segunda-feira, 30 de maio de 2011

Uma carta para pequena Sara.

 Meu caminho ainda é um mistério, ainda não tenho certeza onde tudo vai parar, onde meus pensamentos vão encontrar repouso. Estou sempre pensando; meus pensamentos não me deixam ser apenas mais um, disso tenho orgulho. Sei que tenho muitos amigos, amigos de infância, amigos de agora e amigos descartáveis. Uns já se foram, outros estão em clínicas lutando pela vida e muitos outros estão vagando pela madrugada entre a poeira enfadonha do tempo. Por carinho, respeito ou má fé eles me qualificam em vários adjetivos: Polêmico, inconstante, arrogante, sem caráter, amoroso, intelectual, solitário, drogado, ridículo, criança, alcoólatra, ou simplesmente me chamam de “novinho”. Enfim, são meus amigos que ganhei nesse percurso tão grandioso da vida. Todos eles buscam alegria, querem um emprego, falam em família. Todos, cada um do seu modo, buscam por alegria e alívio em um mundo tão complicado e devorador de sonhos. Minha alegria não sei ao certo, tento manter a calma em meio aos meus delírios.  Não sei qual lugar me traz deveras alegria, uma sala de aula entre intelectuais ou em uma mesa de bar fumando, bebendo e falando as coisas mais absurdas. É tudo tão novo e ao mesmo tempo tão velho. É tudo tão “eu.” Gosto de me sentir assim, confuso e fora de moda como uma foto em preto e branco. Gosto de me vê como um nada, ainda em construção, pois ainda não me vejo. Quero sempre saborear a vida como uma incrível novidade. Eu sou um estupido quando penso que sou melhor, sou o ridículo do destino que me pesa feito um imenso rochedo. Fui tanta coisa, hoje sou um nada, amanhã serei bastante coisa. Amei e fui amado, amarei sempre do meu jeito. Gostaria de nunca ter machucado ninguém, gostaria de verdade. Gostaria de não saber de todas as maldades que as pessoas fazem, gostaria de virar as costas para as dores do mundo. Mas não consigo, é inútil é poético ser dessa forma. Eu quero bem mais que um arcabouço teórico com receitas e métodos que em nada ameniza minha fome e as feridas do mundo. Eu quero um lugar, um equilíbrio, força e uma casa. Eu quero continuar dessa forma, com essa luz, porém não quero ser sempre o mesmo.  Quero ser diferente, amo o diferente, e serei assim, enquanto for preciso, um ser como você, cuja leveza sobrevoa os mais belos jardins. Pois bem, pequena Sara... Você passou por aqui, e com todo seu encanto disfarçou sua tristeza. Sua leveza deslizou desse lugar, agora sua luz brilha em outro céu, um lugar feito para seu doce espírito. Guardo de você um pouco do tudo no incrível do existir. Não existe mais dor, não precisa arder em sofrimento, não tenha medo. Durma, descanse, tenha os mais belos sonhos, e quando acordar em seu paraíso. Saiba que o milagre da sua existência falou mais suave em nossos corações.  


Adeus, pequena Sara !      

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Como fechamos os olhos para nós mesmos?

Onde as horas não passam. IV

-Pronto? Está gravando?
- só um momento.
- Olha não sei ao certo como me expressar.
-Ok, bora lá então.
- Olá! Eu me chamo Amina e como paciente dessa instituição fui convidada a falar um pouco de mim e do meu caso. Sendo assim, tentarei ser breve e espero que essa gravação de algum modo sirva pra alguém com sintomas semelhantes. Não sou santa, nem um pouco "boa menina" e detesto olhar de bom samaritano. Pelo contrário, tenho um egoísmo tão egoísta que não quero ninguém vivendo ou sentindo minhas dores.
-É...
- Eu...
- Quero deixar bem claro: Estou aqui, mas não me sinto uma fraca.
- Por isso uma palavra que não me deixa, mesmo com toda essa medicação que vocês me empurram, é a palavra grandeza.
-Reconheço que a grandeza de uma pessoa consiste na forma que ela se olha em seu espelho.  Quando olhamos no espelho sentimentos vêm à tona aos milhares. Pelo menos comigo as coisas são assim. É como se fossem demônios cercando um estandarte sagrado.
- Olha, sei que parece ridículo, mais imagino que todos temos nossos demônios, ou dito de forma menos obscura: todos nós temos sentimentos, que no fim se tornam em neuroses e as neuroses por sua vez podem ganhar outros agravantes... tipo,  fobias entende? É dessa forma que me olho no espelho todo dia: como uma garota imersa em fobias. Tenho varias ideias e teorias sobre esse assunto. Mas penso que a definição mais sucinta e precisa para o termo nesse momento é o diagnóstico do meu médico sobre meu caso. Fobias são reações emocionais e físicas a objetos e situações temidas. Sentimento de pânico, ameaça constante, horror ou terror. Reconheço que o meu medo ultrapassa os limites. E sei que tudo isso é sem sentido para muita gente. Mas, essa sou eu. E não é nada fácil olhar nos olhos de uma pessoa quando estou assim. É... Não sei se são reações automáticas que estão fugindo do meu controle. Às vezes até tento brincar com minha situação. Tento ser forte sabe? Mesmo quando sua tomada por um sentimento de vazio. Poxa, ontem mesmo falei pra moça responsável pela terapia ocupacional que nem sempre é fácil ser eu.
- Como assim Amina? Melhor dizendo: você sabe quem é realmente?
-Então, eu diria com toda sinceridade do mundo que não sei quem sou, mas sei o que não sou.
-Sabe aquele moço que acorda todo dia e vai até o último banco próximo ao jardim? Aquele de baixa estatura, de ombros contraidos e que tem dificuldade pra falar! Então, eu o vejo quase todo dia em sua rotina. Sai do quarto vai até o refeitório tomar um café não demora muito, segue para o pátio, e para em um banco, sem sombra e desconfortável. Sempre senta no mesmo banco. E por lá fica sozinho por horas e horas cantando músicas antigas até cansar a garganta. Não deixo de ficar fascinado com sua solidão.  É uma solidão diferente entende? Ele canta como se tivesse uma imensa plateia lhe cercando- é tão fascinante. E realmente ele tem uma plateia, a mais nobre que ele já teve. Como ele conseguiu isso? Simplesmente fechando os olhos. Lá no cantinho dele não existe solidão. Com os olhos fechados não existe solidão. Porém, tem sempre alguém inteligente, dono da razão, um normal por assim dizer, que o machuca. Como? Quando chega próximo e sem gritar lhe abre os olhos.
- É... Senhor Hans Von Liszt uma coisa devo lhe assegurar, não sou como ele.  Bem queria, mas os meus olhos, quando foram abertos fez com quer eu perdesse uma coisa incrível ingênua e sem malícia mesmo guardando sua luz no mais sagrado, arremessando-me de um lado para outro, despojando-me de toda minha vontade de vida, toda minha ternura.  Arrancaram minha calma quando abriram meus olhos para um mundo sem vida que enruga e racha a alma. Hoje não sei quem sou, talvez uma escultura, sem afetos, desgastada pelo tempo em um canto empoeirado miseravelmente mal quista.  Ainda assim rastejo, lenta como as horas que me pesam, eu rastejo, sem deixar de lado minhas quimeras infantís. E mesmo que meu espírito esteja decorado com sentimentos líricos que de sorte me abraçam. Deixei de ser feliz quando o “mundo de vocês” abriu os meus olhos. Agora estou acordada e mundo de vocês? Dorme feito criança, desprezando os infortúnios da vida. Doutor, antes de terminar eu tenho uma pergunta... Como fechamos os olhos para nós mesmos?



Por Claudio Castoriadis ( trecho do meu conto Onde as horas não passam)
        Mais informações http://claudiosloterdijk.tumblr.com/

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Slavoj Žižek: O rock star da Filosofia.

Sociólogo, filósofo e teórico crítico esloveno, Slavoj Žižek é professor da European Graduate School e pesquisador sénior no Instituto de Sociologia da Universidade de Liubliana. É também professor visitante em várias universidades estadunidenses, entre as quais podemos citar a Universidade de Columbia, Princeton, a New School for Social Research, de Nova Iorque, e a Universidade de Michigan. Nascido na antiga Jugoslávia, em Liubliana, hoje capital da Eslovénia, doutorou-se em Filosofia na sua cidade natal e estudou Psicanálise na Universidade de Paris. Também conhecido por sua postura polêmica no cenário acadêmico contemporâneo, Žižek também é visto como uma figura carismática entre a nova geração de intelectuais. Com uma postura contundente perante a ordem vigente do sistema capitalista o mesmo é conhecido por seu uso de Jacques Lacan numa nova leitura da cultura popular, abordando temas como o cinema de Alfred Hitchcock e David Lynch, o leninismo e tópicos como fundamentalismo e tolerância, correção política, subjetividade nos tempos pós-modernos e outros. Enfim, um pensador que está ganhando seu espaço como uma figura “pop star” com uma incrível desenvoltura de tratar temas, que em sua maioria são considerados herméticos, com extrema precisão e rigor filosófico. Os grandes teóricos que se mordam, mais a muito tempo a filosofia, tal qual vivemos hoje nos centros acadêmicos, não presenteava o mundo com  uma figura com tal envergadura se insere no debate sobre nosso conturbado cenário politico. Como aperitivo de uma figura tão irreverente, leiam uma parte da entrevista ao repórter Jorge Pontual em um momento descontraído gravado no estúdio da Globo em Nova York:

Jorge Pontual — Protestos anticapitalistas, movimentos ecológicos, militantes pacifistas, fundamentalismo islâmico, redes de terroristas: à primeira vista, todos seriam inimigos do sistema dominante. Na verdade, apenas reforçam o poder do capitalismo avançado. Esta é uma das teses polêmicas do pensador Slavoj Žižek, o enfant terrible da filosofia, o rock star da psicanálise, o inimigo radical tanto da direita quanto da esquerda. Nascido na ex-Iugoslávia, no que é hoje a pequena Eslovênia, Žižek tomou de assalto o mundo acadêmico internacional com mais de 50 livros publicados em dezenas de países, entre eles o Brasil. Turnês mundo afora com palestras superlotadas e infindáveis vídeos e filmes sobre sua obsessão: o cinema. Aliando a erudição ao gosto por piadas escatológicas, Žižek é um marxista mais próximo de Groucho Marx do que de Karl Marx. Um comunista que segue Jesus e que prega o cristianismo sem Deus. No primeiro de dois Milênios profundos e também hilariantes, gravados no estúdio da Globo em Nova York, Žižek fala do terrorismo e dos impasses da esquerda populista e não deixa pedra sobre pedra.

Jorge Pontual — Olhando por esta janela dez anos atrás, era possível ver as torres gêmeas. Elas ficavam bem ali. Você escreveu muito sobre isso, certo? Vamos falar primeiro sobre isso: os atentados de 11 de setembro, suas consequências, para mostrar aos nossos espectadores como você trata um tema, as ideias preconcebidas, a ideologia escondendo a verdade nesses tipos de situação. Por exemplo, que o liberalismo americano e o fundamentalismo islâmico fazem parte do mesmo sistema, que não é possível entender um sem o outro.
Slavoj Žižek — Se retroalimentam.

Jorge Pontual — Um se alimenta do outro.
Slavoj Žižek — Isso é crucial para o modo como a ideologia funciona hoje. Como disse o grande filósofo Gilles Deleuze, nós não temos apenas respostas erradas para alguns problemas, mas temos também problemas errados. Problemas que talvez tenham relação com problemas reais, mas pela maneira como são formulados, eles são mistificados. Logicamente, o terrorismo é um problema real que enfrentamos. Mas ao formular o problema como uma luta entre a tolerância liberal e o fundamentalismo, você já mistificou o problema. Por quê? Porque eles são, como você disse — e eu concordo plenamente — eles são dois lados da mesma moeda. Não que não importe que eles sejam diferentes, mas é a ordem liberal mundial que, por uma necessidade intrínseca, gera o fundamentalismo. O maior exemplo, que eu sempre cito, é o Afeganistão. Infelizmente, tenho idade suficiente para lembrar o que era o Afeganistão há 35, 40 anos. Talvez fosse o país mais tolerante e menos fundamentalista. Era o país muçulmano menos fundamentalista do Oriente Médio.

Jorge Pontual — Tinham um partido comunista.

Slavoj Žižek — Um partido forte, local. Ao assumir o poder, surpreendeu até os soviéticos.

Jorge Pontual — As mulheres não usavam véu.
Slavoj Žižek — Eles tinham um rei que era uma espécie de reformista progressivo. Mas os comunistas eram tão fortes que achavam que podiam dar um golpe de Estado sozinhos. Quando a União Soviética interveio, os EUA fortaleceram seus próprios agentes para combatê-la, dentre eles, Osama Bin Laden e outros. Então, como resultado, o Afeganistão se tornou fundamentalista. Não se trata de um país que sempre foi fundamentalista. O Afeganistão se tornou fundamentalista porque ficou enredado na política mundial.

Jorge Pontual — Agora o fantoche americano, Hamid Karzai, está recebendo dinheiro do Irã, o “inimigo maligno”, e está dizendo: “O patriotismo tem um preço. Os EUA também me dão dinheiro”.
Slavoj Žižek — Isso é o mais triste desses países que os EUA querem “democratizar” sem o devido trabalho político. O resultado é uma mistura de fundamentalismo religioso e corrupção pura e simples. E você não sabe o que escolher. Eu estive recentemente — na verdade, há mais de um ano — em Ramallah e conversei com alguns intelectuais palestinos que me disseram que a maior tragédia para eles era que, nos últimos 20, 25 anos, a esquerda secular palestina havia praticamente desaparecido. Até mesmo certos rostos. Você se lembra, alguns anos atrás, ela era quase sempre o rosto da OLP na CNN, Hanna Ashrab. Ela ainda está lá, e eu sei... Essa é uma história maravilhosa. Um israelense me explicou que ela desapareceu num acordo estranho entre os dois lados. Os palestinos não queriam que ela... Os fundamentalistas diziam: “Que história é essa? Uma mulher que foi educada no Ocidente não pode nos representar”. Os sionistas de linha dura também não a queriam porque diziam que ela passava a imagem errada. As pessoas iam achar que os palestino eram normais. Eles preferiam os palestinos de Arafat, que balbuciavam num inglês mal articulado. E sobre o que você falou da cumplicidade dos dois lados... Vou contar algo que vai interessar aos espectadores. Uma história incrível que aconteceu com um bom amigo antissionista. Udi Aloni, um cineasta judeu. Alguns dias depois do atentado de 11 de setembro, ele pegou um táxi próximo a Union Square. E, chegando à Union Square, o taxista, um muçulmano fundamentalista, contou a ele a história de sempre: que o atentado tinha sido planejado pelos judeus, que nenhum judeu tinha morrido porque todos haviam sido informados e coisa e tal. O que ele fez em respeito aos seus irmãos judeus? Pediu que o homem parasse o táxi porque não falava com pessoas de visão tão estrita. Ele desceu e atravessou a Union Square, onde viu um grupo de judeus fundamentalistas pregando para as pessoas, e um deles gritava: “Agora temos uma prova de que Deus nos ama. Nenhum judeu morreu no atentado de 11/9!” Ele pensou: “É a mesma coisa!” O sotaque era diferente, a história era igual. O mesmo que aconteceu com o Afeganistão aconteceu com o Kansas aqui nos EUA. Essa é a tragédia americana. Seus telespectadores devem conhecer o livro maravilhoso... Não é uma grande teoria, mas uma boa descrição, de Thomas Frank. Ele diz que o Estado americano que, há 30 anos — e foi assim por mais de 100 anos — era o mais progressivo de todos, sempre foi, começando com John Brown, tinha o mais articulado movimento abolicionista, é agora o alicerce da linha mais dura.

Jorge Pontual — Não se ensina a evolução.
Slavoj Žižek — Pois é. Isso deveria nos fazer pensar.

Jorge Pontual — É o Afeganistão dos americanos. Mas isso é um fenômeno novo, certo? Não é tradição.
Slavoj Žižek — É, mas isso faz parte. E é aí que chegamos a uma tendência geral. Faz parte de uma tendência geral muito preocupante. Estou escrevendo um livro político em que tento desenvolver esse tema. Não posso falar do seu país ou da América Latina. Mais até na Europa do que na América Latina, é uma coisa que realmente me preocupa e me apavora. Deixe-me simplificar ao máximo. Até agora, na disputa política típica, o máximo que temos são dois grandes partidos: um de centro-esquerda, outro de centro-direita, com o mesmo poder, ambos agradam a toda a população. E há outros partidos menores. Agora uma coisa terrível está acontecendo. Cada vez mais, entre esses dois partidos, um deles desaparece, ou eles se unem. Eles deixam de ser dois partidos e nós ficamos com um partido principal. Vamos chamá-lo de “Partido do Puro Capitalismo Global”. Ele é pró-capitalismo, mas, ao mesmo tempo, defende a diversidade cultural, os homossexuais, o aborto. O único sério oponente, o que realmente inflama os ânimos, é o anti-imigrantista, nacionalista, fundamentalista etc. E não apenas em antigos países comunistas do sudeste europeu, como Hungria, Romênia e Albânia. Mesmo naqueles que eram para nós, na Europa, o mito de tolerância: a Suécia, a Noruega, a Holanda etc. Essa é a nossa tragédia. É muito preocupante. Porque a esquerda tragicamente aceitou essa, digamos, “despolitização”. De acordo com os acadêmicos de esquerda, todos os problemas agora são problemas culturais, de tolerância e assim por diante. Pense na Europa Ocidental: a única força política, não essas maoístas com membros em cinco países, mas a única força política relevante que ainda ousa se dirigir à classe trabalhadora são os anti-imigrantes de direita. Na França, Le Pen é a única entre os políticos. E isso me preocupa. Eu me lembro de um velho dito de Walter Benjamin: “Por trás de todo fascismo há uma revolução de esquerda fracassada”. Isso é literalmente verdade nos países árabes, por exemplo. Nós nos esquecemos completamente de como, até 20, 30 anos atrás, havia partidos comunistas muito fortes, seculares. Tudo isso desapareceu. E, por isso, eu digo aos meus amigos liberais: “Não quero mais terrorismo, mas vocês se dão conta de que apenas algum tipo de novas esquerda, não sei qual, poderia salvar suas próprias ideias liberais?” E algo novo, não a velha e conhecida esquerda comunista. E não há ambiguidade nisso. A experiência stalinista do século 20...

Jorge Pontual — Acabou.
Slavoj Žižek — Não apenas acabou, como talvez tenha sido a maior tragédia política, ética, talvez até econômica, da história da humanidade. De certa forma, foi muito pior que o fascismo. Por quê? No fascismo, você sabe. Fazendo uma análise simplista, os fascistas são os caras maus que diziam em seus programas: “Vamos fazer coisas ruins”. Aí, chegaram ao poder e fizeram as coisas ruins. Certo, e daí? Com os comunistas, foi uma verdadeira tragédia. O que quer que se diga sobre eles, no começo, havia um potencial emancipatório que se transformou em terror, de certa forma ainda mais terrível e mais difundido. Então, por que me refiro ao stalinismo de forma quase ambígua? Creio que se trata do maior enigma do século 20. Acho que até o mais liberal crítico de direita anticomunista naqueles grandes livros, como os de Montefiore. Eles não dão conta do recado. Nós ainda precisamos confrontar esse enigma. Mesmo os teóricos de esquerda importantes o evitam, como os da Escola de Frankfurt: Habermas e outros. Eles não descontaram todos os escritos contra o fascismo, e assim por diante. Eles ignoram totalmente o fenômeno do stalinismo. É algo que ainda temos que abordar.

Jorge Pontual — Uma coisa sobre a qual você fala brevemente no seu livro e que gostaria que elaborasse um pouco mais é o capitalismo populista da América Latina. O que é esse capitalismo populista de que você fala?
Slavoj Žižek — Eu não tenho uma teoria muito profunda. O que estou querendo dizer é que... Vou ser bem sucinto. Em primeiro lugar, quero enfatizar bem: talvez até seja uma coisa boa. Posso ser radical de esquerda, mas não sou um idiota completo. Não estou esperando a formação do novo partido leninista. Nós devemos ser realistas e aproveitar as oportunidades. Li um texto excelente de Goran Therborn, um sociólogo sueco. O texto é bem simples, mas é fantástico. Ele toma dois conjuntos de valores. Primeiro, ele calcula, de acordo com dados oficiais, o nível de igualitarismo dos países escandinavos. Apesar da crise e tudo o mais, eles ainda são extremamente igualitários. Eu fiquei chocado ao saber que, na Noruega, mesmo em empresas privadas, a variação entre o maior e o menor salário é de 1 para 4, talvez de 1 para 5. Agora, o contra-argumento neoliberal de costume é que, se fizermos isso, se mantivermos o seguro-saúde e tudo o mais, enfraqueceremos a competitividade. Sabe o que ele fez? Ele não analisou publicações parciais de esquerda, mas o Wall Street Journal, a lista oficial dos capitalistas dos países mais competitivos. Eles estão no topo da mesma forma. Mas, no topo do topo temos Cingapura e Hong Kong. Depois, vêm Suécia e Noruega. Isso prova que não é verdade o que os neoliberais estão dizendo, que, ao abolir o Estado assistencial, você perde competitividade. Desculpe, mas não necessariamente. Eu não idealizo Lula, mas vocês, ainda assim, provaram que, nos últimos anos, com Lula na presidência... Volto a dizer que não o idealizo. Como isso se relaciona como a sua pergunta? O que está acontecendo graças ao imortal presidente George Bush, o filho? Por causa de uma coisa que ele fez, todo esquerdista deveria rezar pela alma dele todos os dias. Nos seus oito anos de governo, ele, com certeza, enfraqueceu a hegemonia e a liderança mundial dos EUA. Depois de seu governo, os EUA são, cada vez mais, apenas um entre muitos. Agora estão surgindo novos blocos hegemônicos. Vamos chamar ainda de bloco dos EUA e países anglo-saxões, a Europa ainda está buscando o seu caminho. Temos o que chamamos ceticamente de “capitalismo com valores asiáticos” nos países orientais mais autoritários e temos o populismo latino. Se você me perguntar, nenhum deles me agrada. Em primeiro lugar, eu não gostaria de viver num mundo onde as escolhas fossem apenas China ou EUA. Eu gostaria de elaborar mais sobre as diferenças. Diferentemente de alguns amigos meus... Não estou falando aqui do Brasil, mas de populistas de esquerda latinos, como Perón e Chávez atualmente. Eu não confio neles. Para mim, este foi o meu grande mal-entendido — e ele literalmente me odeia por isso — com meu ex-amigo Ernesto Laclau. Ele ainda acha que o populismo é algo originalmente progressivo, que promove o avanço da esquerda. Não. O populismo está sempre, por definição, na origem do fascismo. Populismo significa construir um grande bloco nacionalista acima das diferenças de classe. Então, quem passa a ser o inimigo? Não há mais a luta de classes, então precisamos de alguém, mesmo que não os judeus, de alguém como os judeus, contra quem possamos nos rebelar. Por isso, infelizmente, não concordo com meus colegas argentinos que elogiam o peronismo de esquerda. Acho que o peronismo foi uma catástrofe. Nesse nível, não estou tentando bajular o Brasil, não sei o bastante sobre vocês. Mas acho que, talvez, e me corrija se eu estiver errado, alguns de seus presidentes tenham flertado... Como era o nome dele?

Jorge Pontual — Com o fascismo?
Slavoj Žižek — Não, não. Com o populismo, até o esquerdista Quadros... Kubitschek...

Jorge Pontual — Jango.
Slavoj Žižek — É, um pouco. Mas, entretanto, vocês nunca se encaixaram nesse verdadeiro populismo latino-americano. Essa foi a sorte de vocês. É por isso que vocês estão prosperando. É por isso que a Argentina não consegue decolar. É por isso que, mesmo na Venezuela, Chávez, eu afirmo... Eu não entendo. Deixe-me ser bem claro. Primeiro, Chávez fez algo pelo qual deveríamos ser gratos a ele. Pelo que eu sei, ele pelo menos tentou ir mais longe do que Lula e tudo o mais, para realmente incluir no processo político os excluídos das favelas. Isso é muito bom. Se não fizermos isso, vamos nos acercar de uma guerra civil interna. Não é apenas um fenômeno latino-americano. Olhe a França, todos aqueles carros queimados. Olhe a China! Eu estive lá há três meses, e eles me perguntaram se eu sabia quantas rebeliões violentas espontâneas aconteciam dentro da China por ano. Por “rebelião” quero dizer uma comoção tão importante que a Polícia e o Exército têm que intervir, e há derramamento de sangue. Por ano, são 20 mil. Entende? Tudo bem. Mas, na minha opinião, ele se perdeu nesse tradicional. E o petróleo foi a sua maldição, de certa forma.

Jorge Pontual — Chávez?
Slavoj Žižek — É. O mesmo acontece com os regimes árabes. Se você tem uma grande fonte de dinheiro, isso, infelizmente, dá a você espaço de manobra suficiente para adiar o aparato realmente eficaz do Estado, as reconstruções e tudo mais.

Jorge Pontual — E qual é o problema de Chávez?
Slavoj Žižek — Na minha opinião, é funcionar cada vez mais como um país caudilhista latino-americano. Eu sei que ele também tenta implementar umas parcerias, mas é basicamente um estado autoritário.

Jorge Pontual — E a proximidade deles com o governo de Ahmadinejad?
Slavoj Žižek — Foi aí que começaram as minhas suspeitas com relação a Chávez. Primeiro pensei que talvez fosse bom o que ele estava tentando fazer. Mas veja os aliados dele. Talvez você conheça o ditado que diz: “Diga-me com quem andas e te direi quem és”. Ahmadinejad! Pior ainda, Lukashenko. Sem falar de Putin. Lukashenko. Ele é um louco. Isso é motivo de muita preocupação. Por exemplo, precisamente... Eu não sou um liberal ingênuo pró-Ocidente, mas acho que as últimas eleições no Irã foram quase um evento histórico mundial. Por quê? Mousavi, o candidato derrotado oficialmente, talvez fosse uma verdadeira solução. Mousavi fazia parte da revolução do Khomeini. Mas ele fazia parte do grupo que foi posto de lado quando os fundamentalistas assumiram o poder. Ele é a prova viva de que a Revolução de Khomeini não foi simplesmente um golpe extremista islâmico. Se você tiver uma certa idade... Alguns de nós têm, que coisa trágica! Você se lembra de que, quando o Xá partiu e Khomeini assumiu o poder, a situação ficou indefinida por cerca de um ano e meio. Até que, finalmente, os fundamentalistas assumiram o poder. Aí, tudo o que havia sido reprimido, um aspecto mais emancipatório, explodiu. Isso é muito importante porque era contra o fundamentalismo, mas não era algo simples: “Vamos adotar o liberalismo Ocidental”. E aqui, meu Deus, como foi que Chávez não viu isso? Frequentemente, quando a esquerda consegue um progresso autêntico, o Terceiro Mundo está envolvido. Você sabe qual é a hipocrisia de esquerda de hoje nos países desenvolvidos? Eles gostam da revolução com uma condição: que ela aconteça bem longe, que não mude a vida deles. Pode ser no Vietnã, em Cuba... É bom que ela aconteça longe para você fazer seu trabalho sujo aqui: você faz esquemas, se corrompe, mas seu coração está lá longe. O mesmo acontece com Chávez hoje em dia. É fácil para os europeus gostarem dele. Mas eu acho que o governo dele vai se tornar, cada vez mais, uma ditadura pessoal quase cômica. Eu desconfio profundamente... não dele pessoalmente, não me importa, mas num sinal de como opera a totalidade do poder. Como, por exemplo, quando ele começou com o programa “Aló Presidente”. Alguém me contou, e me pareceu piada. Mas agora o programa se dividiu em dois: o “Aló Presidente Prático” e o “Aló Presidente Teórico”, em que Chávez se mete a... Eu concordo com... Sabe quem me deu essa indicação? Toni Negri. Meu Deus! Eu não concordo com ele, em tese, mas ele é da esquerda, me alertou sobre isso, e eu não acreditei nele quatro anos atrás. Ele me disse para não ficar fascinado com Chávez e que, embora fosse muito mais modesto, o Brasil era muito mais interessante.


Mais informações? http://ww.zizekstudies.org

Por Claudio Castoriadis

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Complexidade da sociedade moderna: Niklas Luhmann e sua postura iconoclasta.


Segundo o filósofo Jean Paul Sartre somos seres em situação. Não escolhemos o país a data, a família e a classe social em que nascemos e isso implica em nossa situação.  Porém, da mesma forma somos seres de liberdade, podemos escolher o que fazer com nossa situação no mundo. Na década de 1990, logo com o fracasso do bloco socialista, a tensão político- ideológica é amenizada. Porém, outras questões ainda preocupam governos, movimentos sociais e cidadãos: problemas ambientais, desemprego, desigualdade social, intolerância religiosa. Nesse contexto, o que você tem feito para compreender a situação em que vive? Todo o sentido da filosofia contemporânea deveria girar em torno desse eixo: instigar questões sobre a situação do sujeito no mundo.  Vivemos em um planeta que pede socorro, contraditório.  De um lado temos os grandes feitos da ciência: sofisticação tecnológica que de maneira benéfica, facilita uma razoável integração de pessoas e bens em especificas partes do mundo. No entanto, quais são essas partes especificas? Quem está desfrutando dos grandes feitos tecnológicos? Apesar do bom domínio da tecnocracia e sua legitimação, por que as expressões primeiro mundo e terceiro mundo são tão familiares em nossos dias? Por que um abismo separa os povos do mundo? Segundo Sartre o homem nada mais é do que ele faz de si mesmo. Então o homem nesse discurso é um ser auto destrutivo? Por que as adversidades do mundo se mostram tão construtivas como um câncer. Seria a natureza do homem egoísta e cruel?  Nossas escolhas nada mais fizeram do que erguer um muro de perguntas e dúvidas acerca de nossa essência. Ou pior, exteriorizar a incompetência do homem em pensar o todo. Nós homens do conhecimento não nos conhecemos? (Como diria o “diabólico” Nietzsche) O certo é que, todos estamos no mesmo barco e o mar que navegamos infelizmente não está pra peixe. Enfim, à luz dessas reflexões temos que deduzir que: o sentido da coletividade humana que, ao longo de toda era mergulhou em meio a tantas possibilidades de existência, continua “arcaica” visto que as pessoas se tornaram cada vez mais estranhas uma às outras. Pois é, Renato russo tinha razão: vamos celebrar a estupidez humana...demasiada humana. 
Qual sua postura perante esse quadro? Qual o sentimento que lhe toma quando seus direitos são violentados por uma política destruidora? Qual o futuro que podemos garantir vivendo em plena cultura do medo? Ficar calado? Gritar para surdos? Ou se trancar em uma sala de aula para debater ideias e conceitos vazios em quanto que o mundo lá fora se arrasta e definha como um paciente em estado terminal? Com se sente perante a situação em que vivemos? Um fraco? Um forte? Ou pior, um covarde? Pois bem, o caos está sobrevoando em nosso planeta como um fardo. Presenteia as sociedades com coroas de espinhos. Tudo está fora do lugar. Praticamente acordamos com uma tapa na cara todos os santos dias. O sistema atual não apenas esmaga, cada vez mais está sendo competente em alienar as pessoas. Eu não tenho culpa, você não tem culpa. Mas então, quem realmente é o responsável? No momento deixemos de lado essas perguntas e vamos para pra pensar de forma livre, com uma postura nobre. Pensar diferente pelo menos uma vez na vida. O Filósofo Nietzsche disse que as coisas grandes exigem que falemos com grandeza. Porque não pensar grande?  Por que não pensamos uma forma, um método ou teoria que garanta nossa dignidade? Feitas essas considerações uma sociólogo que desperta atenção por sua postura firme e polémica é o Niklas Luhmann. Difícil de compreender pela maioria dos seus contemporâneos (mais habituados a evocar os "clássicos" em sinal de veneração): assumindo assim uma postura própria de um verdadeiro iconoclasta e um crítico, que sabe o que falar e quando é necessário manter silêncio, fala e criticar apenas quando isso é absolutamente indispensável para focalizar melhor o seu próprio pensamento. Produzindo textos até a sua morte em 1998. Luhmann deixou uma obra numerosa e abrangente com uma terminologia tão complexa como a sociedade que o mesmo analisava. Escreveu mais de trinta livros e cerca de trezentos artigos. Seus temas? Os mais variados, uma miscelânea de problemáticas. Com uma coerência que lhe é peculiar, seu pensamento abraçou questões sobre direito, tratou de forma minuciosa temas que remetiam a pedagogia, não deixou de analisar a religião, pensou a economia e o que pesava na transformação de uma cultura. Desde o início de sua trajetória não se deixou perder em seus planos inovadores e instigantes: Elaborar uma teoria específica e aplicável. Sua visão do todo traz a luz uma teoria que pretende ser universal, capaz de abarcar tudo o que existe, revelando-se uma teoria geral da sociedade. Para dar conta disso, a teoria mostra-se complexa e abstrata e contém uma vasta terminologia. Existe um encadeamento de ideias que constroem uma estrutura aplicável à sociedade inteira. Cada conceito em seu devido lugar e cada especulação, racional em sua amplitude. Ao invés de limitar a fundamentação de suas teses aos clássicos da sociologia, Luhmann foi ousado pensou grande utilizou conceitos dos mais diversos trabalhados em outras áreas. Contrário aos princípios tradicionais, seu pensamento provocou o tradicional pensamento acadêmico, que não acredita que uma única teoria possa, de modo plausível, analisar diferentes esferas sociais. Enfim, não seja covarde, não seja um fraco, seja grande.
                                                                                                                   


Por Claudio Castoriadis

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Peter Slotedijk

“Os idealismos surgem quando os pensadores acreditam ter encontrado qualquer coisa que lhes poupe a coexistência com os outros”. Com essa máxima que remete ao sociólogo, também alemão, Niklas Luhmann, Peter Sloterdijk provoca diversos sentimentos na academia atual e aos seus leitores. Mostrando para o mundo seu estilo iconoclasta de pensar o mesmo tenciona um discurso que visa resgatar a essência última da filosofia para que esta possa dar conta de aspectos da experiência humana que é únicamente a coexistência com os outros.  Sem meio termo ou qualquer pudor disfere críticas das mais severas ao contexto atual politico e sócio econômico de nosso tempo. Nascido em Karlsruhe (Alemanha) em 1947, Peter Sloterdijk estudou filosofia, germanística e história em Munique e Hamburgo. É considerado um dos mais importantes renovadores do pensamento filosófico da atualidade. Desde o início do seu percurso intelectual seus textos asseguravam uma nova dinamite no universo filosófico. A partir da publicação de Crítica da Razão Cínica, em 1983, garante seu destaque na nova safra de intelectuais com seu estilo ímpar. É bem verdade que sua leitura não é fácil por abusar do uso frequente de fórmulas elípticas e hiperbólicas, retoricamente estratégicas, em seus ensaios.

POr Claudio Castoriadis

sábado, 7 de maio de 2011

Reinhart Koselleck: Um salve para a indústria de intelectuais alemães.(Begriffsgeschichte).

Reinhart Koselleck nasceu em Gorlitz na Alemanha, em 23 de Abril de 1923. Doutor em 1954, teve sua tese publicada em 1959, com o título Kritik undKrise (há traduções para o francês e o italiano). Seu campo de investigação remete à teoria da história e a aspectos da história moderna e contemporânea. Sendo considerado um dos mais importantes historiadores alemães do pós-guerra, ainda ganha destaque por ser um dos fundadores e o principal teórico da história dos conceitos. As suas investigações cobrem um vasto campo temático. Dedicou cerca de 30 anos de sua vida à elaboração de uma história dos conceitos. Partindo do principio de que este tipo de história não pode ser separado da história social, ele investiga os problemas teóricos implícitos a este campo de pesquisa, particularmente no que se refere às relações entre linguagem e história. Seguindo o mesmo caminho traçado pelo filósofo Heidegger, Koselleck trabalha a possibilidade da disciplina histórica a partir da temporalidade inerente à existência humana. Por isso sua historiografia de se desenvolve a partir de uma questão fundamental: “o que é o tempo histórico?”. Pergunta essa que caracteriza a atitude teórica fundamental para se chegar a questionamentos genuinamente históricos. Como?  Ressaltando a relação entre história e tempo analisando as experiências dos homens no mundo, sua atuação política, sua vida em sociedade. Penso que seu discurso pode ser identificado ao pensamento da escola de Frankfurt quando o mesmo também, com outros métodos, busca uma análise crítica da sociedade industrial avançada, época atrelada aos princípios burgueses problematizando as ideias de igualdade, liberdade e fraternidade, invocada pela burguesia. Encontrando nesses princípios as raízes da alienação e problemas da politica contemporânea suas ideias de imediato por acaso não refletem a dialética do iluminismo e a crítica da razão instrumental, temas trabalhados com precisão pelos intelectuais da “Escola De Frankfurt”? Escola relacionada ao Materialismo Histórico, muito influente entre os historiadores, e particularmente no Brasil. Uma primeira leitura do seu livro CRÍTICA E CRISE já basta para asseguramos tal afinidade. Nessa obra de extrema relevância à Teoria da História, o autor estuda a dinâmica interna do Iluminismo e da gênese do mundo burguês, modo de produção intelectual elaborada no século XVIII que não apenas justificou a ascensão de uma classe especifica, como também inaugurou uma nova percepção do mundo, um processo que se estende desde a Revolução Francesa até a Guerra Fria, justificando assim um mundo em crise. Cumpre notar que segundo Koselleck o espírito burguês do século XVIII transformou a História em um processo. Ao soerguerem como que um tribunal da razão, as Luzes passam a chamar às falas a Teologia, a História, a Arte, o Direito, o Estado e a Política. Ou seja, no momento em que as Luzes negam o Estado Absolutista, a história fica em aberto e, assim, se enuncia a crise que finda no que podemos denomina de “dialética do iluminismo”.  Ironias a parte, vejam que incrível a “Filosofia” e a “História” pensando e respirando um mesmo "ar" intelectual.  Um salve para a indústria de intelectuais alemães.




Por Claudio Castoriadis

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Onde está você?

- Onde está sua família Amina?
- Amina, onde você está?
- Sabe quantos cigarros já fumou fora esse desde o início de nossa conversa?
 - Por que tem que ser assim Amina?
- Escute, sou de curtir minha tristeza sozinho. Mas isso? Por favor, Amina...
- sei,sei.
- Garota, será que não sai nada da sua boca além dessa fumaça desagradável?
-Psicanalista eficiente.
-Perdão Amina, poderia repetir?
-Psicanalista eficiente, Psicanalista eficiente.
- Entendeu? Ou tenho que sussurrar meus lábios ressecados em seu ouvido?- Por acaso está fazendo descaso da minha pessoa Amina?
- Não.  
 - Por que deveria? É...
- Senhor Hans Von Liszt né isso?
- Isso o que Amina?
- Ora! Seu nome. Senhor Hans Von Liszt.
- Estou enganada?
- Ou será que durante minha estadia aqui não conseguir decorar um nome tão exuberante?
- Aliás, com todo respeito, belo nome doutor.
- Sabe doutor, muitas vezes me pergunto por que vocês costumam ter nomes tão complicados. É questão de glamour intelectual? Engraçado, olhando seus livros agora, me veio à cabeça, bem naquela parte onde fica a massa cinzenta sabe?  Sim, aquela parte que vocês tentam mapear. Enfim, me ocorreu agora lembrar que geralmente em toda foto vocês estão rodeados de livros. De todas as cores, tamanhos e assuntos. Você está anotando isso? Então, como eu ia dizendo desde sempre me perguntava: nossa! Incrível. Aposto que não é fácil ler isso tudo. Vocês são deveras gênios. Só vocês mesmo. – com a boca num meio sorriso deixo um ar de petulância-.
- Como assim vocês Amina? Não estou entendo aonde você quer chegar.
- Há o senhor sabe...vocês de nomes exóticos, aparências peculiares e que na maioria das vezes morrem birutas.
- Amina, assim você apenas piora as coisas pro teu lado.
-Sei,sei.
 - É...Senhor Hans Von Liszt.
- Pode falar Amina.
- já terminou?
- Como assim? Pensa em ir pra onde amina? 
- É Por que marquei de jogar baralhos com os birutas lá fora. Tenho que aproveitar por que esses ainda não morreram. Com sua licença doutor... É... Tenha um bom dia. SIM! Belos livros.
Com delicadeza me retiro do escritório ainda com as mãos tremulas, enquanto caminho deslizo meus dedos pela parede do corredor.  Olho para os lados distraída e continuo. No pátio, cambaleio ao sair na luminosidade do dia. Poucos pacientes: 8, 13, 15 no máximo. É um dia quente, pouco vento, procuro por uma sombra, um lugar pra respirar melhor. Ascendo um cigarro, era o último, dispenso a caixa na lixeira e me certifico que a foto apesar de amassada continua em meu bouço. A sessão de hoje até que foi interessante. Nada de extraordinário, devo admitir, mas tive a impressão de que hoje foi interessante. É... Será que ele entendeu como as coisas de fato funcionam? Quem é quem por aqui? Duvido muito, eu realmente duvido. Ele é muito erudito para isso. Tem visão, isso é indubitável. Mas não sabe enxergar.
 Enfim, já é meio dia um paciente se aproxima, meio desequilibrado - deve ter vindo da enfermeira-. Uma figura carismática que gostou de mim. Seu nome é Kathy. Pergunta pelos meus cigarros, aponto para a lixeira com um sorriso amigável; então ele vira o rosto para o lado, como quem fosse contar um segredo e diz: - Minha filha os meus cigarros chegaram hoje pela manhã, qualquer coisa é só pedir. Dito isso, da mesma forma que veio ao meu encontro ele se vai, cambaleando, distraído e feliz.  

                                                                                           Turim, 28 de Setembro. 1984



Por Claudio Castoriadis ( trecho do meu conto Onde as horas não passam)
Mais informaçõeshttp://claudiosloterdijk.tumblr.com/

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Onde as horas não passam...II



Onde as horas não passam....                               

A foto

A rua não lembro exatamente, haviam muitas pessoas, por ventura me falha o motivo da festa; as horas se passavam, era madrugada, o clima permanecia cálido e aconchegante. Enquanto houvesse música e bebida a noite parecia não ter fim. Talvez se eu tivesse paciência poderia ter ficado e compartilhado daquele um tanto peculiar sentimento comemorativo que parecia tomar a todos. Quanto mais a noite se aprofundava, maior se tornava o colapso, eram os muitos que, tombavam contra mim e logo em seguida desaguavam pela calçada, agora, amparo dos muitos jovens alcoolizados que ali se encontravam. tudo tão ridículo, patético - gentalhas - aquilo tudo embrulhava meu nauseado estômago. Subitamente como se fosse mágica, paira ao meu redor um silêncio assustador seguido por um frio incomodo que paralisava o meu frágil corpo por inteiro; aquilo que jaz no inconsciente, agora se personificava entre pessoas inconsequentes e alcoolizadas, bem diante dos meus olhos, como se tencionasse minha atenção. Corpos caiam ao seu redor com o simples toque das suas mãos, almas eram ceifadas a cada passo seu em minha direção. Embora a resposta final para o que estava acontecendo fosse demasiada assustadora, sei o quanto é difícil de acreditar, mas, aquilo tudo me seduzia. Cada corpo, cada movimento me agradava. Não obstante, Eu o deixei se aproximar e entrar em minha vida, novamente eu o aceitei.”

Por alguns instantes o silêncio me separa do meu, “competente”, médico. Desde o momento que entrei em seu escritório, até o fim dos meus delírios ao confessar meus sonhos, ele não inclina a cabeça, nem atenta meus olhos. Apenas faz anotações. Escreve, escreve, e assim permanece por horas. Tento não me incomodar com sua fria formalidade. Detenho-me observando os quadros e livros que se encontra por traz da minha poltrona. Livros empoeirados e fora do lugar que não conseguem atribuir nada de atraente para meus olhos- nossa quantos livros desses eu poderia ler? Seria uma leitura para pacientes? Ou apenas para eles? Os normais que estão do outro lado no “mundo real”. Ou quem sabe esse tipo de leitura apenas serve para discutirem teorias em congressos terapêuticos? Até que seria engraçado servir como via de acesso para um debate clínico em uma revista especializada-. Quanto tempo ainda?  Fico sussurrando, em baixo tom, para me mesmo, o que penso daquela pérfida situação. Em um sutil movimento consigo ler, com dificuldade, suas anotações, claro, rotineiras sobre meu caso. E pelo que posso aperceber, toda minha conversa em nada inferiu em meu progresso. Será que faltou mais ensaio na frente do espelho? De qualquer forma quantas vezes tenho que contar meus sonhos? Até que ponto meu quadro clínico tem algum tipo de relevância em meus sonhos? Sim, pode ser a velha questão da limpeza de chaminé, tão trabalhado pela psicanálise. Será mesmo esse o termo utilizado por eles? Sei lá, é tudo tão complicado - Preciso de um cigarro.

Enfim, reparo também um tipo de desatenção para os detalhes das minhas palavras. Perfeito, isso é o que denomino de psicologia de sala de jantar, dito de outro modo, uma não psicologia. Fria, desumana, sem estrutura adequada. Seria o caso de rir ou lastimar tal situação? Sinto-me tão aliviada em falar dos meus sonhos. Penso que, o sonho é um repouso para o cérebro, que, pelo menos, durante a cortante madrugada com intuito ávido, tenta satisfazer as severas exigências impostas pelo cotidiano, tenciona de maneira mais satisfatória possível algum tipo de alívio para as amarguras rotineiras do assim chamado “mundo real”. Sabe aquele mundo onde as pessoas são iguais, possuem suas famílias, tem belas roupas, fazem suas refeições diárias em frente a um aparelho de T.V, comemoram o natal, falam que amam, matam, ferem, fazem atividades em prol da saúde e estética, aquelas pessoas que se escondem por de traz da sua luxúria, e trabalham o mais belo sorriso para seu próximo, seja ele o padeiro da esquina ou um grande empresário. Um mundo onde o mais louvável é não pensar e sim fazer parte de um “todo,” afetados por um tipo de inconsciente coletivo ou algo do género. Um mundo onde apesar dos limites e convenções sociais o indivíduo acredita poder afirmar sua existência sendo ser imprescindível ser normal. Tudo mentira, antiquário, anacrônico. Tudo um jogo de mascaras que não deixa de ser tudo “humano”.    

 Nessas horas sou grata pela minha majestosa imaginação que continuamente oferece imagens contrárias as quimeras da esfera humana. E aqueles que não são abençoados por tal dádiva?  Aqueles que desistiram de sonhar? Ora, sei que existem pessoas que lutam tão determinadas contra moléstias, desilusões e a ferida do existir, atormentados ou, até mesmo acorrentados por visões delirantes; depois de terem a realidade despedaçada, todo o equilíbrio sobre seu pensamento, sua vontade e, sobre tudo que um dia reflete o que outrora foi seu “eu”. Não teriam essas pobres almas em seus sonhos algum tipo de rochedo? Com isso, mais uma pergunta atormenta meu espírito: até que ponto isso importa para a medicina? Para um médico especialista? O meu diagnóstico? Minha enfermidade deverás encontra algum consolo nessa sala? Meu último médico, por sua vez covarde ou simplesmente sensato, havendo presenciado a uma de minhas crises, terríveis crises de loucura, fugiu da clínica apavorado. Salve, salve a ciência e seus nobres servos. Quanto tempo esse ainda resistirá? Operários burocratas, todo esse ar me sufoca, será que acaso alguém compreende isso? Que não foi a doença que caiu sobre mim e sim o contrário, eu a busquei como uma amante bastarda e perfumada, a mesma abracei e cortejei como um raio avassalador, destruidor. Pois bem, alguém se importa ou exterioriza algum tipo de sentimento onde me encontro e repouso? Paciência, paciência, é tudo que preciso, visto que o mundo permanece o mesmo. Enfim, onde estou? E meu excomungado pensamento? Ainda não encontrou seu limite? Grande Deus, existe um ponto onde minha essência auto destrutiva culmina sua peculiar cede inquiridora?  É nessas horas que sinto pesar minha falta de compromisso com os livros de psicologia, quem sabe, pela bem aventurança do destino hoje minha alma estaria conformada e seguramente manteria um correlato entre meu eu, espírito e pensamento. Ou o que Lacan denomina de real – simbólico - imaginário. Faria mais sentido que fumar dezenas de cigarros.

A luz do sol que brilhava no cachimbo do Freud estampado em um velho quadro que serve como pano de fundo para um médico despriendido se encontra mais fraca. Suponho que em sua confortável poltrona o tempo não pesa muito em seu trabalho. Aqui não é permitido o uso de relógios, então tento me situar nas sombras que chegam na sala perante a ausência de luz. Com os olhos penetrantes e frios ele me pergunta da minha saúde, melhoras, como tem sido minhas noites de nosso. Minha alimentação. Suas mãos brancas quase que sem cor tocam meus cabelos avermelhados e da sua boca seca e objetiva ele diz que tudo vai ficar bem. Estranho, porém previsível de um médico cujo nome Hans Von Liszt em nada passa segurança. Meu coração bate forte, minhas mãos não param de tremer. Respiro fundo, tento controlar meu medo. Estou apavorada. Será que ele notou a foto que, amassada, seguro mesmo com as mãos trêmulas? Não, acho que não. Ele nem mesmo me notou. Tento quebrar minha tensão respirando fundo. [...]   





Por Claudio Castoriadis ( trecho do meu conto Onde as horas não passam)
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