposta afirma a vida. Ou, como diz Deleuze:“os modos de vida inspiram maneiras de pensar, os modos de pensar criam maneiras de viver.” (1981. p 17-8). À primeira vista, mediante essa consideração, não fica difícil percebermos a diferença vital existente nas perspectivas do nobre e do ressentido e qual a diferença qualitativa no traço de caráter de ambos quando, sob a ótica da vida, pensamos suas condições. Em Crepúsculo dos Ídolos Nietzsche chega a afirmar:
[...] Ao falar de valores falamos sob a inspiração, sob a ótica da vida: a vida mesma nos força a estabelecer valores, ela mesma valora através de nós, ao estabelecermos valores. Disto se segue que também essa antinatureza de moral, que concebe Deus como antítese e condenação da vida, é apenas um juízo de valor da vida – de qual vida? De qual espécie de vida? – já dei a resposta: da vida declinante, enfraquecida, cansada, condenada. A moral, tal como foi até hoje entendida – tal como formulada também por Schopenhauer, enfim como ‘negação da vontade de vida” – é o instinto de decadence mesmo, que se converte em imperativo: ela diz: ‘pereça!’ – ela é o juízo dos condenados [...] (2006, p.37)
Nesse contexto Nietzsche considera que é possível detectar o homem sacerdotal como um homem sofredor, que não tem condições de habitar a vida e no fardo de sua existência tenta superar sua infelicidade, sua condição deplorável, sua impotência, inventando outra vida. Por isso quando definimos a moral como condição de vida, devemos logo em seguida nos perguntar: qual espécie de vida? Qual vida? Ou seja, nesse caso específico, pensar pela ótica do ressentimento é viver uma condição de vida declinante, enfraquecida, cansada, condenada. Uma espécie doente que para viver e garantir o seu lugar depende de estratégias decadentes.
O seguinte trecho é um exemplo bastante significativo acerca do modo de avaliação do ressentido que o Nietsche vai denominar também como “espírito cativo” como aponta Eduardo Rezende Melo:
A avaliação, no entanto, é renegada pelos que Nietzsche considera como espíritos cativos, para quem são justificadas, e portanto justas, as coisas que tem duração, que não importunam, que nos valem vantagens e pelas quais fazemos sacrifícios. Eles veem, em sua estreiteza de opiniões transformada em instinto por hábito, sua força de caráter, um caráter que creem inalterável. Estão, em verdade, presos à tradição, que ontologiza a vida [...] (2004, p. 44 )
 Legislador, Nietzsche condena a moral dos fracos por ela buscar aniquilar as paixões e os desejos. Preciso, nosso autor especifica uma moral de vida antinatural, uma condição de vida venerada e cultuada ainda em nosso tempo. Psicólogo, Nietzsche ainda afirma que além dessa moral antinatural existe uma moral ou condição de vida sadia contornada por um instinto de vida:
Darei a formulação a um princípio. Todo naturalismo na moral, ou seja, toda moral sadia, é dominado por um instinto de vida – algum mandamento da vida é preenchido por determinado cânon de deves e não deves, algum impedimento e hostilidade no caminho da vida é assim afastado. A moral antinatural, ou seja, quase toda moral até hoje ensinada, venerada e pregada, volta-se pelo contrário, justamente contra os instintos da vida [...] (op. cit., p. 36)
Como foi dito, Nietzsche analisou a história da filosofia e da cultura ocidental, elaborando uma tipologia pela qual diferenciou os diversos valores e as múltiplas morais. Dessa forma, compreender a história do Ocidente como sintoma de decadência só é possível mediante a distinção do normal e do patológico no discurso do nosso filósofo. Assim, duas morais distintas chamam atenção para o olhar agudo e imparcial de Nietzsche: uma moral sadia, dominada por um instinto de vida, e uma moral plenamente contrária às tendências naturais do homem, contra os instintos da vida. A esta última, Nietzsche imputa boa parte de sua obra, problematizando o caráter hediondo de uma condição de vida. Portanto, a moral antinatural é decadente por ser uma negação da moral sadia e mais ainda por ser uma negação da vida. Diante desse modo defeituoso de pensar e horrorizado por essa decadente condição de vida, Nietzsche, sob a máscara de Zaratustra, de imediato se posiciona como antípoda. É célebre a passagem em que Nietzsche apresenta os enunciados do eterno retorno em que Zaratustra se define a partir de três afirmações: a da vida, a do sofrimento e a do círculo:
Eu Zaratustra o advogado da vida, o advogado da dor, o advogado do ciclo – sou eu que te chamo, meu pensamento de abismo. Ó felicidade! Tu te aproximas, ouço tua voz. Meu abismo falou, minha última profundidade surge à luz! Ó felicidade! Vem! Dá-me a tua mão!...Deixa-a! Ah! Ah, ah, ah!...  nojo...nojo...nojo! Pobre de mim! (2007a, p.282)
Segundo o que foi dito até o momento, tudo leva a crer que essa tripla afirmação na verdade se converte em uma: a afirmação suprema da vida. Pois quando se afirma a vida, o círculo e a dor também são afirmados, visto que afirmar a vida implica necessariamente abraçar sua plenitude, mesmo sendo a existência uma ferida incurável.
Pois bem! Mediante essas considerações nota-se que o tipo nobre apresentado até o momento tem uma postura favorável no tocante à unidade de uma vida ativa. Seu pensamento é afirmativo por dizer sim à vida, em sua plenitude e globalidade; enquanto o ressentido, por ser fraco e impotente, ungido pelo desejo de vingança, reage condenando a vida, impondo valores decadentes que limitam a vida, julga a vida em favor de suas aspirações mórbidas. Com esse diagnóstico, Nietzsche compreende a vida como uma pluralidade de forças, agindo e resistindo, em que o sujeito se exterioriza transitório e plural.
Sendo o homem (como já foi comentado) uma entidade histórica, em incessante devir, as essências imutáveis e verdades absolutas não passam de fábulas. E por sua vez a moral é desmascarada em seu caráter momentâneo de inconstante contrajogo de forças. A avaliação nesse contexto deve ter seu caráter ativo na medida em que explora uma multiplicidade de possibilidades e perspectivas, deixando sempre em evidência confrontações de perspectivas não superadas.
Trazendo à luz esse legível campo de batalha onde esses opostos se defrontam com suas particularidades, podemos até o momento atribuir importância ao seu procedimento sob alguns aspectos: método de pesquisa histórica e instrumento de análise psicológica, visto que seu uso é eficaz na abordagem psicológica dos tipos nobres e ressentidos, como também especifica a inversão dos valores no decorrer da história, dando uma ideia deveras objetiva das possíveis transformações da moral desde sua origem, até sua estrutura atual, como a compreendemos. Assim, nossos sentimentos, condutas, ações e nossos comportamentos são postos sob suspeita por sermos fruto dos costumes do nosso meio.
Entretanto, eis a pergunta cuja resposta lhe é implícita: qual o principal objeto de análise do seu procedimento quando esboça o movimento de reação, a grande hostilidade contra o domínio dos nobres? Ora, de posse da liberdade inteligível, quem se beneficiou causando enfermidades e enfraquecendo o homem para a luta, convertendo o mesmo num animal aprisionado?
Mediante o que foi exposto é palpável que o objeto de sua crítica é a origem de todos os valores à sombra do cristianismo enraizado no pensamento humano: uma psicologia do cristianismo, este principal objeto de sua crítica, tendo sua origem no ressentimento com a vida.  Não é à toa que em quase toda sua trajetória intelectual Nietsche não foi brando com suas críticas ao cristianismo, chegando a condenar de forma ampla e categórica a moral cristã em seu livro O Anticristo
Com isso chego ao final e pronuncio minha sentença! Eu condeno o cristianismo, faço à igreja cristã a mais terrível das acusações que um promotor já teve nos lábios. Ela é, para mim, a maior das corrupções, imagináveis, ela teve a vontade para a derradeira corrupção possível.  A igreja cristã nada deixou intacto com seu corrompimento, ela fez de todo valor um desvalor, de toda verdade uma mentira, de toda retidão uma baixeza de alma  (2007b, p.79).
Cristianismo, este que fez dos seres humanos rebanho, um movimento de vingança contra a vida quando sufocou os valores nobres acusando e recriminando sua ação. Por esse motivo o esforço de Nietzsche em sondar os primórdios da cultura traçando as três etapas que no geral correspondem à ascensão do judaísmo e do cristianismo em detrimento do domínio de Roma, em que se instaura o triunfo provisório dos fracos sobre os fortes.
Com isso Nietzsche torna explicita sua objeção frente à moral judaico-cristã, por entender ser esta uma negação da vida. O juízo valorativo sobre a vida de forma tirânica estabeleceu durante a era mais longa do seu domínio pelo Ocidente, dogmas decadentes contra os instintos vitais. Em suma, toda moral tem um pouco de tirania contra a natureza, uma coerção ao laisser aller (deixar ir).
Concluídas essas breves considerações acerca do seu procedimento genealógico, deve estar claro a esta altura sua utilidade como observação psicológica. Percebemos também que com extrema competência Nietzsche coroou a arte da dissecação e composição psicológica na vida social das mais diversas classes, sendo assim cultuado entre os mestres do estudo da alma. Como foi apresentado até agora, seja como perspectiva ou como condição de vida, a moral aqui analisada é uma forma de decadência por ser uma depreciação da vida. Ficou claro que a pesquisa de Nietzsche é voltada à decadência. Sua postura é a favor da vida, seu intuito é assegurar a afirmação da vida. Cabe somente ao filósofo seletivo, personagem tão clamado nos versos de Zaratustra, de posse desse procedimento, tomar uma posição crítica, o que está por vir, não perdendo de vista por nenhum instante a criação de valores. O filósofo deve não apenas resolver o problema do valor, mas acima de tudo sua missão consiste em determinar a hierarquia dos valores. Dessa forma, como perspectiva ou avaliação Nietzsche sugere uma postura além da moral e como condição de vida clama por um tipo de postura trágica, além do bem e do mal. Para tanto, é necessário aprender a dançar e cantar ao ritmo da tragédia na afirmação do riso dionisíaco, afirmando a vida em sua plenitude e exuberância como ensinou o Nietzsche.

 

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Claudio Castoriaids Claudio Castoriadis
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sábado, 28 de julho de 2012

Nietzsche : A Crença de um sujeito, do livre arbítrio, da linguagem como estratégia dos fracos


2.4.  A Crença de um sujeito, do livre arbítrio, da linguagem como estratégia dos fracos

Frente a um leque muito amplo de possíveis crenças que contribuíram para a manifestação do aviltado e bem sucedido domínio do ressentido, convém ressaltarmos que a crença de um sujeito tornou virtude a doença do ressentido quando este cultivou a ilusão de que por traz do efeito existe uma causa, um substrato neutro com plena liberdade, um sujeito inteiramente livre, um ser agraciado por um livre arbítrio. Com isso, não fica difícil estruturar toda uma esfera ilusória em que um lobo tem liberdade para ser cordeiro e o cordeiro por sua vez tem toda liberdade em ser lobo. Em suma, a sagacidade da moral dos ressentidos é coroada pela crença em um sujeito amparado no livre-arbítrio envenenando seu adversário com uma doente consciência de culpa. Com efeito, embriagado pelo que Nietzsche define como fábula da liberdade inteligível o homem se encontra responsável por seus efeitos, por suas ações, logo em seguida por seus motivos e por último por seu próprio ser. Por esse motivo Nietzsche encara a ideia de alma como ligada ao aparecimento da má consciência. Expressando com eloquência que a crença em um sujeito e do eu não passam de superstição popular, jogos de palavras ou alguma sedução por parte da gramática.
Sendo assim, sua crítica à noção de subjetividade é precisa, uma vez que esta se encontra atrelada à função gramatical, servindo como base ao conceito de alma, átomo, substância e matéria. Nesse ponto, a Nietsche interessa elaborar sua crítica à linguagem desmascarando-a pela sua estreita relação com o que seria para o Nietsche um falsete metafísico. Por esse motivo, compreendendo a linguagem em sua esfera metafísica, Nietzsche definiu a gramática em um tom pejorativo, como “metafísica do povo”. Então temos verdade e linguagem como antípodas. O valor pragmático-linguístico é latente tanto no tipo nobre quanto no ressentido, porém, o que deveras importa a Nietzsche é o traço de caráter que particulariza o modo de ser daqueles que avaliam.
Por um instinto de autoconservação, de autoafirmação, no qual cada mentira costuma purificar-se, essa espécie de homem necessita crer no “sujeito” indiferente e livre para escolher. O sujeito (ou falando de modo mais popular, a alma) foi até o momento o mais sólido artigo de fé sobre a terra, talvez por haver possibilitado à grande maioria dos mortais, aos fracos e oprimidos de toda espécie, enganar a si mesmos com a sublime falácia de interpretar a fraqueza como liberdade, e seu ser assim como mérito (Nietzsche, 1998, p 37).
Em suma, percebemos que nesse contexto Nietzsche ironiza os princípios da subjetividade e da linguagem, muito em voga na filosofia moderna e ainda em sua época, velhas ideias a que desde sempre recorreram tantos filósofos: unidade, identidade, causalidade, finalidade etc. Contra essas velhas ideias Nietzsche vai trabalhar sua teoria das forças, defendendo o mundo como amontoado de forças em permanente combate umas com as outras. Segundo Nietzsche, ao conquistar a supremacia em relação à aristocracia guerreira, a classe sacerdotal se vale dessas crenças para ditar normas de condutas, principiando desse modo um intuito moralizador próprio de uma perspectiva ressentida. Nota-se, portanto, que Nietzsche não apenas desmascara as crenças do ressentido como também revela um mundo submetido a sucessivos mascaramentos ou ficções convencionais.

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segunda-feira, 23 de julho de 2012

NIETZSCHE: UMA COMPREENSÃO DA CULTURA DO OCIDENTE COMO SINTOMA DE DECADÊNCIA MORAL



Foi “perambulando” pelas muitas morais (condições de vida) ou perspectivas avaliadoras que já se tinha ouvido falar que Nietzsche constatou duas formas distintas de avaliação, duas perspectivas avaliadoras, dois tipos psicológicos, ambos com suas particularidades presentes em diversos povos e classes de indivíduos no decorrer da história: a perspectiva avaliadora dos nobres contraposta à perspectiva avaliadora dos ressentidos, ou seja, a “moral dos fortes” e a “moral dos fracos”. Vale ressaltar que quando Nietzsche distingue esses dois tipos, nobres e ressentidos, ele se refere precisamente à aristocracia guerreira dos tempos homéricos e sua casta sacerdotal.
Aos olhos de Nietzsche a moral e, por conseguinte, seus cultuados valores, até o momento nunca fora abordada como um problema, posto que o valor dos valores reinantes permanecia inquestionável. E quando abordada era ainda no âmbito de hipóteses anacrônicas que se perdiam no azul das fábulas metafisicas.
Ao colocar em relevo o valor bom Nietzsche questiona se no mesmo não teria um sintoma regressivo. Por esse motivo as condições e circunstâncias da sua origem são problematizadas. A palavra “bom”, em suas várias designações nas mais diversificadas línguas remete à mesma transformação conceitual. Nobre, aristocrático em seu sentido social, é o conceito básico que irrompe o desenvolvimento da palavra “bom”, isto é, como espiritualmente nobre, espiritualmente bem nascido, espiritualmente privilegiado. Tal palavra está ligada à superioridade no poder, como os poderosos, os senhores, os ricos, os possuidores. Além disso, Nietzsche ainda ressalta o direito senhorial de dar nomes. Visto que são definidores de hierarquias, os nobres efetuavam suas avaliações em oposição a tudo que era baixo, vulgar e plebeu. Ou seja, o que deveras interessava ao nobre era estabelecer o pathos da distância: o duradouro domínio de uma elevada estirpe senhorial:
Desse pathos da distância é que eles tomaram para si o direito de criar valores, cunhar nomes para os valores: que lhes importava a utilidade! Esse ponto de vista da utilidade é o mais estranho e inadequado, em vista de tal ardente manancial de juízos de valor supremos, estabelecedores e definidores de hierarquias: aí o sentimento alcançou bem o oposto daquele baixo grau de calor que toda prudência calculadora, todo cálculo de utilidade pressupõe. (idem, p.19).
Pois bem! O que Nietzsche quer mostrar é justamente que a mesma palavra ganha outro sentido quando é cultivado pela casta sacerdotal. Ou seja, o valor bom ganha uma nova roupagem. Daí, uma mesma palavra é analisada em dois momentos por nosso filósofo: um primeiro momento em que ela é criada e um segundo em que a mesma é descontextualizada.
O tipo nobre é aquele ciente de sua posição. De forma espontânea determina valores e empresta honra às coisas. O valor nobre remete especificamente a sua vitalidade física. Devido a sua aptidão a caça, para a guerra, jogos e aventuras, o nobre cria o valor bom atribuindo-o a si mesmo. Dito de outro modo, a perspectiva avaliadora do nobre nasce de uma acepção triunfante na afirmação de si.  Em sua autocelebração da vida anseia apenas por práticas sublimes “porque seu coração transborda”.  Por isso inflama seu discurso de auto afirmação: “nós os nobres, nós os bons, nós os felizes”. Em seguida, como uma “pálida imagem contrasta” uma simples criação derivada, ou uma cor complementar, o nobre cria o valor ruim para designar os desprovidos de poder e vitalidade física, impotentes e incapacitados para a guerra, ou seja, os escravos.
O juízo de valor cavalheiresco aristocrático tem como pressuposto uma constituição física poderosa, uma saúde florescente, rica, até mesmo transbordante, juntamente com aquilo que serve à sua conservação: guerra, aventura, caça, dança, torneios e tudo o que envolve uma atividade robusta, livre, contente.  (ibidem, p. 25).
Por sua vez, a moral do escravo, sua perspectiva avaliadora, a forma como concebe o mundo, é caracterizada pela sua suscetibilidade mórbida, cuja postura contrária à avaliação dos nobres é a forma de expressão mais sincera da decadência. Mas, por quê? Ora, precisamente por nascer de um ressentido não, sua ação se exterioriza precisamente de um “doentio” movimento de reação. O modo de valoração dos fracos tem como referência o modo de valoração dos nobres.
 Em uma desesperada tentativa de se sobressair do domínio dos nobres, o fraco articula um discurso unicamente transcendental instaurando valores supremos, na tentativa de mascarar sua incapacidade de instinto de vingança:
E precisamente nisso está seu feito, sua criação: ele concebeu o “inimigo mau”, o “mau”, e isto como conceito básico, a partir do qual também elabora uma imagem equivalente, um bom – ele mesmo! (idem, p. 31).
Tendo em mente desqualificar o valor Bom da moral nobre, o escravo ressentido cria o valor mau estrategicamente acusando o nobre e reinterpretando pelo olhar venenoso do ressentimento o valor bom da moral dos nobres. Com isso, ao conceber seu adversário como mau, mentalmente ele cria um valor bom em contrapartida de si mesmo. Seu desejo de vingança se agrava mediante sua impotência em vingar-se. Seu discurso que emana de um profundo sentimento de vingança se apresenta da seguinte forma:
Sejamos outra coisa que não os maus, sejamos bons! E bom é todo aquele que não ultraja, que a ninguém fere, que não ataca, que não acerta contas, que remete a deus a vingança, que se mantém na sombra como nós, que foge de toda maldade e exige pouco da vida, como nós, os pacientes, humildes, justos (idem, p.37).
Nesse trecho apercebemos que a moral dos escravos traça uma poderosa estratégia quando transforma sua miséria em mérito, sua fraqueza como se fosse opcional, sua impotência voluntária, dando início assim à inversão dos valores morais, que caracteriza a vingança espiritual fundamentada no ódio mais profundo e sublime da casta sacerdotal. Um tipo de vingança caracterizada por subverter uma preeminência política em uma preeminência espiritual. A esse respeito, bem declara Nietzsche:
Julgar e condenar moralmente é a forma favorita de os espiritualmente limitados se vingarem daqueles que são menos, e também uma espécie de compensação por terem sido descurados pela natureza; e, por fim, uma oportunidade de adquirirem espírito e se tornarem sutis- a malícia espiritualizada. (Nietzsche, 2005, p.112).
Até o momento podemos nos situar no ato de criar como critério para diferenciar esses dois tipos: o homem nobre, abundante de forças, aquele que cria e que dá valor. E o fraco, que não cria, seu ato é de reação: seu olhar não enxerga a si; seu ato é de acusação: ele reage.
Pois bem! Por esse ângulo podemos distinguir visivelmente forças primárias ativas e forças secundárias reativas. E por se tratar da filosofia de Nietzsche uma Filosofia de forças, Gilles Deleuze afirma:
O sentido consiste precisamente numa relação de forças, segundo a qual algumas agem e outras reagem num conjunto complexo e hierarquizado. Qualquer que seja a complexidade de um fenômeno, distinguimos bem forças ativas, primárias, de conquista e subjugação, e forças reativas, secundárias, de adaptação e de regulação.  (1981, p.21)
Em Genealogia da Moral (no conjunto da obra) Nietzsche pretendeu mostrar essa hierarquia de forças que se contrapõem, esboçando no (decorrer do livro) as três etapas do adoecimento do homem, problematizando assim a perspectiva avaliadora dos ressentidos. Na primeira dissertação discorre sobre o ressentimento, na segunda a má consciência, e na terceira dissertação analisa o ideal ascético. O ponto central dessas três etapas consiste em mostrar o determinado momento em que a perspectiva do ressentido sobrepuja a perspectiva do nobre. Frente a um leque muito amplo de possíveis crenças que, contribuíram, segundo Nietzsche, para a manifestação do aviltado e bem sucedido domínio do ressentido, é fundamental considerarmos que em termos de hierarquia a força reativa é uma força submissa, porém é justamente ela que prevalece se sobressaindo da força ativa. Como tal fenômeno é possível? Ora, nesse caso Nietzsche alega a formação da consciência moral fundamentada na interiorização do homem, o que implica em um voltar-se contra si mesmo. A partir desse contexto, com toda irreverência que lhe é particular, Nietzsche pensa de forma contrária à seleção natural proposta por Darwin, ao denunciar um momento histórico em que subsistem e levam vantagem os fracos. 

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Sobre o Autor:
Claudio Castoriaids Claudio Castoriadis é Professor e blogueiro. Formado em Filosofia pela UERN. Criador do [ Blog Claudio Castoriadis ] Tem se destacado como crítico literário.Seu interesse é passar o máximo de conhecimento acerca da cultura >

quinta-feira, 19 de julho de 2012

NIETZSCHE UMA COMPREENSÃO DA CULTURA DO OCIDENTE COMO SINTOMA DE DECADÊNCIA MORAL

2.2.  Psicologia e moral: uma Filosofia de forças


A reflexão de Nietzsche sobre a moral remete diretamente a um exame do que tem sido a história humana. Pondo sob suspeita nossas convicções, com primazia Nietzsche traça o perfil do comportamento dos homens no decorrer da história, identificando a relações de mando e de obediência. Uma reflexão social? Também; visto que seu procedimento busca justificativas plausíveis para as gritantes diferenças dos poucos que mandam e outros muitos que obedecem.
Permanecendo no terreno de uma psicologia e de uma antropologia, estreitando ainda a relação da filologia com a história, Nietzsche examina a cultura dos antigos, a civilizações já extintas, fazendo comparações entre épocas. No decorrer da sua investigação dos valores, além da fisiologia outras perspectivas estrategicamente são incorporadas: a perspectiva histórica e a etimológica, que acabam por identificar-se com a perspectiva sociológica. Porém, Nietzsche não perde de vista em nenhum momento o papel privilegiado da psicologia como análise do mundo e da crítica dos valores:  
Nas passagens em que trata especificamente da psicologia, Nietzsche ressalta a necessidade de romper com a metafísica no exame das questões morais, destaca o auxílio que a história pode prestar na reflexão sobre elas e ainda, em suas análises, salienta a importância de praticar, como os moralistas franceses, a anatomia moral. Nos escritos de 1888, esforça-se, porém, no sentido de esclarecer que a psicologia, tal como a concebe, não se confunde com a mera observação — seja ela simplesmente reflexiva ou voltada para o mundo circundante.  (Marton, 1990, p.71).
A partir desse ângulo pretendeu principiar um caráter científico às investigações morais, no intuito de banir em definitivo qualquer vínculo desta com a metafísica. Com efeito ele analisa a moral como uma interpretação de tipos de fenômenos, uma moral ou perspectiva avaliadora compreendida como espelho. Afinal, ela traz o reflexo de possíveis realidades da civilizações.
Enfim, no primeiro momento quando Nietzsche vê nos moralistas franceses a referência central no que tange ao estudo da psicologia, ao mesmo tempo compreende a estreita relação entre questões psicológicas e os estudos históricos. Nesse caso, Nietzsche pensa a psicologia como ciência que investiga a origem e a história dos sentimentos morais. A rigor, podemos ser mais precisos na pesquisa da moral como condição de vida e sua possível genealogia se levamos em consideração a tal abordagem psicológica inserida no contexto da doutrina nietzschiana. Corrosiva, sua psicologia não se confunde com uma mera observação:
 Seja qual for o resultado dos prós e dos contras: no presente estado de uma determinada ciência, o ressurgimento da observação moral se tornou necessário, e não pode ser poupada à humanidade a visão cruel da mesa de dissecação psicológica e de suas pinças e bisturis. Pois aí comanda a ciência que indaga a origem e a história dos chamados sentimentos morais, e que ao progredir, tem de expor e resolver os emaranhados problemas sociológicos- a velha filosofia não conhece em absoluto estes últimos, e com precárias evasivas sempre escapou à investigação sobre a origem e a história dos sentimentos morais.  (Nietzsche,b 2005, p.43)
 
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